"Estas linhas servem para denunciar uma
situação caricata que testemunhei numa reunião do P.A.I.G.C. em Portugal: Fui
convidado por um amigo para assistir a reunião e quem me convidou conhecia o
meu passado político e sabia do meu interesse em retomar a minha militância
ativa, após um longo período de inatividade e pediu-me para levar mais gente
comigo, alegando que essa reunião era muito importante.
No decurso da reunião percebi que o pedido do meu
amigo previa as possibilidades de haver votações para eleger alguém. Mas não
houve necessidade de tal, porque a decisão final acabou por ser tomada pessoalmente
pelo presidente do partido em Portugal que também é membro do comité central e
deputado do P.A.I.G.C., sem se importar com a opinião dos presentes, fazendo
lembrar o P.A.I.G.C. dos tempos da ditadura de partido único, alegando ter
recebido luz verde do presidente do partido e do presidente da república para
actuar daquela forma, indignando todos os que já tiveram oportunidade de
conviver com a intransigência destes dois estadistas. O meu amigo saiu
beneficiado com esta situação que para mim não dignifica o partido.
A decisão consistia em colocar um simples militante
a frente de uma direção democraticamente eleita, ignorando os estatutos e a
posição dos restantes membros da direção, como se isso fosse possível num
partido com a dimensão do P.A.I.G.C., onde hoje em dia, que eu saiba, todos os
órgãos e todas as estruturas (da base ao topo) são sufragados.
Os oponentes reagiram, exigindo o cumprimento dos
estatutos que nesta situação prevê a delegação automática de poderes para o 1º
vice-presidente (art.º 70) e em caso de ausência ou na impossibilidade deste
último exercer o cargo (o que não era o caso, porque ele estava presente e na
minha percepção não existia nenhuma deliberação do conselho de jurisdição que
lhe impedia de exercer o cargo), os poderes do presidente seriam delegados à um
outro membro da direção e nunca à alguém alheio a direção, como previsto no
art.º 69 dos Estatutos que o Presidente do Partido em Portugal como membro do
comité central jurou respeitar e cumprir.
Durante as conversas que mantive nos bastidores, deu
para perceber que entre o presidente e seu vice-presidente existem questões
pessoais mal resolvidas no passado e que o presidente agora com poderes
reforçados com a sua eleição como membro do comité central e deputado, utiliza
as estruturas do partido como arma de arremesso contra o vice-presidente que no
último congresso não apoiou o projeto liderado pelo actual presidente do
partido. Para justificar a sua decisão o presidente do P.A.I.G.C. em Portugal
realçou as ajudas financeiras atribuídas ao partido pelo referido militante que
ele pretende projetar, fazendo lembrar um Ex-Alto Dirigente do partido que
afirmava que “para dirigir o P.A.I.G.C. é preciso ter muito dinheiro”. O
beneficiário desta situação atípica é médico e pela sua intervenção ressalta a
vista que politicamente está muito aquém do vice-presidente que durante a sua
explanação cativou a audiência, deixando entender que veio das fileiras da
Juventude Africana Amílcar Cabral.
Do meu ponto de vista, a ajuda financeira atribuída
por um militante ao seu partido não deve ser o fator primordial para a sua
ascensão política, sobretudo a margem dos estatutos, como se o partido
estivesse a ser leiloado. E neste caso em concreto parece que o referido
militante, sendo médico num País como Portugal onde reina a crise e o
desemprego está a fazer bom uso dos seus recursos financeiros para se projetar
no mundo da política, comprando consciências e subornando os mais carenciados,
sobretudo nos comités de base, muitos dos quais vieram formatados para o apoiar
sem terem noção do que realmente estava em causa.
Parece que têm razão os que afirmam que os graves
problemas sociopolíticos que fustigam a Guiné-Bissau têm a sua génese na forma
como os problemas são resolvidos no seio do maior Partido político do País (o
P.A.I.G.C.), que tirando proveito de ser o partido libertador e de ter
governado sozinho o País durante vinte e cinco anos desde a independência, para
se implantar em todo o território nacional sem conseguir imprimir qualidade às
suas estruturas.
Senão como é que se explica que para ajudar um
amigo, altos responsáveis do partido não hesitam em violar os estatutos, como
neste caso em que o presidente do P.A.I.G.C. em Portugal, cria uma situação tão
ambígua em que o vice-presidente continua a ser vice-presidente (nada lhe priva
desse direito conquistado nas urnas) e o presidente delega os seus poderes a um
militante que não faz parte da direção.
O facto de a Guiné-Bissau nunca ter sido um Estado
de Direito e a justiça nunca funcionou para proteger os cidadãos, aliado a
apatia ou até mesmo a conivência dos nossos dirigentes com os crimes e as
constantes violações da lei na nossa sociedade, contribuíram para o patentear
do espírito de medo e passividade da nossa população face aos males que afetam
o nosso País. Chegou o momento de todos contribuírem para erradicar esses males
e combater os malfeitores, denunciando-os na esperança de que as instituições
saberão levar em conta os nossos esforços e cumprir os seus deveres, pois só
desta forma a população ganhará coragem para se envolver nesta luta.
Quanto ao meu regresso para as fileiras do
P.A.I.G.C., vai depender da forma como esta questão for resolvida pela direção
superior do partido, que certamente não vai permitir um precedente tão perigoso
como este num momento em que a luta pela justiça, transparência e democratização
da nossa sociedade em geral e do P.A.I.G.C. em particular, constitui a
principal prioridade o novo Poder instituído na Guiné-Bissau, porque nenhum
militante que se preza concorda com uma ascensão desta, assim como não concorda
com o facto da sua carreira política ser prejudicado de forma tão arbitraria,
depois de ter percorrido um longo caminho para chegar onde chegou. Espero
sinceramente que este mal seja cortado pela raiz.
Nota: Os artigos assinados por amigos, colaboradores ou
outros não vinculam a IBD, necessariamente, às opiniões neles expressas.
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