O exemplo clássico o esquema tripartido
de "poderes separados", elaborado na primeira metade do século XVIII
por Montesquieu, é a Constituição dos Estados Unidos da América. Porque, além
de assegurar a neutralização política de um poder judicial independente,
confere ao chefe do poder executivo - o Presidente - uma legitimidade
democrática distinta da legitimação democrática própria do poder legislativo.
Nem o chefe do Governo - o Presidente - pode dissolver o Parlamento nem este
pode demitir o Presidente, salvo no caso limite da responsabilidade por crime
praticado no exercício das funções. Pelo contrário, nos sistemas
parlamentaristas, o Governo não tem legitimidade própria e está obrigado a
cumprir o programa aprovado pelo Parlamento que, a qualquer momento, pode
provocar a sua demissão. O tempo se encarregaria de confirmar que a vocação
antiautoritária do princípio da separação dos poderes não se realiza através de
um modelo certo e determinado ou de uma estrutura política peculiar mas sim por
efeito de uma articulação variável de competências diferenciadas e controlos
recíprocos que os constitucionalistas americanos crismaram como "checks and balances".
O "semipresidencialismo"
francês é pois uma variante atípica do "presidencialismo" porque
atribui ao Presidente o poder de dissolver o Parlamento juntamente com certas
competências governativas, embora fique sujeito à coabitação com o Governo de
um partido adverso caso este obtenha a maioria parlamentar. É certo que quem
representa a França no Conselho Europeu é o Presidente Hollande e não o
primeiro-ministro francês, mas quem representa a Alemanha em Bruxelas é a
primeira-ministra (Chanceler) Angela Merkel e não o Presidente da República, e
o mesmo ocorre com a Itália, a Espanha ou Portugal, representados pelos chefes
de Governo e não pelos respetivos chefes de Estado.
Enfim, a questão relevante não é
averiguar se existe ou não um processo de legitimação democrática direta do
presidente da República - aliás, nos Estados Unidos, o Presidente é eleito
indiretamente e foi dessa forma que George W. Bush se viu reeleito para o
segundo mandato presidencial por uma minoria dos votantes! O que importa, sim,
é a ponderação rigorosa dos poderes constitucionais confiados ao Presidente, a
natureza das funções repartidas entre os vários órgãos de soberania e o quadro
de condicionamentos recíprocos em que elas são exercidas.
A Constituição da República da
Guiné-Bissau não talhou a figura do seu presidente para governar. Com efeito, o
Presidente não pode nomear o primeiro- ministro conforme a sua vontade mas sim
de acordo com a vontade popular expressa nos resultados das eleições
legislativas e depois de ouvir os partidos representados na Assembleia Nacional
Popular. Depois de nomeado, o Governo só subsiste depois de o seu programa ser
aprovado no Parlamento que continua a poder provocar a sua demissão, quando
muito bem entender. O Presidente pode vetar as leis da Assembleia mas é
obrigado a promulgá-las se forem confirmadas por maioria qualificada dos
deputados.
A "responsabilidade política"
do Governo perante o Presidente não é comparável com a sua
"responsabilidade política" perante a Assembleia porque é desta que
deriva a sua legitimidade democrática, foi ela que aprovou o seu programa e as
leis que está obrigado a cumprir. A Lei Fundamental também não atribuiu ao
Presidente tarefas próprias na fiscalização da constitucionalidade.
Atribui-lhe, sim, poderes de dissolução do Parlamento e demissão do Governo em
circunstâncias excecionais de crise política que afetem o normal funcionamento
das instituições. As dificuldades de "relacionamento institucional"
entre o Presidente e o Governo são inerentes ao "normal funcionamento das
instituições da República". Não podia o Presidente invocar como fundamento
para demitir o Governo a perturbação naturalmente induzida pelo exercício dos
"checks and balances" que, justamente com essa finalidade, foram
constitucionalmente prescritos. O povo da Guiné-Bissau merece dos seus
representantes legítimos um esforço sério de concertação e diálogo.
Nota:
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expressas.
Isto é o que reza a Constituição da República, cuja a interpretação vai ao encontro do seu espírito; Contudo, não é de esquecer que o Presidente tem a sua própria Constituição e resolveu aplicá-la, regando para o segundo plano a Constituição do país.
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