«A vida é uma missão, que se cumpre na
contemplação e na acção. O que não santifica é "um compromisso movido pela
ansiedade, o orgulho, a necessidade de aparecer e dominar", "as
novidades contínuas dos meios tecnológicos, o fascínio de viajar, as inúmeras
ofertas de consumo", menosprezando os momentos de quietude, solidão e
silêncio para estar consigo e diante de Deus, ou quando "tudo se enche de
palavras, prazeres epidérmicos e rumores a uma velocidade cada vez maior; aqui
não reina a alegria, mas a insatisfação de quem não sabe para que vive".»
1. Estava eu numa aula sobre uma compreensão
holística de saúde e, dirigindo-me a uma aluna, perguntei: "Gostava de ser
santa, não gostava?" E ela, aflita e cortante: "Não, nem pensar
nisso!". Acrescentei: "No entanto, se pensar bem, é isso que todos
queremos ser." E comecei a explicar, começando pelo tema em questão: o da
saúde. Eu estou bem, mas bastaria uma unha encravada no dedo mindinho do pé
esquerdo para já me sentir mal. A saúde está no funcionamento harmónico de
todos os órgãos do corpo. Mas não basta, pois se eu não me der bem comigo,
também me sinto mal. Há gente que não pode ver certas pessoas, só de vê-las
ficam doentes. Para estar são, é necessária uma relação boa com os outros. E se
o que há para contemplar for apenas lixeiras? A saúde requer também uma relação
bela e sadia com a natureza. Ah, e com a transcendência... Isso é dito, aliás,
nas próprias palavras, no seu étimo. Saúde vem do latim salute, que significa
simultaneamente saúde e salvação.
Neste contexto de saúde em sentido
holístico, são e santo estão em união estreita, como se constata nas línguas
anglo-saxónicas: saúde (health, em inglês) em conexão com holy - santo, e, em
alemão, heilen - curar --, em conexão com heilig - santo - e Heil - salvação e
são; também em português, há a mesma ligação entre são e santo, de tal modo que
se diz, por exemplo, um homem são e São João, para dizer que o santo só pode
ser um ser humano autêntico, íntegro e pleno. O inglês e o alemão remetem para
the whole, o todo holisticamente considerado, isto é, o todo que é mais do que
a soma das partes. O mal é que, quando se pensa em santos, se pensa em gente
estranha, do "outro mundo", que se dá muito mal com a vida e que se
encontram nos altares, torcidos, a olhar de lado e de modo esquisito... Então,
a jovem disse: "Sim, pensando bem...".
2. Foi isto que o Papa Francisco veio
dizer numa bela Exortação, com o título acima: "Alegrai-vos e
exultai" - todos os grandes textos de Francisco estão sob o desígnio da
alegria. Porque o Evangelho é uma notícia boa e felicitante. A Exortação é
sobre a santidade. E lá está: todos são chamados à santidade, isto é, à
plenitude, à perfeição, à alegria, na vida do quotidiano. Deus "pede tudo
e, em troca, oferece a felicidade para a qual fomos criados. Quer-nos santos e
espera que não nos resignemos com uma vida medíocre, aguada e liquefeita"
(etimologicamente, medíocre significa o que não subiu até ao cimo, pois ficou a
meio da montanha; aguado: vinho adulterado com água; liquefeito, sem solidez,
como reflectiu Zygmunt Bauman). "Ser santo não significa revirar os olhos
nem viver em êxtase." "O santo não é uma pessoa excêntrica, distante,
que se torna insuportável pela sua vaidade, negativismo e ressentimento".
"Muitas vezes somos tentados a pensar que a santidade está reservada
apenas àqueles que têm possibilidade de se afastar das ocupações comuns, para
dedicar muito tempo à oração. Não é assim. Todos somos chamados a ser santos,
vivendo com amor e oferecendo o próprio testemunho nas ocupações de cada dia,
onde cada um se encontra. És uma consagrada ou um consagrado? Sê santo, vivendo
com alegria a tua doação. Estás casado? Sê santo, amando e cuidando do teu
marido ou da tua esposa. És um trabalhador? Sê santo, cumprindo com honestidade
e competência o teu trabalho ao serviço dos irmãos. És progenitor, avô ou avó?
Sê santo, ensinando com paciência as crianças a seguirem Jesus. És investido em
autoridade? Sê santo, lutando pelo bem comum, renunciando aos teus interesses
pessoais". Aquela mãe ou aquele pai rumam à santidade quando, em casa,
"o seu filho reclama a sua atenção para falar das suas fantasias" e
eles, embora cansados, "sentam-se ao seu lado e escutam com paciência e
carinho". Francisco defende o que chama a "classe média da
santidade", os santos "ao pé da porta", eles vivem perto de nós
e são reflexos da presença de Deus: "Gosto de ver a santidade no povo
paciente de Deus: nos pais que criam os seus filhos com tanto amor, nos homens
e mulheres que trabalham a fim de trazer o pão para casa, nos doentes, nas
consagradas idosas que continuam a sorrir". "Não tenhas medo da
santidade. Não te tirará forças nem vida nem alegria. Não tenhas medo de
apontar para mais alto, de te deixares amar e libertar por Deus. A santidade
não te torna menos humano, porque é o encontro da tua fragilidade com a força
da graça de Deus."
A vida é uma missão, que se cumpre na
contemplação e na acção. O que não santifica é "um compromisso movido pela
ansiedade, o orgulho, a necessidade de aparecer e dominar", "as
novidades contínuas dos meios tecnológicos, o fascínio de viajar, as inúmeras
ofertas de consumo", menosprezando os momentos de quietude, solidão e
silêncio para estar consigo e diante de Deus, ou quando "tudo se enche de
palavras, prazeres epidérmicos e rumores a uma velocidade cada vez maior; aqui
não reina a alegria, mas a insatisfação de quem não sabe para que vive".
O santo não está nas "redes de
violência verbal através da Internet e vários fóruns ou espaços de intercâmbio
digital", procurando "compensar as próprias insatisfações
descarregando furiosamente os desejos de vingança". "Se vivermos
tensos, arrogantes diante dos outros, acabamos cansados e exaustos. Mas, quando
olhamos os seus limites e defeitos com mansidão, sem nos sentirmos superiores,
podemos dar-lhes uma mão e evitamos energias em lamentações inúteis." Por outro
lado, a santidade nada tem a ver com "um espírito retraído, tristonho,
amargo, melancólico ou um perfil sumido, sem energia. O santo é capaz de viver
com alegria e sentido de humor." Porque, mesmo nos momentos mais difíceis,
momentos da cruz, nada pode destruir a alegria sobrenatural, que "sempre
permanece pelo menos como um feixe de luz que nasce da certeza pessoal de, não
obstante o contrário, sermos infinitamente amados por Deus".
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