As solicitações foram várias, mas o
ex-Presidente Jorge Sampaio recusou sempre comentar o desfecho das eleições
legislativas de 4 de Outubro. Fê-lo, pela primeira vez, esta quarta-feira, em
Beja, numa palestra com o sugestivo título, em forma de interrogação: Que
Portugal queremos?
Sampaio quis ser "claro". E
foi: "Sendo as indicações parlamentares fáceis de ler, não é justificável
adiar por mais tempo a formação de um novo governo."
Dirigido a Cavaco Silva foi também um
apelo: "Portugal precisa de um governo na plenitude das suas funções, como
preceitua a Constituição da República, e capaz de responder às duras exigências
que a situação nacional e os constrangimentos internacionais nos colocam."
Esse governo, continuou, deve ter "condições de ver o seu programa passar
na Assembleia da República" e deve, na opinião de Sampaio, "governar
na plenitude das suas funções".
Com estas condições, embora sem o
referir explicitamente, o ex-Presidente afasta os cenários alternativos à
indigitação do PS com o apoio dos restantes partidos da esquerda. É que um
governo de "gestão" da actual maioria PSD-CDS, ou até de
"iniciativa presidencial", não dispõe da garantia de ver aprovado o
seu programa no Parlamento, nem pode funcionar em "plenitude" de
funções.
"No nosso quadro constitucional, os
governos formam-se a partir dos resultados das eleições parlamentares,
apresentam-se e respondem politicamente perante o Parlamento", afirmou
Sampaio, afastando qualquer dúvida sobre a sua leitura das nunaces do
"semi-presidencialismo". "Numa altura em que o povo acabou de
votar e não pode ser chamado a votar de novo, cabe ao Presidente da República o
desempenho de um poder de livre exercício", continuou, "subordinado
exclusivamente à interpretação que faz do interesse público". Assim,
conclui o ex-Presidente, cabe a Cavaco Silva "nomear um governo que tenha
condições" para governar e um programa aprovado pelos deputados.
Jorge Sampaio foi ainda mais longe:
"A política é um compromisso continuado com a coisa pública. Nas
democracias representativas, o povo delega no Parlamento, que elege e que
representa a sua vontade, a governação da coisa pública. "
Esta é uma matéria sobre a qual Sampaio
tem "convicções fortes". Uma das principais é a de que é
"crucial" para o futuro "restaurar a confiança dos cidadãos na
política". "Desenganem-se os que pensam que os mercados resolvem tudo
ou que as redes sociais e as iniciativas ditas 'cidadãs' substituem o papel do
Estado e das políticas públicas. Desenganem-se também os que pensam que a
democracia se pode suspender em nome dos humores dos mercados ou da
estabilidade entendida como negação de alternativas."
Nesta palestra, Sampaio defendeu ainda
"o papel do Estado social e das políticas públicas na criação de
sociedades prósperas, coesas e inclusivas".
Falando sobre a relação entre o Estado e
os mercados, Sampaio deixou claro que "há áreas em que a intervenção do
Estado produz melhores e mais eficazes resultados do que os mercados – é o
caso, por exemplo, da educação, da equidade e do acesso em saúde pública, da
justiça".
Porém, prosseguiu, "o Estado não
pode resolver todos os problemas". Tal não significa que os mercados devam
substituir as funções públicas: "Os mercados entregues a si próprios não
asseguram a estabilidade, equidade e eficácia, porque os mercados não são fins
em si mesmos – por exemplo, os mercados sobreproduzem poluição; subproduzem
investigação; ignoram o desemprego, as populações desfavorecidas, a terceira
idade." Com o Publico
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