Os anos setenta foram muito à parte, cruciais e replectos de desafios
para a Juventude guineense. PAIGC granjeava dia após dia vitórias
militares e diplomáticas (Leopoldo Amado). Os avanços na Luta de
Libertação Nacional levavam a uma maior tomada de consciência do absurdo
que era a situação colonial e mostravam claramente que a independência
era ineluctável.
O PAGC fortalece o sector da comunicação e de
propaganda e os efeitos se fazem sentir em Bissau, através da Rádio
Libertação e da revista “Actualités”. Os jovens conseguem também
notícias mais frequentes sobre os países vizinhos. Lembro-me de alguns
djumbais, designadamente um tido naquele célebre acampamento de
Quinhamel evocado por Ansumane Keita, em que eu, Sandji Fati, Djili,
Licínio Ledo Pontes, Nelson Nascimento e outros colegas passámos uma
noite inteira a falar do Bembeya Djazz, do Abubacar Demba Camara e de
outros miticos artistas do país de Sekou Turé.
Mas a chegada do
Governador Spinola, com o seu projecto de Guiné Melhor, causa algumas e
substanciais perturbacoes na marcha dos acontecimentos. Criou o
congresso do povo, instancia através do qual valoriza os poderes
tradicionais, confere voz a notaveis locais sobre os assuntos do
território. De repente Baticam, Cambanco Sanca, Afuam Nandingna, Demba
Djassi, Embalo, Tcherno Rachid, Banjai, Ndja Ká, régulo de Ntim e outras
personalidades ganham visibilidade e proeminencia política que
transvasavam o quadro territorial dos respectivos regulados.
Pela
primeira vez a Guiné faz-se representar por autoctones no Parlamento
portugues, na figura de Nicolau Martins, ex-dirigente nacionalista e
ex-prisioneiro político, e do médico Gardete Correia, o que mexe algures
com a auto-estima colectiva. Uma fornada de oficiais africanos aparecem
no comando do exercito, pela via dos Comandos Africanos, apresentado
falaciosamente como um elevador social.
Spinola, prosseguindo no fundo o
objectivo do controlo das populaçoes, afastando-as da influencia do
MNL, leva a cabo uma politica de amelhoramento dos aldeamentos. Houve
uma propulsao do ensino primario, com a criacao de escolas de postos.
Embora com professores improvisados, este estratagema gera uma evolucao
positiva e crescente em termos do alargamento do acesso escolar. Há
substancialmente mais alunos na escola, mais escolas em todo o
território, mais estudantes guineenses no ensino secundário, a partir
dos finais dos anos sessenta e inicio dos anos setenta, merce de uma
política de afrouxamento de barreiras economicas, sociais e políticas.
Como escrevera algures, registam-se as mais substantivas mostras de
acesso e de aceitação social do guineense na sociedade colonial, durante
o Governo de António Sebastião Ribeiro de Spínola, mercê da chamada
política de Guiné-Melhor,. Todavia, apesar de algumas dificuldades
conjunturais, a luta prossegue e com cada vez mais sucessos. Foi durante
este período de ascensão social que a juventude fez mostra de uma consciência nacionalista reforçada, que as ideias nacionalistas
penetrariam com maior acuidade e teriam mais impacto na sociedade,
mormente no seio da pequena burguesia montante. Zé Carlos e Cobiana
tiveram um papel decisivo na desconstrução do mito da Guiné-Melhor,
ajudando o movimento da independência a vencer a batalha, a renhida
batalha da juventude que se travava em Bissau e nas capitais regionais
ainda ocupadas.
E a libertação de prisioneiros em 1969, que se
inscrevia numa perspectiva de desmobilização da sociedade com relação à
independência, teve o efeito inverso. Não obstante os episódios
invocados como tipificantes da infiltração das estruturas do PAIGC na
zona ocupada (Leopoldo Amado, Oleg Ignatiev, José Vicente Lopes …),
permitiu a reconstituição da célula clandestina do partido, o
desenvolvimento do trabalho de mobilização e inclusive a intensifiação
de acções de sabotagem.
OS Casos paradigmáticos foram as actividades de
sabotagem promovidas por António Cabral, Romão Correia e colegas da
Força Aerea (contra aviões utilizados no bombardeamento de aldeias da
zona libertada, as bombas do Zé Carlos Schwartz. Pode-se igualmente
convocar nesta memória a afronta popular que o tio Nicolau Martins e os
activistas da Acçao Nacional enfrentaram em Pilum di Bas, quando
pretenderam realizar um comicio em Ga Sampaio, em 1972 etc.).
Muitos
jovens do Liceu são seduzidos por Rafael Barbosa e aproximam-se dos
círculos nacionalistas onde são doutrinados e encaminhados para as
fileiras do movimento de Amílcar Cabral.
Os Jovens estudantes abandonam as
perspectivas evolucionistas que lhes eram oferecidas no quadro de uma
Guiné-Melhor e juntam-se à resistência nacionalista protagonizada pelo
PAIGC de Amílcar Cabral. Esse movimento acontece quer na Guiné, quer no
estrangeiro.
Em Portugal, Victor Freire Monteiro, economista e alto
funcionário do Banco de Portugal, Mário Cabral, jovem licenciado em
Agronomia e sua esposa, Hugo Borges, irmão do nosso professor João
Galvão e sua esposa, ambos estudantes bem-sucedidos, zarpam de Portugal
para se juntarem a Amílcar Cabral em Conakry. Em França, os emigrantes
aproximam-se de Amilcar Cabral, depois de uma largo periodo de dominaçao
monopolista exercida pela Fling de François Kankoila Mendy. Nomes como
Bosco Mendy, Joao da Silva, Fernando Gomes (pai do Paulo Gomes), Simao
Mendes e outros aderem ao PAIGC e desenvolvem acçoes inolvidáveis no
seio da comunidade emigrante, essencialmente manjaca, na altura.
Uma
legião extensa de jovens e de estudantes fogem de Bissau e dos outros
centros ainda sob o controlo colonial para se juntar ao PAIGC.
Lembram-se de Mário as Custas, irmao mais novo da Plácida que fugiu
muito novo? E o Manel Mina que também era um garroto?Seguindo passo ao
grupo de Tcherno Indjai, Jomel, Mandu Fati, Carlitos Barros bai
matutornou-se numa verdadeira debandada nos circulos escolares.
A última
imagem que tenho do You antes de I fidi, foi durante uma rixa em que as
meninas djunta na él em Fonti di Bás, nos finais de 1972. O gajo era
malcriado. Veio arranjar problemas com um grupo de meninas e levou.
Landa Vieira, Note Perdigão, Ata de Carvalho, Fina Pereira, Carmen
Tchuntchun, Mbutcha Ndingui djunta na él, com ranhaduras, limbidas,
chineladas e outros, naquela célebre altercação na Floresta. Fonti di
bás era um bosque expressivo no meio da cidade, entre Gambiafada e Chão
de pepel, povoado de mangueiros. Perto daí, no Alto de Krim, havia uma
outra mancha de árvores, bem mais densa do que em Fonti di bás,
constituida de eucaliptos, a que chamavamos de Parque. Estas manchas de
sombra eram um espaço muito frequentado por estudantes. Lá brincávamos,
lá jogávamos à malha, ringue, futebol, etc, e lá mantinhamos os nossos
encontros amorosos.
A Bancada situava-se na actual residência de Victor
Saúde Maria. Os mangueiros de Fonti di bás, qual um baú, encerram
segredos de Kerenças célebres: Carlos Pereira com Fina, Landa ku Rui
Tita (Camará), Note com Nelson Nascimento, Zinha di mana Ndini com
Caetano Cigismundo, Fontino com Liliana Pontes, Pedrinho ku Necas, Nair
com Gil, Admir ku Tpya di Aquino, Armindo com Odilia di nha Messia,
Sidónio ku Plácida, Olivais ku Zinha e tantos outros que o tempo borrou
da minha memória. Fonti bás de nomes de vulto como Zeca di mati,
Oredja-oredja, Zé Carlos, Fanda, Milu Camará, Lote, Nando Davyes, Tony
Marques, Zeca Boy, Carlinhos, Nelson Galina, Rui ku Abel Galina,Tukay,
Bana.
(Continua ...)
Huco Monteiro
Mas a chegada do Governador Spinola, com o seu projecto de Guiné Melhor, causa algumas e substanciais perturbacoes na marcha dos acontecimentos. Criou o congresso do povo, instancia através do qual valoriza os poderes tradicionais, confere voz a notaveis locais sobre os assuntos do território. De repente Baticam, Cambanco Sanca, Afuam Nandingna, Demba Djassi, Embalo, Tcherno Rachid, Banjai, Ndja Ká, régulo de Ntim e outras personalidades ganham visibilidade e proeminencia política que transvasavam o quadro territorial dos respectivos regulados.
E a libertação de prisioneiros em 1969, que se inscrevia numa perspectiva de desmobilização da sociedade com relação à independência, teve o efeito inverso. Não obstante os episódios invocados como tipificantes da infiltração das estruturas do PAIGC na zona ocupada (Leopoldo Amado, Oleg Ignatiev, José Vicente Lopes …), permitiu a reconstituição da célula clandestina do partido, o desenvolvimento do trabalho de mobilização e inclusive a intensifiação de acções de sabotagem.
(Continua ...)
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