Na Indonésia, Obama era considerado muito negro. No
Havaí, um mestiço. Em Los Angeles, multicultural. Em Nova Iorque, se
transformou num homem invisível, mais um na multidão. E finalmente, em Chicago,
ele encontrou sua identidade negra. Na biografia “Barack Obama: a história” (em
tradução livre para o português), o autor David Maraniss descreve a jornada de
autoconhecimento cultural do presidente americano, uma trajetória marcada pelo
sentimento de deslocamento e pela solidão.
Com apenas 6 anos, Obama se sentiu pela primeira vez
como um estranho no ninho, um sentimento que se tornaria recorrente durante sua
infância e adolescência. De acordo com a biografia do presidente, cujo primeiro
capítulo foi publicado no “Washington Post”, Barry, como era chamado, era o
único aluno da sala de uma escola em Jacarta que não sabia falar a língua local
e precisava se comunicar com as outras crianças por mímica. Usava meias e
sapatos, calças compridas, enquanto os colegas iam geralmente de shorts e
chinelos. Durante um ano, a professora foi a única compreendê-lo na classe.
Naquela época, sua cor de pele não chegou a ser um problema, já que a turma era
bastante heterogênea, mas ela intrigava a todos.
— Sua mãe se apresentou como uma estrangeira, chegada
do Havaí. Ela apontou para Barry e disse: “Este é meu filho” — contou a
professora Israela Pareira. — Nós, eu e os alunos que os víamos pela primeira
vez, ficamos nos perguntando: “Como a pele de sua mãe é clara enquanto a do
filho é mais escura?”
Filho de uma americana com um queniano, seu pai
naquela época já havia abandonado a família e voltado para o Quênia. Para os
colegas de turma, a mãe, Ann, era mais exótica do que Barry.
Após quatro anos na Indonésia, Obama regressou ao
Havaí. Apesar de ter nascido na ilha, ele também teve dificuldades para se
adaptar ao local. Os havaianos costumavam ter uma postura hostil com aos
americanos da parte continental dos EUA. Obama não podia ser claramente
encaixado numa categoria: esse menino hapa (meio a meio) vivia com parentes
brancos, havia acabado de voltar da Indonésia, era metade africana numa terra
em que havia poucos negros. Para ajudar ao neto, seu avô inventou que Barry era
descendente de uma antiga realeza havaiana. Mas alguns de seus colegas de turma
lembram de uma história diferente: o rapaz dizia ser filho de um príncipe
indonésio.
Em Los Angeles, negritude
de Obama é questionada pela 1ª vez
Após se formar no colégio no Havaí, Obama foi para Los
Angeles. Na Califórnia, pouco falava sobre sua ascendência africana. Foi uma
época de confusão para o jovem. Ressentido com a ausência do pai, o adolescente
nunca tinha visitado o Quênia e pouco sabia sobre seus parentes africanos. Os
próprios colegas negros na universidade viam Obama com desconfiança e chegaram
a apelidar o futuro presidente americano de Oreo, um biscoito de chocolate com
recheio de baunilha famoso nos EUA. Muito multicultural, o criticavam com
desdém.
— Barry Obama, que tipo de nome é esse para um irmão?
— perguntou certa vez o amigo Eric Moore, que já havia visitado o Quênia. — E
ele respondeu: “Bem, meu nome verdadeiro é Barack Obama.” E eu disse: “Bem, é
um nome forte: Rock, Buh-Rock.” E nós dois rimos. Ele continuou: “Eu uso Barry.
Assim não tenho que me explicar para o mundo. Você é meu bro, posso te
contar meu passado.”
Mas a questão racial ganhou mesmo força na vida de
Obama quando ele se mudou para Nova York e começou a estudar na Universidade de
Colúmbia. Na busca pessoal por sua identidade, o livro “O homem invisível”, de
Ralph Ellison, se tornou acessório inseparável do democrata.
Data desta época, as primeiras cartas de Obama para
uma namorada, lamentando sua falta de estrutura familiar e a ausência de uma
tradição na qual se apoiar ou, ao menos, se identificar. Filho de pais tão
diferentes e crescendo em várias cidades do mundo, ele questionava aos 20
poucos anos suas verdadeiras raízes.
Confuso, ele embarcou numa viagem de autoconhecimento
para Indonésia e Havaí, mas se viu ainda mais frustrado. Foi em um trabalho
como supervisor de um grupo de trabalhadores temporários em Nova York que Obama
experimentou o maior senso de pertencimento até então. “Sinto uma grande
afinidade com negros e latinos (que compreendiam três quartos da força de trabalho),
a maior em muito tempo”, confessou à namorada da época, Alex McNear.
Em Nova York, Obama deu o primeiro passo para assumir
sua identidade racial. Primeiro, o jovem deixou de lado a postura de
estrangeiro para assumir de vez seu lado americano. O segundo passo foi
natural: trazer à tona o lado racial. Pessoas próximos ao atual presidente
dizem na biografia que até então Obama não tinha muitos amigos negros e
costumava rejeitar essa identidade, assumindo sempre a postura de um outsider.
Se em Nova York Obama fez as pazes com seu lado
americano, foi em Chicago que sua percepção da identidade negra ganhou força.
Na nova cidade, o presidente começou a trabalhar em um projeto de
desenvolvimento de comunidades e passou a frequentar cada vez mais casas de outros
negros. No programa, Obama encontrou um ambiente barulhento e acolhedor no qual
nunca tinha vivido. Sua trajetória fora até então marcada pela solidão, e, em
alguns aspectos, o presidente ainda preserva um lado discreto e reservado.
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