“Que o Senhor nos dê a graça da ‘santa vergonha’ diante da tentação da ambição que envolve todos, inclusive os bispos e as paróquias” - Papa Francisco
Reflexão de Georgino Rocha
Jesus quer que os discípulos tenham
critérios firmes no desempenho da missão que lhes vai confiar. E ao longo da
sua vida pública pronuncia sentenças de sabedoria, faz ensinamentos de ética
relacional, abre horizontes à novidade do Reino de Deus já presente nas
realidades humanas, embora ainda não em plenitude. Dá-lhes indicações sobre o
comportamento de uns com os outros, a vida no seio da comunidade e a presença
activa na sociedade/mundo. E deixa-os sempre com a liberdade de escolha,
advertindo para as consequências da sua opção.
Mateus, o evangelista do Sermão da
Montanha, acentua a dimensão de serviço que é inerente a toda a pessoa e está
presente nas decisões e no agir. Querendo visualizar a mensagem recorre à
imagem de “dois senhores”, extraída da experiência humana e acessível aos
ouvintes/leitores. Nela representa Deus e o dinheiro. E como ninguém consegue
servir a ambos ao mesmo tempo e com a mesma dedicação, também quem quiser
segui-lo tem de fazer escolhas, dar o valor adequado a cada um deles, ter
prioridades, centrar o coração, ser coerente.
O dinheiro, bem precioso, sobretudo na
sociedade actual, toma a forma de economia nos seus múltiplos “rostos” e
constitui elemento propulsor para o desenvolvimento integral da humanidade.
“Uma economia bem gerida é decisiva para o bem-estar e a felicidade das pessoas
e da sociedade”. (J. M. Castillo). O contrário, também se verifica
infelizmente, provocando a ruína e a morte de milhões e milhões de vítimas
inocentes e poluindo a “mãe” natureza. Por isso, Jesus pronuncia-se tão
claramente sobre o dinheiro e a sua função social, incluindo-os na sua mensagem
como referente fundamental da ética do discípulo fiel.
A economia sem rectidão ética
desumaniza-se e instrumentaliza todos os outros sectores da sociedade, colocando-os
ao seu serviço. Converte-se em centro de valores, em pólo de sentido da vida,
em ídolo de crenças e práticas. O culto ao deus dinheiro tende a eliminar tudo
o que lhe ofereça resistência. E a pessoa, centro e fim de toda a actividade
humana, vê negada a sua dignidade e reduzida a sua função. É-lhe imposta a
marca de produzir e consumir.
Este modo de pensar e organizar a vida
em sociedade contradiz radicalmente a novidade que Jesus vem pôr em marcha. Na
sua escala de valores, Deus e o amor que, por igual, tem a todos estão
primeiro. Os bens são meios indispensáveis ao serviço da dignidade humana, da
vida e do alimento, da habitação condigna e saúde razoável, do trabalho honesto
e do descanso revigorante, da contemplação da beleza e da adoração ao Deus
bondoso, na sua infinita misericórdia.
O Papa Francisco na mensagem para a
quaresma de 2017, em que vamos entrar na próxima quarta-feira, lembra que: “O
apóstolo Paulo diz que «a raiz de todos os males é a ganância do dinheiro» (1
Tm 6, 10). Esta é o motivo principal da corrupção e uma fonte de invejas,
contendas e suspeitas. O dinheiro pode chegar a dominar-nos até ao ponto de se
tornar um ídolo tirânico (cf. Exort. ap. Evangelii gaudium, 55). Em vez de
instrumento ao nosso dispor para fazer o bem e exercer a solidariedade com os
outros, o dinheiro pode-nos subjugar, a nós e ao mundo inteiro, numa lógica
egoísta que não deixa espaço ao amor e dificulta a paz”.
E na homilia da missa matutina da
terça-feira (21/02), na Casa Santa Marta, reza para “que o Senhor nos dê a
graça da ‘santa vergonha’ diante da tentação da ambição que envolve todos,
inclusive os bispos e as paróquias”.
Jesus conhece-nos bem e as nossas
tendências naturais: a não correr riscos, a alimentar preocupações excessivas,
a ceder a inquietações fáceis e duradoiras, a temer qualquer sobressalto sempre
ameaçador. E, por meio de imagens belas com as aves do céu e os lírios do
campo, aconselha um estilo de vida marcado pela confiança filial em Deus e pela
justiça do seu reino, pela valorização de cada dia, sem saudades doentias de um
passado que foi ou medo perturbador de um futuro que se aproxima. E o acréscimo
que Jesus promete brilhara, por agora, no rosto feliz dos seus discípulos e na
convivência solidária entre os cidadãos, na harmonia do universo e na beleza da
criação cuidada por todos, sem distinção. Brilhara nas atitudes dos que sabem
usar o dinheiro como bem precioso posto ao serviço de quem Deus ama.
Sem comentários :
Enviar um comentário
COMENTÁRIOS
Atenção: este é um espaço público e moderado. Não forneça os seus dados pessoais (como telefone ou morada) nem utilize linguagem imprópria.