Estudo comparativo da morfo-sintaxe do crioulo guineense,
do balanta e do português”, foi o titulo atribuído à obra do
guineense Incanha Intumbo, Doutorando em Letras pela Faculdade de Letras
da Universidade de Coimbra publicado em 2008. Incanha Intumbo é também
autor de muitos outros artigos publicados em revistas e livros da
especialidade.
Pelas suas dimensões, a obra é muito fácil de transportar e pode
tornar-se numa companheira de cama e do quotidiano dos alunos, apesar
dos assuntos nele abordados serem muito específicos e de alguma
complexidade.
No centro da capa em baixo pode
ver-se uma bela imagem de uma foto de mulheres guineenses à pesca com
redes tradicionais. Segundo o autor do livro a foto não espelha um
conceito específico sobre o qual assente uma eventual comparação entre a
obra e a imagem da capa mas pode significar uma homenagem a gente
simples, trabalhadora, gente de pele negra que foi juntada ou num espaço
qualquer na Costa Ocidental da África, e que do contacto linguístico
resultante da interação desta população com a população dominante (em
termos políticos) surgiu o kriol.
Incanha Intumbo, ex-seminarista, professor do latim e de português no
Liceu João XXIII, no Liceu nacional Kwame N’krumah, na Unidade Escolar
23 de Janeiro em Bissau, e membro da Associação de Crioulos de Base
Lexical Portuguesa e Espanhola, está a concluir a tese de doutoramento
em Letras numa das mais prestigiosas Universidades de Portugal.
“A estabilidade no país é uma das variáveis que pesam fortemente na decisão do regresso dos quadros” - Incanha Intumbo
Numa entrevista ao site Bissau Digital fez uma breve análise da
situação sociolinguística da Guiné Bissau e o nível do domínio do
português no nosso país. Afirmou que está muito desgastado com os
últimos acontecimentos na Guiné-Bissau e esperançoso que haverá bom
senso e que espera que “consigamos falar e entendermo-nos”.
Garante que tem planos para regressar ao país dentro de pouco
tempo, mas avisa os atores do processo do desenvolvimento guineense e
os decisores políticos que a estabilidade ou a falta dela é uma das
variáveis que pesam fortemente nas decisões de regresso ao país.
É da opinião que o país vai muito atrasado em relação às conquistas
do progresso e da democracia. Confessa que tinha esperanças no Governo
saído das eleições de 2009, mas que ficou muito desapontado com as
mortes seletivas, espancamentos e o egocentrismo dessa governação embora
saliente que houve muitos aspetos positivos dessa legislatura.
Bissau Digital (BD) – Doutor Incanha Intumbo uma obra desta
envergadura para um país como a Guiné-Bissau, para si o que significa?
Incanha Intumbo (I.I.) – Sou adepto
do ensino bilingue. No nosso caso isso significaria um sistema de
ensino em que uma das línguas do sistema seria o kriol, o crioulo de
base lexical portuguesa falado na Guiné Bissau e a outra seriacomo é
óbvio, o português. Um sistema em que a maior parte das crianças da
nossa terra teriam a oportunidade de aprender a ler e a escrever na
língua que conhecem melhor, pelo menos no início da sua escolaridade. O
período inicial a seria definido após os estudos técnicos para o efeito
mas preferencialmente nos primeiros anos do Ensino Básico. Seguir-se-ia
um período de transição para o português, um período também a definir,
em que as duas línguas seriam ensinadas lado ao lado. Isso implicaria
uma reformação dos meus colegas professores no estudo específico do
kriol. Aliás um trabalho de grande mérito já está em curso no Centro de
Línguas deBissau onde se inclui no Curricula de formação dos professores
seminários de crioulística (em geral) e espero que se venha a incluir o
estudo científico e específico do nosso kriol.
Haveria uma série de iniciativas que teriam de ser tomadascomoseja
a convencionalização da grafia e da ortografia do kriol,
uma iniciativa técnica; mas também iniciativas legislativas para se
reconhecer o kriolcomouma língua oficial. Teriam de ser tomadas também
todas as outras decisões concretas para a sua materialização, decisões
que poderiam incluir a produção de materiais didáticos. Eventualmente o
investimento inicial em recursos humanos e materiais seria custoso mas
os ganhos poderiam compensar a médio prazo.
É claro que esta ideia tem os seus contestatários mas se analisarmos a
situação sociolinguística guineense e o nível do domínio do português, a
língua oficial, a língua da cooperação e das relações internacionais da
Guiné Bissau e ainda a língua da ciência, compreenderemos que, a par
das frequentes greves no nosso sistema de ensino, o fator linguístico é
igualmente uma das razões dos números do insucesso escolar e dos do
analfabetismo funcional no nosso país (aquelas situações em que o
sujeito lê e escreve mas não sabe preencher uma ficha e nem compreende o
que lê). Digo isto assim para ser breve.
BD – Podia aprofundar o análise sobre a situação sociolinguística e o nível do domínio do português na Guiné-Bissau?
I.I. – No livro defendo a tese de que na Guiné
Bissau predomina uma situação de triglossia entre o português, o kriol e
as línguas africanas guineenses. O português é a língua oficial, a
língua da ciência, do ensino e das relações internacionais. Tem menos
número de falantes que o kriol que é a língua do dia-a-dia, dos negócios
e das estórias e “passadas”, a língua da unidade nacional e da
guinendadi. Tem mais falantes do que o português mas menos que o
conjunto das línguas africanas guineenses que são as línguas da
interação nas comunidades rurais e as línguas usadas
nas cerimonias religiosas tradicionais, as também nos contactos entre as
habitantes dos centros urbanos quando se deslocam às tabancas. Numa
estrutura piramidal e tendo em conta o grau de prestígio e o número de
falantes, o português estaria no topo da pirâmide, o kriol no meio e as
línguas africanas na base. O português tem maior “prestígio” que o kriol
e este embora tenha menor ”prestígio” que o português, tem
maior ”prestígio” que o conjunto das línguas africanas. É nesta confusão
de línguas que os jovens têm de aprender a ler e a escrever, aprender a
matemática, a física e a química. E mais ainda, os programas do ensino
do português contemplam mais a gramática do português do que a interação
oral e a leitura e interpretação de textos. Imagina o que significa
para uma criança, por exemplo falante do fula ou outra
de qualquer língua africana, logo no primeiro dia de aulas, na primeira
hora, ter de fazer uma transição da sua língua materna para o português,
línguas tipologicamente diferentes. Por outro lado as leis da República
são escritas em português, depois de serem discutidas em kriol. Assisti
a umas reuniões no parlamento (devidamente autorizado) e tomei nota de
uma discussão muito interessante. Estava-se a discutir a lei do
financiamento dos partidos/candidatos. E então houve um problema de
tradução de uma frase passiva de kriol bastante simples: …. “e na dadu…”
Uns diziam ’será-lhes dado’ outros ’serão-lhes dado’ etc. etc. Foi o
deputado Benante quem salvou a honra da casa, fazendo uma tradução
aceitável e de seguida explicou um bocado de gramática aos seus
companheiros ‘…ser-lhes-á dado…’. Essa confusão tem a ver com a sintaxe
dos verbos diretos e indiretos que em kriol têm uma hierarquia. Por
exemplo, diante do verbo da ’dar’ segue primeiro o complemento indireto
sem preposição depois o complemento direto. No português não é assim. O
complemento indireto é introduzido por uma preposição ou contração de
preposição quer preceda ou siga o objeto direto que normalmente não tem
preposição. E então pergunto-me: seria aquela a primeira vez que aquilo
acontecia? Quem me garante que o espírito das leis (discutidas em kriol e
traduzidas para o português) aprovadas no parlamento se mantém?
BD – Como é que nasceu a ideia de escrever este livro?
I.I. – O livro resulta dos trabalhos da minha tese
de mestrado em Linguística Aplicada na Faculdade de Letras da
Universidade de Coimbra sob a orientação do Professor Doutor John Holm e
só depois o manuscrito foi submetido à Lincom Europa, Lincom Studies in
Pidgin & Creole Linguistics (Munique, Alemanha) para publicação.
Deram o sim e temos a obra.
BD – Descreve-me o ambiente da cerimónia do lançamento do seu livro, quais foram as personalidades que ali estiveram presentes?
I.I. – Não houve uma cerimonia de lançamento deste
trabalho embora eu a quisesse fazer. Estava e ainda estou convencido que
a haver alguma cerimonia, seria mais lógico que ela se realizasse
emBissau, onde realizei parte da pesquisa para a tese de doutoramento
(em conclusão). Seria uma forma de honrar os falantes das 3 línguas
descritas na obra Estudo comparativo da morfossintaxe do crioulo
guineense, do balanta e do português., Lincom Studies in Pidgin &
Creole Linguistics. O estudo não é exaustivo.
BD – Há muitos anos que se fala da necessidade do uso
da língua crioula no sistema do ensino guineense. Esta obra é um
contributo para a materialização desse sonho?
I.I. – Quero acreditar que sim. O contributo deste
trabalho não se confina apenas no nosso sistema de ensino mas também no
campo dos estudos linguísticos em geral. Há um debate neste campo
especialmente no campo da crioulística sobre o que são os crioulos. Que
línguas têm mais peso na sua formação.Como sabe, os crioulos são línguas
híbridas, produto de situações de contato linguístico. A questão é: que
línguas pesam mais na sua formação? As línguas de substrato (línguas do
dominado com “menos” prestígio) ou a do superestrato (a língua do
dominador de “maior” prestígio, o superestrato)? Os crioulos resultam
normalmente de situações de dominação, em que os povos dominados falam
uma série de línguas e o povo dominador fala uma língua diferente. E
este trabalho, uma vez que discute e elucida alguns aspetos da gramática
do kriol fazendo um paralelo com a do português e de uma língua
africana da Guiné é um contributo para se poder responder a essa
questão. No nosso caso, o kriol surgiucomo o resultado da interação
entre as várias línguas africanas Oeste Atlânticas e línguas Mandé com o
português.
BD – Fala-me resumidamente do seu livro.
I.I. - O estudo apresenta uma comparação tripartida
de vários aspetos da gramática do kriol com a do balanta (a língua
africana com o maior número de falantes na GuinéBissau), uma das línguas
de substrato do kriol muito relevantes e ainda com a do português, o
superestrato.Como sabe sou falante nativo do balanta e tenho
competências linguísticas de falante nativo no kriol e ainda tenho muito
boas competências no português (a língua oficial). Escolhi os traços
gramaticais discutidos tendo em conta a sua relevância no kriol e
amaioria desses traços corresponde àquelas discutidas em Holm (1988-89)
no capítulo sobre a sintaxe. É o primeiro trabalho científico que
compara sistematicamente as estruturas morfossintáctica do nosso kriol
com uma das suas línguas de substrato e com o seu superestrato. É um
privilégio sermos falantes nativos deste kriol. Das suas 3 variedades (a
da Guiné Bissau, a do Casamance noSenegal e a de Cabo verde) é a
variedadeBissau guineense aquela que ainda mantém contato quer com as
línguas de substrato e quer com o seu superestrato.
Falando do conteúdo: primeiro discute-se o estado da arte do kriol (o
que se tem escrito até agora sobre esta língua) seguida de
considerações sociolinguísticas gerais sobre a Guiné Bissau e uma
proposta de escrita. Um grande aspeto a anotar neste caso é o estado e a
caracterização da triglossia guineense. Segue-se uma comparação de
vários traços do sintagma nominal, do sintagma verbal e das outras
estruturas. Esta comparação vem clarificar por exemplo muitos dos traços
distintivos da gramática do kriol como é o caso da origem do pronome
pessoal sujeito da primeira pessoa do singular (da série dos pronomes
pessoais não enfáticos) “n” que é concretizado foneticamente por uma
nasal velar [ŋ]. Esta forma do pronome pessoal ocorre também sob a forma
de uma nasal velar quer no balanta n’ten, comono mancanha ndi ka, no
manjaco ma nka, no pepel nji ka (kriol n tene ‘eu tenho’). Podemos
ainda encontrar esta forma no crioulo cabo-verdiano e no kriol
casamansense. Outro de muitos traços analisados é a marcação
aspeto-temporal nos verbos que no português faz-se geralmente por via de
sufixos (que assim contêm as informações de tempo, modo, número, pessoa
e aspeto) mas no kriol essas informações são obtidas via morfemas
livres: pronomes pessoais ou marcadores pré- ou pospostos aos verbos,
tal como acontece em algumas das línguas africanas da Guiné: no balanta
por exemplo n’ten gue (kriol n tene ba ‘eu tinha’) em que o
morfemague marca o passado etc. Aliás a forma ba é muito interessante
uma vez que pode aparecercomomarcador do plural quando colocado antes de
nomes próprios: ba Rui ’o Rui e os seus’ ou antes dos nomes comuns ba
kaneta(s) , ba lapis ’canetas, lápis’.
As conclusões não referem números porque nenhum método quantitativo
foi usado para medir o grau de interferência. Mas os dados apontam para
muitas semelhanças estruturais entre as línguas africanas e o kriol,
quer a nível do sintagma nominal, quer a nível do sintagma verbal e quer
ainda ao nível de outras estruturas. Foram notadas também muitas
interferências quer da sintaxe (estrutura da frase), quer da morfologia
(estrutura da palavra) ou ainda da fonologia do português. Muito mais
significante é a presença do léxico (palavras) do português no kriol.
Mas o léxico e a fonologia não foram tratados na obra. Em suma: no
sintagma nominal predomina a sintaxe e a morfologia do português mas no
sintagma verbal predomina a sintaxe do sintagma verbal das línguas
africanas.
BD – Quais as línguas africanas que quer referir?
I.I. – Tomei as línguas africanas como um todo. É
cientificamente aceite que as línguas do substrato do crioulo de base
lexical portuguesa da “Upper Guinea” são as línguas Niger Congo, Oeste
Atlânticas, dentro das quais se incluem o wolof, o mandinga (embora esta
seja do grupo Mande) e várias outras. E termos tipológicos,
são línguas muito semelhantes estruturalmente. O balanta, o pepel, o
mancanhe, o bijagó, o felupe, o manjaco… Estão incluídos no grupo Oeste
Atlântico porque partilham as mesmas propriedades gramaticaiscomo por
exemplo o sistema de prefixos de classe nos nomes, o sistema de marcação
aspeto-temporal nos verbos etc. E como sou falante nativo do balanta,
usei essa línguacomo um exemplo das línguas de substrato do kriol.
BD – Quem foram os patrocinadores e colaboradores desta gramatica crioula ora publicada?
I.I. – Patrocinador formal nenhum. O meu orientador
deu-me muitas indicações e contatei a Lincom. Viram o manuscrito e
concordaram em publicá-lo.
BD – Recebeu algum apoio da Guiné-Bissau, concretamente do Ministério da Educação relativamente aos trabalhos que está a fazer?
I.I. – Algum apoio da Guiné-Bissau? Do MEN? Apenas a bolsa de estudo inicial para a Licenciatura em Estudos Portugueses e Franceses.
A Pós graduação, o Mestrado e o Doutoramento, nenhum apoio da
Guiné-Bissau. O Doutoramento conta com o apoio do Governo Português
através da FCT. No entanto registo co muito agrado as simpatias genuínas
do INEP e da Diocese de Bissau e dos responsáveis dessas instituições,
de alguns responsáveis internacionais presentes emBissaue de pessoas
amigas. Mas nada mais.
BD – Um ex-seminarista chegando a este nível e recebe apenas simpatias da parte da Diocese de Bissau…
I.I. – (risos) Já é um bom começo. Quem sabe se no futuro poderá haver alguma cooperação? Já manifestei o interesse em colaborar.
BD – O que é que disse a Diocese de Bissau?
I.I. - Estamos a falar. Sabe apenas pode existir
colaboração se houver necessidade. Acredito que se alguns dos projetos
da Diocese entender que a minha colaboração é necessária, os
responsáveis do mesmo poderão considerar oportunas discussões mais
aprofundadas para uma eventual colaboração. Até lá é esperar.
BD – Uma obra resulta de experiência de muitos anos… Fala-me
da sua experiência/vida de estudante, de professor e investigador na
Universidade de Coimbra?
I.I. - Fui professor de português e de latim na
Guiné Bissau (em Bissau), kriol e português em Cabo Verde (Praia) mas em
Portugal (Coimbra) fui estudante e sou investigador no CELGA (Centro de
Estudos de Linguística Geral e Aplicada da Faculdade de Letras da
Universidade de Coimbra). O meu gosto pelas línguas e pelo estudo da
ciência das línguas começou em Bissau, graças às leituras dos trabalhos
de Scantamburlo, Biasutti, Ferraro, Fumagalli e outros, mas também
graças aos meses de trabalho com os voluntários do Corpo da Paz na Praia
e em Bissau. Mais leituras em Coimbra motivaram-me ainda mais e em 2003
assisti a uma conferência de linguística em A Corunha, Espanha, e desde
então comecei a trabalhar na área sempre com o Professor Doutor John e
com a Dra Ana Luís. Depois coordenei a participação da FLUC num projeto
de investigação linguística denominado APiCS com o Instituto Max Planck
da Antropologia Evolucionária de Leipzig, Alemanha (Fiz equipa com o
Professor Holm e a Dra Liliana Inverno) e passei alguns meses de
pesquisa no CNRS Paris e na Universidade de Orléans onde tive a
oportunidade de trabalhar com iminentes especialistas Kihm e Rougé, e
conversas muito interessantes com o Doutor Nicolas Kant e apresentei
comunicações pessoais e conjuntas na Universidade de Birmingham, na
Universidade de Zurique, na Universidade de Valência, na Universidade de
Amsterdão, no World Trade Center de Curaçao, na Universidade de São
Paulo, no MPI de Leipzig, na CNRS Paris e na Universidade de Orléans, na
Universidade de Coimbra, na Universidade Nova de Lisboa e em Bissau, na
Universidade da Macedônia Ocidental em Kozani (Grécia).
BD – Qual das três experiencias (do estudante, do professor e a do investigador) mais lhe marcou e porquê?
I.I. – Todas por igual.Como estudante conheci
professores que são uma referência para mim: O professor Marciano na
primária, as amigas Djariatú Só (de quem perdi o rasto), a Aua (Baldé
julgo) e a Eurizanda Cuino, o engraçado do Filomeno Indei no Kwame
N’Krumah, Dr José Vieira, o Pe. GueVi, o Padre Francisco de Macedo, o Dr
Vicente Braia e o falecido professor Honório de Sá no Liceu João XXIII,
e muitos outros, depois a Professora Doutora Rocha Pereira, o Professor
Doutor Morais e Barbosa, o Professor Doutor John Alexander Holm, as
Professoras Doutoras Clarinda Maia, Rio Torto, a Doutora Ana Luís e
muitos mais em Coimbra.Como professor fiz amizades para o resto da vida.
Olhando agora para trás sinto orgulho das amizades que fiz e não vou
atrever-me a citar nomes. Apenas a título de exemplo, em 2010 eu estava
em Paris e fui surpreendido por alguns antigos alunos do Liceu João
XXIII que organizaram um piquenique na mata de Vincennes em minha honra e
deram-me uma lembrançazinha. Foi emocionante. Compareceram em grande
número, os que não puderam ir telefonaram e percebi que afinal tinha
feito algo de muito bom na vida. Um ex-aluno e sempre amigo o Dr Cuino
disse-me uma vez emCoimbra que no Liceu João XXIII ele aprendera a
“querer saber as matérias” e não apenas a estudar para ter boas
notas.Como investigador adoro o meu trabalho. Foi um privilégio
trabalhar com grandes nomes da linguística a começar pelos professores
que citei mas também com os Professores Doutores Alain Kihm da CNRS
Paris VII, Jean Louis Rougé da Universidade de Orléans, Alain Baxter da
Universidade de Macau, o Doutor Bart Jacobs da Universidade de
Amsterdão, Alexandra Galani da Universidade da Macedônia Ocidental, a
Professora Doutora Susanne Michaelis e ainda arranjei um irmão japonês, o
Professor Doutor Atsushi Ichinose. Sei que ficaram muitos nomes por
referir e peço desculpas por isso.
BD – Tem viajado muito para a Guiné sobretudo nos anos da
sua especialização. Que leitura faz da atual situação-política do país?
I.I. – Estou muito desgastado com os últimos
acontecimentos e espero bem que haja bom senso e que consigamos falar e
entendermo-nos. É que vamos muito atrasados em relação às conquistas do
progresso e da democracia. Tinha esperanças no Governo saído das
eleições de 2009 mas fiquei muito desapontado com as mortes seletivas e
espancamentos e o egocentrismo da governação anterior. Contava que o
problema ficasse resolvido nas urnas agora em Fevereiro e Novembro mas
infelizmente não foi o caso.
Lamento que o meu povo esteja a sofrer. Lamento que as Forças Armadas
do nosso país estejam a ser culpabilizadas por dar e não dar. E lamento
que o Governo eleito tenha sido obrigado a abandonar as funções antes
do fim da legislatura e ainda lamento que o Governo possível e de facto
não tenha condições para trabalhar.
Sabe o que originou tudo isso? A FALTA DE DIÁLOGO. Se não nos falamos, não nos entendemos e nenhum de nós terá razão. E o povo?
Povu i punduntu (José Manuel, músico) ‘O povo é quem paga as favas’.
BD – As Forças Armadas do país estejam a ser culpabilizadas por “dar e não dar” o quê?
I.I. – (risos) Sabe, eu defendo todas as
instituições da República e gostaria imenso que elas pudessem funcionar
normalmente. Mas por vezes alguém tem de dizer basta. Prova disso é que
houve no nosso caso levantamentos militares que foram entendidoscomo um
mal menor. E houve outros que foram condenados de forma unânime.
Esquecemo-nos muitas vezes que em muitos desses levantamentos existiu
mão política e culpamos apenas os militares. Os próprios políticos
quando não estão e posições de poder são os mesmos que ou instigam os
militares ou a comunidade internacional e logo começam os boatos e por
vezes a instabilidade. A maior parte dos nossos políticos quer ser
presidente da república e primeiro-ministro mas isso é impossível. Por
lei elegemos apenas 1para cada função de quatro em quatro anos. Os
outros têm de ter paciência e esperar e, enquanto esperam, que construam
bons programas eleitorais. Que honrem os compromissos com o povo
evitando saltar de cadeira em cadeira. Agora deu nisto. Infelizmente.
BD – É um quadro de quem muito precisa a Guiné-Bissau. Para quando o seu regresso?
I.I. – Tenho planos muito realistas. Como deve
calcular a estabilidade ou a falta dela é uma das variáveis que pesam
neste tipo de decisões. Por outro lado, sei que muitos colegas querem
voltar para poderem prestar as suas colaborações na difícil tarefa de
construção nacional. Mas (segundo os boatos) no passado recente houve
questões muito sensíveis que tinham a ver com uma certa discriminação e
isto não facilitou as suas decisões. Passei uma temporada emBissau em
pesquisas e estive emBissau em Janeiro deste ano e mais recentemente no
mês de Agosto. O meu tema de doutoramento em Letras é inédito e
enquadra-se no campo da linguística, gramáticas comparadas e descrição
linguística. Por ser um trabalho pioneiro e ser uma fonte primária,
tenho algum atraso relativamente aos meus planos iniciais. Há pouca
bibliografia de consulta e os informantes com quem trabalhei e trabalho
vivem na Guiné.Para ser clarificar a mais pequena dúvida tenho de
investir em telefonemas. Neste momento estou na fase mais crítica dos
trabalhos que é a escrita da tese. A tese tem 5 capítulos e estou a
concluir o IV. Não demoro muito mais e garanto que há planos de regresso
e se calhar será mais cedo do que o meu amigo imagina. (risos)
BD – A discriminação não facilitou na decisão de regresso ao país de alguns colegas seus colegas… discriminação em que sentido?
I.I. – Em Fevereiro um amigo meu pediu-me, emBissau,
que observasse por exemplo o Parlamento e um determinado grupo
parlamentar e procurasse ver se havia nesse grupo parlamentar o
equilíbrio étnico que o mesmo grupo defendia. Ele insinuou que pelo nome
ou pela proveniência geográfica determinados indivíduos supunham a
filiação política e as competências das pessoas. A ser verdade, isso
poderia ser um problema sério que deveríamos combater com urgência
elegendo o critério de competênciacomo o único válido o BIcomo o único
documento comprovativo da área geográfica de socialização e de
proveniência.
Entrevista de Agostinho Pereira Gomes
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