O governo que acaba de receber posse do Presidente
da República tem gigantescos desafios, cuja consecução requer um desempenho
óptimo que dependerá não só da vontade política de fazer, mas sim de capacidade
e habilidade de saber fazer. Boa política não se resume apenas à disposição de
querer, ela depende muito mais de uma visão política inteligente e habilidade
de persuasão e convencimento em meio a quadros políticos adversos.
O primeiro desafio do executivo de
Baciro Djá passa pela necessidade de sua própria legitimação, o que resultaria
da construção e do fortalecimento de sua imagem enquanto governo crível aos
cidadãos guineenses e principalmente à comunidade internacional. A ausência de
suficiente legitimidade a que me refiro aqui não diz respeito estritamente à
legalidade jurídica e constitucional, mas de pouca legitimidade popular decorrente
de polémicas e enfrentamentos vivenciados no processo de gestação e
constituição do referido executivo, a qual tende a se canalizar para o âmbito internacional
e potencialmente dificultar profícuas parcerias do mesmo com os principais
parceiros do desenvolvimento da Guiné-Bissau. Dito isso, me parece que o repúdio
popular (e internacional, em alguma medida) à deposição dos dois governos do
Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), especialmente
do primeiro, é sintomático e tende a produzir nível considerável de desconfiança
e impopularidade em relação ao governo de Djá que acaba de entrar em funções.
Independentemente de refletir ou não a
verdade dos factos, a narrativa política do PAIGC de que foi o Presidente Mário
Vaz quem patrocinou crises políticas que levaram à destituição dos últimos dois
governos e consequente formação do actual, é sólido e de difícil destruição.
Não constituirá tarefa fácil demolir esse discurso político mediante os
parceiros internacionais e a própria opinião pública nacional. Tal narrativa ainda
se fortalece pelo facto de o Presidente da Guiné-Bissau, figura central desse cenário
político, ser dono de uma imagem política significativamente contestada, cujo desgaste
tem sido crescente em função do embate político com o PAIGC, particularmente
com o presidente desta agremiação política, desde o início desta legislatura –
principalmente a partir da destituição do governo deste último.
Não podemos olvidar de que boa parte dos
integrantes do actual executivo é representada por figuras do Partido de
Renovação Social (PRS), facto que suscita descontentamento adicional dos
eleitores que votaram maioritariamente no PAIGC. No entanto, embora a
Constituição da República não tenha dado conta com suficiente nitidez e
necessária substância a questão de admissibilidade ou não de governos dessa
natureza pelo sistema político guineense, a história política do país guarda
nas respectivas páginas experiência parecida de efectivo exercício dessa arquitectura
política. Portanto, penso que os desafios para a viabilidade deste governo se concentrarão
mais no âmbito de gestão política, tendo sido a dimensão jurídica do imbróglio
relativamente superada.
Desta feita, os grandes desafios deste
governo são o fortalecimento de sua legitimidade e fornecimento de serviços
básicos ao país, ambas as condições, necessárias para evitar os fantasmas de
2012, tendem a ser interdependentes e indissociáveis no hodierno quadro
político. Em 2012, após o golpe de 12 de Abril, o governo de transição, que
acabaria por gerir o país por dois anos (20122014), teve sérias dificuldades
orçamentárias por conta de restrições económicas e financeiras internacionais a
ele impostas. Claro que o actual governo não é derivado de um golpe de Estado,
entretanto é alvo das mesmas críticas e objecções, senão piores das que eram direccionadas
ao governo de transição, há quatro anos. O eco de contestações políticas do
PAIGC não deve ser subestimado, podendo contribuir para comprometer o desempenho
e tornar inviáveis os desafios do actual executivo, os quais a polémica natureza
constitutiva do próprio governo já faz naturalmente colossais.
Penso que a conformação de desconfianças
e incertezas sociais e políticas sobre o desempenho deste governo se nutre
fundamentalmente da memória popular de recente tragédia socioeconómica que o
governo de transição política de 2012 não conseguiu evitar, tendo colocado o
país em um estado de penúria social e económica. É no âmbito político,
especialmente nas relações exteriores, que o governo de Baciro Djá deve explorar
a maior parte de esforços e habilidades político diplomático para impedir
potenciais restrições económicas internacionais que são costumeiramente impostas
aos governos cuja natureza (não) democrática é muito questionada.
A recente suspensão de apoio do Fundo Monetário
internacional (FMI) ao país, em decorrência de empréstimos mal parados por
governos cessantes, constitui concomitante e paradoxalmente um elemento
complicador e uma oportunidade para este executivo. Manifestasse como uma
oportunidade para o governo renegociar com o FMI e vendê-lo a imagem de um
executivo responsável e transparente. No entanto, neste momento a recuperação
de confiança deste, não passa apenas de uma possibilidade cuja concretização é
incerta a curto prazo. Penso que o chefe de Estado, em coordenação político-diplomática
estratégica com o Primeiro-ministro e o titular da pasta dos negócios
estrangeiros, deve participar ativamente no papel de desanuviamento de
desconfianças e reticências que, no meu ponto de vista, são a esse governo
congenitamente atreladas, buscando cultivar legitimidade no plano regional e na
esfera global como um todo. O envio do recém-nomeado Primeiro-ministro para
representar o Presidente Vaz na cimeira de Dakar, logo nos primeiros dias após
a sua indicação, me parece uma estratégia deste último para buscar legitimar
com rapidez o novo chefe do governo junto dos parceiros regionais.
Entretanto, a capitalização de
legitimidade deste governo deve começar de dentro para fora, cooptando os demais
atores políticos partidários, mormente as representações dos partidos
extraparlamentares – as quais não foram contempladas com cargos importantes no
governo – no sentido de assegurar uma plataforma política mais sólida e ampla.
Qualquer omissão/erro político
importante pode ser fatal. O fantasma de transição política de 2012 está bem
por aí.
Nota: Os artigos assinados por amigos, colaboradores ou outros não vinculam a IBD, necessariamente, às opiniões neles expressas.
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