no DN
A liberdade religiosa é um direito
humano fundamental. Poder-se-ia mesmo dizer que é o direito mais fundamental,
na base de todos os outros direitos, na medida em que, estando referido ao
infinito-liberdade de acreditar em Deus ou não, seguir esta religião ou aquela
ou nenhuma, mudar de religião -, mostra a transcendente dignidade humana no
confronto com o infinito.
Nem sempre houve esta compreensão,
também entre os cristãos e nomeadamente na Igreja Católica. Quando se olha para
a história, encontramos, neste domínio, um estendal de miséria e vergonha.
Houve guerras religiosas, Inquisição, assassínios, prisões, conversões sob
ameaça de morte, tudo por causa de interesses de domínio: religioso, político,
económico, geoestratégico.
Felizmente, há hoje no Ocidente a
afirmação clara do direito à liberdade religiosa, garantida por Estados não
confessionais, dentro da separação do Estado e das Igrejas. E hoje, de facto, o
cristianismo é, de longe, a religião mais perseguida no mundo. Veja-se o
volumoso "Livro negro da condição dos cristãos no mundo",
recentemente publicado.
Desgraçadamente, o Relatório 2014 da
Ajuda à Igreja que Sofre sobre as violações da liberdade religiosa no mundo é
tudo menos animador. Entre os vinte países com a mais alta taxa de intolerância
religiosa, há doze que pioraram no último ano: Iraque, Líbia, Nigéria,
Paquistão, Síria, Sudão, Azerbaijão, China, Egipto, República Centro-Africana,
Usbequistão, Myanmar, e quinze têm um regime de governo muçulmano, a que se
deve juntar a Nigéria, religiosamente dividida entre cristãos e muçulmanos e o
autoproclamado Estado Islâmico. Há um cuja religião preponderante é o budismo:
Myanmar.
Também no Sri Lanka, que o Papa
Francisco visitará em Janeiro próximo, onde o budismo domina, há intolerância,
embora em menor medida. Associa-se ao budismo a ideia de paz, tolerância,
sabedoria, compaixão, e pensa-se no Dalai Lama. Isto é verdade, mas é
igualmente verdade que a liberdade religiosa está fortemente reprimida não só
nestes dois países mas também noutros, embora em grau menos elevado, onde o
budismo é dominante: Laos, Camboja, Butão, Mongólia.
Como já foi dito, também o Relatório
considera que, em vários casos, os motivos para a repressão são sobretudo
políticos, étnicos e culturais. Mas não se poderá negar a afirmação de um credo
religioso contra os outros, como acontece de modo absolutamente claro no Estado
Islâmico. Neste caso, a natureza religiosa da guerra brutal contra os
"infiéis" é afirmada pela revista La Civiltà Cattolica: "A sua é
uma guerra de religião e de aniquilamento. Instrumentaliza o poder da religião
e não vice -versa." Não só os cristãos, os iazidis e judeus mas também
outros irmãos muçulmanos, xiitas e alauítas, etc. são considerados
"apóstatas", "porque não têm como meta o califado mundial, mas,
quando muito, Estados nacionais governados pela sharia". Esta brutalidade
chegou à África, com o grupo Boko Haram.
Evidentemente, face a um deus que
legitimasse a crueldade cega e bruta, arrepiante, do Estado Islâmico, e a
violência e o terrorismo em seu nome, só haveria uma atitude humanamente digna:
ser ateu.
Já aqui escrevi sobre o KAICIID, sigla
em inglês do Centro Internacional King Ab-dullah bin Abdulaziz para o Diálogo
Inter-religioso e Intercultural. A sua sede é Viena, os fundadores, a Áustria,
a Espanha e a Arábia Saudita, tendo o Vaticano como observador fundador e
apoiante da iniciativa impulsionada pelo monarca saudita, que dá o nome à
instituição. Em 19 de Novembro passado, da sua reunião resultou a Declaração
United Against Violence in the Name of Religion, condenando, portanto, a
violência em nome da religião. De louvar, claro, mas não se pode deixar de
referir que a Arábia Saudita proíbe a prática de religiões não muçulmanas.
De regresso da sua visita à Turquia,
também em Novembro, o Papa Francisco declarou, numa conferência de imprensa no
avião, que "não se pode dizer que todos os muçulmanos são
terroristas" e que "nós também temos cristãos fundamentalistas,
eh?!" Mas pediu insistentemente aos líderes muçulmanos "uma
condenação mundial" do terrorismo islâmico: "Seria bom que todos os
líderes muçulmanos, políticos, religiosos, digam claramente que condenam isso,
pois ajudaria a maioria do povo muçulmano. Todos necessitamos de uma condenação
mundial." Se há islamofobia, também há cristianofobia: "Perseguem os
cristãos no Médio Oriente como se quisessem que nada restasse de cristão."
Penso que, para a liberdade religiosa,
há duas condições essenciais. Uma tem que ver com a leitura histórico-crítica
dos textos sagrados. A outra exige a separação do Estado e da Igreja, da
religião e da política. Sem um Estado confessionalmente neutro, laico, que
garanta a liberdade religiosa de todos, continuará a capitis diminutio (perda
de direitos) dos cidadãos que não sigam a religião oficial do Estado.
Por decisão pessoal, o autor do texto
não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
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