Entre os dias 2 e 6 de Dezembro de
corrente ano, a União Parlamentar Africana (UPA) organiza, em Bissau, a
sexagésima sétima sessão da reunião do Comité Executivo da União Parlamentar
Africana, e, pela trigésima oitava vez, a Conferência dos Presidentes das
Assembleias Parlamentares Nacionais da UPA. Estima-se que o referido encontro
alberga cerca de duas centenas de participantes provenientes de mais de 40
países do continente, que incorporam essa organização estatal criada há 39
anos. Os controversos desígnios da unificação política africana concebidos,
nutridos e defendidos, sobretudo nas décadas de 1950 e 1960, por N’krumah e
alguns dos seus contemporâneos, inspiram e constituem a principal fonte
simbólica do discurso em prol da união das instituições parlamentares africanas.
Além do fortalecimento das instituições
parlamentares africanas, a promoção da democracia na região é a razão da
existência da UPA, cuja consecução permanece muito aquém do razoável, para não
dizer do ideal. Enquanto o termo democracia assume crescente relevância
retórica e demagógica, o povo africano permanece distanciado dos fóruns e
centros do processo decisório, tendo sua participação política e democrática
reduzida aos padrões schumpeterianos. No âmbito económico, os números mostram
que a economia da África tem sido crescente, mas a redução da pobreza e da
desigualdade, em termos comparativos, é irrisória. A esfera política de boa
parte dos Estados da região é sistematicamente transformada em arenas de
controvérsias e disputas mesquinhas, tendo suscitado golpes de Estado em alguns
contextos, e comprometido boas relações entre as instituições estatais em
outros.
Neste último caso se enquadra o quadro
político que se vive hodiernamente na Guiné-Bissau, cuja governabilidade,
especialmente as relações entre o Presidente da República e o Governo, e, em
alguma medida, o presidente da Assembleia Nacional Popular (ANP), têm sido
seriamente abaladas pela disputa político-partidária originária do Partido
Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), ocasionando a
destituição do então governo do PAIGC pelo Presidente da República. Só depois
de dois meses, o novo (actual) executivo do PAIGC liderado pelo Carlos Correia,
finalmente, receberia a posse do Presidente da República e o país voltaria a ter
um governo. Esse impasse político só seria “superado” pela intermediação directa
do delegado da Comunidade Económica Dos Estados da África Ocidental (CEDEAO),
ex-Presidente da Nigéria, Olesegun Obasanjo. Entretanto, os conflitos e
discrepâncias no seio dos independentistas permaneceram e permanecem
crescentes, ganhando um novo capítulo com a expulsão do terceiro
vice-presidente do partido, Baciro Djá.
O actual executivo foi inequivocamente
forjado pela CEDEAO, não tendo sido produto de consenso (vontade política) de
ambas as partes em contenda, carecendo de necessário respaldo político. Por
que? Pois, no meu ponto de vista, havia apenas duas condições razoáveis e
sustentáveis para a sua viabilização: o acordo com o Partido de Renovação
Social (PRS) para lograr a necessária base parlamentar, ou a reconciliação
intrapartidária (no PAIGC) com vistas a cooptar os deputados dissidentes
(talvez dissidentes). Nenhuma das duas vias foi trilhada, aliás, sou crítico da
primeira alternativa. Penso que, ao invés de recorrer ao PRS para governar, o
diálogo não deveria ser esgotado tão rápido, deveria constituir por muito tempo
o principal mecanismo de superação das controvérsias trazidas de Cacheu,
procurando ponto de convergência que viabilizasse a governação sem necessidade
de coalizão com o maior rival.
Bem, o PRS não integrou o Governo, e os
indignados parlamentares do PAIGC não fizeram as pazes com a actual direcção
superior do PAIGC e vice-versa. Assim sendo, o governo de Correia submeterá o
seu programa de governação e orçamento geral de Estado a uma assembleia cuja
maioria parlamentar é do PAIGC, mas, devido à actual conjuntura, as chances
dessa maioria rachar no ato de votação são colossais. Portanto, há fortes
indícios de que o Governo verá seu programa de governação censurado pelos
parlamentares. Se acontecer, a sua reprovação será estritamente política, e não
por motivos técnicos e/ou orçamentários.
Alguns eventos políticos recentes de
nomeação de quadros superiores do PRS aos cargos públicos (nomeadamente para as
funções do Procurador-Geral da República, e Presidente do Tribunal de Contas)
pelo Presidente da República informam que este está a aproximar-se do PRS, e,
ao que me parece, os renovadores estão de braços abertos para o Chefe de
Estado. Será que o partido do milho e arroz será um aliado parlamentar para
censurar o governo tão criticado pelo Chefe de Estado? Tudo indica que sim, mas
nada garante que essa tendência não pode mudar. Na política tudo pode mudar “em
um piscar de olho”. Aliás, quem garante que todos os deputados do PRS votarão
contra? Diz-se que há também clivagens internas no PRS (mesmo sendo em um grau
muito menor em comparação às do PAIGC), e isso poderá gerar fuga de votos
durante o processo. Não podemos descartar eventual aliciamento de deputados nos
bastidores pela direcção do PAIGC. Faz parte do jogo político.
Outro facto que vai influenciar, para o
bem ou para o mal, a votação do orçamento de Estado e programa de governação do
PAIGC na ANP é a expulsão do terceiro vice-presidente do PAIGC. É verdade que o
afastamento compulsório e definitivo imposto ao Baciro Djá, e a suspensão
temporária de outros três influentes dirigentes do partido (Rui Diã de Sousa,
Aristides Ocante da Silva e Respício Silva) constituem uma medida que pode
fortalecer a radicalização da ala que se opõe ao presidente do partido, Simões
Pereira, e ao actual governo. Mas, por outro lado, esse ato deliberado pelo
Conselho Nacional de Jurisdição do PAIGC é uma estratégia política que pode
gerar resultado distinto.
A desconfiança de poderem ser
estigmatizados e partidariamente acossados por muito tempo, em caso de voto
contra, pode induzir alguns ou a maioria dos revoltados parlamentares dessa
agremiação política a posicionarem a favor do programa de governo de Carlos
Correia. Em outros termos, a deliberação em impor essa pesada penalidade a
importantes figuras da cúpula dirigente do PAIGC pode constituir um recado
prévio aos deputados às vésperas de sessões parlamentares de avaliação e
votação do programa do governo. Todavia, não deixa de ser uma medida arriscada,
haja vista as potenciais implicações contraproducentes a ela inerentes.
Penso, sem nenhuma pretensão
determinista, que o PAIGC e o seu líder já estão se preparando para eventual
desfecho amargo desse cenário – a censura do seu programa de governação no
parlamento. Os frequentes contactos do seu líder com as bases eleitorais no
exterior e no próprio país são esforços pensando em longo ou médio prazo.
Os desdobramentos desse cenário tão
nebuloso, caracterizado por crescentes e declaradas dissonâncias políticas
podem comprometer a governação do PAIGC, e gerar um governo de iniciativa
presidencial.
Nota: Os artigos assinados por amigos, colaboradores ou outros não vinculam a IBD, necessariamente, às opiniões neles expressas.
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