O líder da revolução cubana, uma das
figuras mais marcantes e controversas do século XX, morreu na sexta-feira à
noite. "Até à vitória, sempre", despediu-se o irmão Raúl
"O comandante-chefe da revolução
cubana morreu esta noite às 22:29". Foi assim que o Presidente Raúl Castro
anunciou a morte do histórico líder cubano Fidel Castro. 'El Comandante' morreu
aos 90 anos.
Uma das pessoas mais influentes no
século XX, e também das mais carismáticas e controversas, que marca a
identidade coletiva de Cuba, Castro tinha feito os 90 anos a 13 de agosto e estava
a afastado do poder desde 2006, quando passou o testemunho ao irmão Raúl.
Emocionado, o irmão mais novo terminou o anúncio da morte com a frase "Até
à vitória, sempre".
FIdel tinha sido visto pela última vez
em público a 15 de novembro, quando recebeu o presidente vietnamita, Tran Dai
Quang. Marcelo Rebelo de Sousa esteve com o comandante a 26 de outubro, durante
a sua visita a Cuba.
Raúl anunciou ainda que "conforme a
vontade expressa pelo camarada Fidel, o seu corpo será cremado nas primeiras
horas" deste sábado.
Em abril, Fidel tinha discursado no
encerramento do Congresso do Partido Comunista Cubano e falado da morte:
"Em breve vou fazer 90 anos, isso nunca me tinha passado pela cabeça e não
foi fruto de um esforço, foi capricho da sorte. Em breve serei como todos os
outros. A vez chega a todos, mas ficam as ideias dos comunistas cubanos como
prova de que neste planeta, se se trabalha com fervor e dignidade, se podem
produzir os bens materiais e culturais de que os seres humanos precisam e
devemos lutar sem trégua para os obter", disse Fidel, naquela que foi a
sua mais longa intervenção pública desde que abdicou do poder a 31 de julho de
2006.
Fidel Alejandro Castro Ruz nasceu a 13
de agosto de 1926 em Birán, filho de um camponês galego que fez fortuna na ilha
e da sua segunda mulher. Estudou Direito na Universidade de Havana e quando
concorria a um lugar como deputado, com 26 anos, deu-se o golpe de Fulgencio
Batista que suspendeu as eleições.
Liderou em 1953 o falhado assalto ao
quartel Moncada, pelo qual seria condenado a 13 anos de prisão, tal como o
irmão mais novo, Raúl. No julgamento, pronunciou o famoso discurso "A
história me absolverá". Por pressão popular, ambos acabam exilados no
México - onde Fidel conheceu o argentino Che Guevara. É desse país que lança a
revolução, desembarcando em Cuba no iate Granma, a 25 de novembro de 1956 (fez
ontem 60 anos). Depois de uma luta de guerrilha, entra vitorioso em Havana em
1959, assumindo primeiro a chefia do governo e na década de 1970 a presidência.
Pelo meio, tinha feito a aproximação à
União Soviética à medida que se distanciava dos EUA - que a partir de 1960
instituíram o embargo a Cuba após a nacionalização de várias empresas. Em 1961,
depois da falhada invasão da baía dos Porcos por parte de opositores cubanos
treinados pela CIA, declara o caráter socialista da revolução - que tenta
exportar para outros países na América Latina e África. Um ano depois, o mundo
ficou à beira da guerra nuclear durante a crise dos mísseis. A ligação a
Moscovo seria abalada com o fim da URSS, nos anos 1990, que trouxe a primeira
grande crise económica à ilha e obrigou a um primeiro movimento de abertura,
até que o petróleo venezuelano substituiu os apoios soviéticos.
Fidel alegava ter sobrevivido a 634
tentativas de assassinato por parte da CIA, mas foi a saúde que lhe falhou. A
doença de Fidel em meados de 2006 e a consequente chegada ao poder de Raúl
possibilitaram as grandes mudanças de hoje em Cuba. Sem perder a ideologia e a
estrutura comunista, a ilha está a empreender reformas económicas (alguns dizem
demasiado lentamente) e a aproximar-se do inimigo histórico, os EUA, com quem
reatou relações diplomáticas em julho de 2015. No último ano, milhares de
turistas norte-americanos visitaram aquela que durante mais de cinco décadas
foi "ilha proibida" e o início dos voos regulares com Cuba deverá
levar ainda mais à Pérola das Caraíbas, possibilitando um crescimento da
economia cubana.
Retirado do poder desde 2006, Fidel
exercia contudo uma espécie de peso moral sobre a sociedade cubana -
"Fidel é ouvido em relação a todas as decisões importantes", dizia em
finais de 2011 o líder do parlamento, Ricardo Alarcón. O ex-comandante partilhava
a sua opinião através de dezenas de "reflexões" que publicava
regularmente na imprensa oficial cubana até há dois anos e meio, quando as
mensagens se tornaram mais espaçadas.
Numa carta publicada nos media estatais
cubanos em agosto, por ocasião dos seus 90 anos, Fidel agradeceu ao povo de
Cuba pelo "respeito" que lhe tinham. E no final da missiva,
referindo-se à visita de Barack Obama à ilha em março deste ano, criticou o
presidente americano por ter pedido aos cubanos para olharem para o futuro.
Fidel, que logo depois da visita escrevera uma carta a sugerir a Obama que
lesse sobre a História de Cuba, acrescentando que "não precisamos que o
império nos dê nada", atacou então o presidente dos EUA por não ter pedido
desculpas aos japoneses pela bomba atómica, numa visita a Hiroxima.
Fidel
ResponderEliminar"Condenem-me, não me importo. A História me absolverá". Passaram 63 anos sobre esta frase célebre de Fidel de Castro, no tribunal em que regime de Fulgencio Baptista julgava a sua revolta.
Fidel morreu hoje. Não é possível deixar de ligar a imagem deste homem a um sonho bonito, a uma revolta romântica que adubou as esperanças de quantos, um pouco por todo o mundo, pensavam que estavam aí, quase ao virar da esquina, "os amanhãs que cantam".
Ele foi a bandeira de uma América Latina que pretendia deixar de ser o "quintal" dos Estados Unidos. Uma revolução de cores e emoções quentes, que o tempo foi desgastando. O "internacionalismo" do seu projeto - "um, dois, muitos Vietnams", dizia Guevara - não obteve um único sucesso, nos países onde procurou projetar-se.
Ao seu povo, Fidel trouxe, sucessivamente, entusiasmo, orgulho, esperança, alegria, saúde & educação, estagnação económica e social, desilusão, pobreza, revolta ou apatia e ausência de liberdade e de democracia - afinal, o objetivo da revolta da dignidade contra o sinistro ditador Fulgêncio Baptista, que Fidel protagonizou.
Agora, a muitos, a hora da morte de Fidel convocará com certeza saudade, sentimento com que, quase sempre, se absolvem os mortos que um dia foram amados. A História absolvê-lo-á também?