A exortação de Jesus aos discípulos pode iluminar a nossa atitude: “Erguei-vos e levantai a cabeça; A vossa libertação está a chegar; Tende cuidado convosco; Vigiai e orai em todo o tempo”.Vigiar, significa lutar positivamente contra a angústia, contra o risco de acabar à mercê do medo, de fantasmas e de crenças que nos inquietam, significa não cair na desorientação, não se extraviar, ou seja, não perder o norte, não ser desviado pelos acontecimentos que ocorrem, significa reencontrar força e coragem que impeçam o pavor de nos paralisar e conduzir à morte… significa alimentar a esperança cristã”.
Jesus quer ajudar os discípulos a
cultivarem uma atitude responsável na vida. Nem fugas para a frente ou para
trás, nem insensibilidade e indiferença alienante no presente. Atitude
responsável que se manifesta em advertir no que acontece e dar conta do seu
sentido, do rumo dos dinamismos que contêm, da sua repercussão no bem de
todos/as, na dignidade de cada um/a, na harmonia e no equilíbrio da
biodiversidade. Atitude responsável porque o gérmen do futuro definitivo já
está plantado na humanidade e vai crescendo em critérios de vida e atitudes de
bondade de tantas pessoas que mostram que outro mundo é possível e necessário.
Este gérmen a desenvolver-se no tempo atingirá a plenitude na eternidade, graças
à intervenção transformadora de Deus na pessoa do seu Filho, o Senhor Jesus.
Lucas, o evangelista narrador que nos vai
acompanhar ao longo do ano litúrgico que se inicia, coloca o episódio de hoje
na parte final do discurso público de Jesus, antes de se retirar para o Jardim
das Oliveiras, local onde tem lugar a sua prisão. (Lc 21, 25-28, 34-36).
Discurso cheio de densidade humana, de avisos premonitórios de um futuro
iminente e sua repercussão no presente. Discurso que faz uma leitura da
história e do final feliz do mundo, apesar dos acontecimentos brutais que
semeiam tribulações sem conta nem medida. E Jesus anuncia com certeza firme: “A
vossa libertação está próxima”. E diz porquê: “Hão-de ver o Filho do homem vir
numa nuvem com grande poder e glória”. O Filho do homem é Ele, Deus humanado, a
Quem o Pai confia a abertura do livro da vida e a leitura das intenções das
pessoas e o alcance dos acontecimentos.
A vinda de Jesus realiza-se em três
tempos: o primeiro, na encarnação no seio de Maria e no nascimento do Menino; o
segundo, na vida que brota, especialmente, da sua Palavra e dos sacramentos da
nossa Igreja; o terceiro, que terá lugar quando tudo convergir em Jesus, o
Senhor, e, por ele, for entregue a Deus Pai que fará a festa da sua família
reunida dos quatro cantos da terra e de todos os tempos da história. A
celebração do Natal condensa estes tempos. E a Igreja convida-nos a seguir de
perto a exortação de Jesus aos discípulos e a usufruirmos dos seus
ensinamentos. Por isso, vamos segui-los nesta reflexão dominical.
A leitura do que acontece à superfície
causa angústia e pavor: Cataclismos, guerras, secas, fomes e epidemias,
violências, mortes. Um pouco por toda a parte. E próximo de nós: insegurança,
solidão, precarização do trabalho, crise familiar e divórcios, jovens sem
futuro e casais novos sem esperança, intolerância religiosa ou privatização das
crenças, abandono da Igreja. E muitos outros. Um mundo envelhecido, seja pelo
que for, está a passar sem deixar enxergar ainda o que vai surgir. Como ver
tudo isto? E tentar prever o seu alcance histórico? Que atitude assumir? A
exortação de Jesus aos discípulos pode iluminar a nossa atitude: “Erguei-vos e
levantai a cabeça”. O que significa: Não metais a cabeça na areia do presente,
deixai as suas cinzas, vede que as flores também nascem entre escombros. E fica
o desafio: Ver o que acontece com um olhar de fé cristã, a partir dos critérios
do Evangelho e da Igreja de Jesus. À maneira de nascimento feliz depois de
parto doloroso.
“A vossa libertação está a chegar”. É
garantia que se realiza, de modo pleno, após a ressurreição de Jesus e que se
verifica sempre que deixamos germinar as suas sementes na nossa vida.
Libertar-nos, de quê? Certamente de tudo o que nos amarra: à comodidade
egoísta, à ditadura do instante e do já, à informação de sentido único, à
habituação do sempre se fez assim, à insensibilidade moral, à estreiteza humana
que se projecta e desfigura a imagem de Deus, à história sem esperança, a uma
vida sem Deus. Libertos de amarras, somos chamados a viver a liberdade dos
cidadãos filhos de Deus e amigos do bem comum do seu povo. E assim vamos
fazendo o Natal da nova humanidade.
“Tende cuidado convosco”. É exortação
firme para não nos deixarmos surpreender. Pois, não faltarão ocasiões para
sermos armadilhados pela intemperança, pela embriaguez, pelas preocupações da
vida. E o resultado de tudo, isto é, ficarmos com o coração pesado, a
consciência anestesiada, a mente confusa. Por isso, pode bater à porta o
desnorte total na escala de valores que regulam a ética humana na vida pessoal
e colectiva, na economia e nas finanças, na convivência entre os povos, na
função das religiões e seu serviço a um mundo melhor. E, espontâneas, surgem as
perguntas: de que cuidamos na vida? O que nos preocupa verdadeiramente?
Procuramos o que tem garantias de vida eterna?
“Vigiai e orai em todo o tempo”. É
recomendação feita como atitude lúcida de prevenção. Vigiar como a sentinela da
manhã que, pelos clarões do amanhecer, sente chegar o novo dia. Vigiar como o
pessoal de saúde que, pelos gemidos dos doentes, dá conta da gravidade da
situação. Vigiar como o/a amigo/a de Deus que, pelos sinais do mundo, adverte
na proximidade da instauração definitiva do seu reino.
“Vigiar, explica Manicardi no seu
comentário, significa lutar positivamente contra a angústia, contra o risco de
acabar à mercê do medo, de fantasmas e de crenças que nos inquietam, significa
não cair na desorientação, não se extraviar, ou seja, não perder o norte, não
ser desviado pelos acontecimentos que ocorrem, significa reencontrar força e
coragem que impeçam o pavor de nos paralisar e conduzir à morte… significa
alimentar a esperança cristã”.
O advento do Natal envolve toda a criação,
mas sobretudo o coração humano que é o melhor presente que Deus oferece à
humanidade inteira, a consciência iluminada pela verdade que brilha no presépio
do Menino. Acolhamos o aviso de Jesus. Preparemos o seu Natal.
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