segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Guiné-Bissau, reunião da UPA precede votação por continuidade ou não do governo do PAIGC

Por, Dr. Timóteo Saba M’bunde

Entre os dias 2 e 6 de Dezembro de corrente ano, a União Parlamentar Africana (UPA) organiza, em Bissau, a sexagésima sétima sessão da reunião do Comité Executivo da União Parlamentar Africana, e, pela trigésima oitava vez, a Conferência dos Presidentes das Assembleias Parlamentares Nacionais da UPA. Estima-se que o referido encontro alberga cerca de duas centenas de participantes provenientes de mais de 40 países do continente, que incorporam essa organização estatal criada há 39 anos. Os controversos desígnios da unificação política africana concebidos, nutridos e defendidos, sobretudo nas décadas de 1950 e 1960, por N’krumah e alguns dos seus contemporâneos, inspiram e constituem a principal fonte simbólica do discurso em prol da união das instituições parlamentares africanas.

Além do fortalecimento das instituições parlamentares africanas, a promoção da democracia na região é a razão da existência da UPA, cuja consecução permanece muito aquém do razoável, para não dizer do ideal. Enquanto o termo democracia assume crescente relevância retórica e demagógica, o povo africano permanece distanciado dos fóruns e centros do processo decisório, tendo sua participação política e democrática reduzida aos padrões schumpeterianos. No âmbito económico, os números mostram que a economia da África tem sido crescente, mas a redução da pobreza e da desigualdade, em termos comparativos, é irrisória. A esfera política de boa parte dos Estados da região é sistematicamente transformada em arenas de controvérsias e disputas mesquinhas, tendo suscitado golpes de Estado em alguns contextos, e comprometido boas relações entre as instituições estatais em outros.

Neste último caso se enquadra o quadro político que se vive hodiernamente na Guiné-Bissau, cuja governabilidade, especialmente as relações entre o Presidente da República e o Governo, e, em alguma medida, o presidente da Assembleia Nacional Popular (ANP), têm sido seriamente abaladas pela disputa político-partidária originária do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), ocasionando a destituição do então governo do PAIGC pelo Presidente da República. Só depois de dois meses, o novo (actual) executivo do PAIGC liderado pelo Carlos Correia, finalmente, receberia a posse do Presidente da República e o país voltaria a ter um governo. Esse impasse político só seria “superado” pela intermediação directa do delegado da Comunidade Económica Dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), ex-Presidente da Nigéria, Olesegun Obasanjo. Entretanto, os conflitos e discrepâncias no seio dos independentistas permaneceram e permanecem crescentes, ganhando um novo capítulo com a expulsão do terceiro vice-presidente do partido, Baciro Djá.

O actual executivo foi inequivocamente forjado pela CEDEAO, não tendo sido produto de consenso (vontade política) de ambas as partes em contenda, carecendo de necessário respaldo político. Por que? Pois, no meu ponto de vista, havia apenas duas condições razoáveis e sustentáveis para a sua viabilização: o acordo com o Partido de Renovação Social (PRS) para lograr a necessária base parlamentar, ou a reconciliação intrapartidária (no PAIGC) com vistas a cooptar os deputados dissidentes (talvez dissidentes). Nenhuma das duas vias foi trilhada, aliás, sou crítico da primeira alternativa. Penso que, ao invés de recorrer ao PRS para governar, o diálogo não deveria ser esgotado tão rápido, deveria constituir por muito tempo o principal mecanismo de superação das controvérsias trazidas de Cacheu, procurando ponto de convergência que viabilizasse a governação sem necessidade de coalizão com o maior rival.

Bem, o PRS não integrou o Governo, e os indignados parlamentares do PAIGC não fizeram as pazes com a actual direcção superior do PAIGC e vice-versa. Assim sendo, o governo de Correia submeterá o seu programa de governação e orçamento geral de Estado a uma assembleia cuja maioria parlamentar é do PAIGC, mas, devido à actual conjuntura, as chances dessa maioria rachar no ato de votação são colossais. Portanto, há fortes indícios de que o Governo verá seu programa de governação censurado pelos parlamentares. Se acontecer, a sua reprovação será estritamente política, e não por motivos técnicos e/ou orçamentários.

Alguns eventos políticos recentes de nomeação de quadros superiores do PRS aos cargos públicos (nomeadamente para as funções do Procurador-Geral da República, e Presidente do Tribunal de Contas) pelo Presidente da República informam que este está a aproximar-se do PRS, e, ao que me parece, os renovadores estão de braços abertos para o Chefe de Estado. Será que o partido do milho e arroz será um aliado parlamentar para censurar o governo tão criticado pelo Chefe de Estado? Tudo indica que sim, mas nada garante que essa tendência não pode mudar. Na política tudo pode mudar “em um piscar de olho”. Aliás, quem garante que todos os deputados do PRS votarão contra? Diz-se que há também clivagens internas no PRS (mesmo sendo em um grau muito menor em comparação às do PAIGC), e isso poderá gerar fuga de votos durante o processo. Não podemos descartar eventual aliciamento de deputados nos bastidores pela direcção do PAIGC. Faz parte do jogo político.

Outro facto que vai influenciar, para o bem ou para o mal, a votação do orçamento de Estado e programa de governação do PAIGC na ANP é a expulsão do terceiro vice-presidente do PAIGC. É verdade que o afastamento compulsório e definitivo imposto ao Baciro Djá, e a suspensão temporária de outros três influentes dirigentes do partido (Rui Diã de Sousa, Aristides Ocante da Silva e Respício Silva) constituem uma medida que pode fortalecer a radicalização da ala que se opõe ao presidente do partido, Simões Pereira, e ao actual governo. Mas, por outro lado, esse ato deliberado pelo Conselho Nacional de Jurisdição do PAIGC é uma estratégia política que pode gerar resultado distinto.

A desconfiança de poderem ser estigmatizados e partidariamente acossados por muito tempo, em caso de voto contra, pode induzir alguns ou a maioria dos revoltados parlamentares dessa agremiação política a posicionarem a favor do programa de governo de Carlos Correia. Em outros termos, a deliberação em impor essa pesada penalidade a importantes figuras da cúpula dirigente do PAIGC pode constituir um recado prévio aos deputados às vésperas de sessões parlamentares de avaliação e votação do programa do governo. Todavia, não deixa de ser uma medida arriscada, haja vista as potenciais implicações contraproducentes a ela inerentes.

Penso, sem nenhuma pretensão determinista, que o PAIGC e o seu líder já estão se preparando para eventual desfecho amargo desse cenário – a censura do seu programa de governação no parlamento. Os frequentes contactos do seu líder com as bases eleitorais no exterior e no próprio país são esforços pensando em longo ou médio prazo.


Os desdobramentos desse cenário tão nebuloso, caracterizado por crescentes e declaradas dissonâncias políticas podem comprometer a governação do PAIGC, e gerar um governo de iniciativa presidencial.

Nota: Os artigos assinados por amigos, colaboradores ou outros não vinculam a IBD, necessariamente, às opiniões neles expressas.  

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