O MFDC ou Movement of Democratic Forces of the
Casamance (MDFC) continua a provocar dores de cabeça ao nosso país e vai
seguramente continuar a causar danos. Enganam-se aqueles que porventura pensam
que conflitos desta natureza, classificados de baixa intensidade (low intensity
conficts), não têm futuro. É precisamente o inverso. Têm tendência a durar
eternamente ou pelo menos enquanto os seus líderes tiverem forças e alguma
capacidade de recrutamento. Essa capacidade de recrutamento pode,
eventualmente, ocorrer e ganhar algum fôlego à medida que a repressão das
forças governamentais aumenta e as populações forem ganhando consciência de que
as suas reivindicações (políticas, económicas e sociais) jamais serão
atendidas.
Ora, pela idade que os comandantes da frente sul de
um dos ramos do MFDC (Duarte Djedju e Alfucene Djedju), que se reuniu em Farim
com o Ministro da Administração Interna (MAI) aparentam ter, este conflito de
baixa intensidade pode vir a durar mais 20 ou 30 anos, o que adicionado aos 32
anos que já se passaram perfará 62 anos. E isto sem contar com as
reivindicações políticas que tiveram início, efetivamente, em 1947, ano da fundação
do movimento.
O facto de os reencontros militares serem raros e
pouco desgastantes faz com que a resistência seja muito mais duradoira do que
os conflitos de alta intensidade. Mas há um outro fator que se deve adicionar a
tudo o que acaba de ser dito. É a circunstância de os elementos rebeldes
desposarem mulheres guineenses, o que em conflitos de género não pode de modo
algum ser descurado.
Com base na experiência tida de outros conflitos, um
dos elementos que muitas vezes concorre para as deserções, além da componente
psicológica associada à intensidade da guerra, da demora da guerra e das
dificuldades experimentadas pelo grupo armado a nível do aprovisionamento de
víveres e de armamento, é precisamente o facto de os rebeldes terem a ansiedade
de refazerem as suas vidas o mais rapidamente possível (por exemplo
constituírem família) com o fim da guerra e se verem confrontados com o seu
indefinido prolongamento.
Neste caso concreto os rebeldes de Casamansa não
precisam de se preocupar tanto com o assunto de constituírem família pois podem
fazê-lo cruzando a fronteira e terem uma prole que eventualmente venha a
substituir os pais na sua atividade. Neste aspeto particular, seria muito
interessante estudar o perfil e a história familiar dos elementos que compõe as
várias fações do MFDC.
Mas regressemos imediatamente ao incidente de
fronteira que levou à demissão do MAI. Estava precisamente a meio deste artigo
quando fui surpreendido (positivamente) pela demissão do Ministro. Sim, porque
depois de ter visto as imagens não tive dúvidas de que o Ministro em causa, que
tinha começado muito bem o seu périplo com repreensões sobre o comportamento
indigno de alguns dos seus subordinados e que estava (diga-se em abono da
verdade) a desempenhar muito bem as suas funções, tinha levado longe demais o
seu esforço e criado condições para que o Estado guineense sofresse um vexame
por parte de um grupo armado que não reconhece. Por várias razões que passarei
a enumerar:
1)A reunião (e toda a discussão que se gerou a
propósito de se saber se o grupo armado estaria ou não do nosso lado da
fronteira) ainda que informal, era absolutamente desnecessária e só veio pôr a
nu a velha questão da volatilidade da nossa fronteira. E mais!
2) Veio demonstrar (se é que algumas dúvidas existem)
o total desconhecimento da nossa fronteira por parte das autoridades que inclusivamente
tinham a responsabilidade de zelar pela sua vigilância, segurança e controlo.
Depois de várias décadas de independência o Estado guineense (como
desconfiávamos) ainda não tomou verdadeiramente posse (de jure e de facto) das
nossas fronteiras. Dai também o descalabro que se verificou nos acordos
rubricados com o Senegal nos anos 90. O incidente de fronteira e a reunião que
se lhe seguiu exige agora mais esclarecimentos. O guineense comum quer agora
saber se o grupo armado do MDFC estava ou não a operar impunemente do nosso
lado da fronteira. E como é que isso se faz? Criando e enviando uma missão de
verificação dos dois países para a zona;
3) Naquelas condições ao constatar e ao lhe ser
barrada a passagem na dúvida (como de facto relevou ter dúvidas se estava do
lado guineense ou do lado senegalês, facto que me pareceu incrível) a primeira
atitude a tomar seria informar imediatamente o Primeiro-ministro e a Ministra
da Defesa para que, junto das autoridades senegalesas, através do Ministério de
Negócios Estrangeiros, se criasse uma missão conjunta de verificação dos marcos
fronteiriços numerados que existem (ou deveriam existir) e não são propriamente
montes de pedras e de areia. Além do mais, a própria Presidência da República
deveria ser imediatamente informada do incidente.
Depois da verificação conjunta e se se constatasse
que o grupo armado estava de facto a violar a nossa fronteira a Guiné-Bissau
deveria imediatamente lavrar uma nota de protesto junto do Governo senegalês a
queixar-se da violação reiterada do seu território por grupos armados e como
medida preventiva e dissuasora colocar um contingente militar na linha de
fronteira. O MAI não deveria estar em amena cavaqueira com os rebeldes de
Casamansa;
4) Como se não bastasse ainda convocou uma reunião
com a direção militar dos rebeldes em Farim, o que acabou por ser um
reconhecimento tácito, por parte de um membro de Governo guineense, do
movimento rebelde e da força que dispunha no terreno quando afirmou, na sua
alocução, que esses poderiam ter aniquilado a comitiva ou quando deixou a
entender (ainda que de forma implícita) que controlavam uma área. Foi um erro
grave. Muito grave, mesmo.
A reunião de Farim ainda veio agravar a situação,
ofuscando completamente aquilo que estava a ser o desempenho positivo e a
atitude discursiva do MAI que antecedeu o incidente. Depois disto e de tudo o
que pude subtrair do noticiário da televisão da Guiné-Bissau, não tive dúvidas nenhumas
de que o MAI tinha caído numa verdadeira armadilha e que alguém tiraria as
devidas consequências, na minha opinião, de um ato irrefletido e talvez até
inconsciente, mas que acabou por ridicularizar os governantes que se deslocaram
à região. Tão irrefletido e inconsciente que, caso os rebeldes quisessem ganhar
notoriedade a nível interno (do Senegal) e internacional, poderiam ter raptado
o MAI e o seu staff, o que colocaria a Guiné-Bissau em maus lençóis. Ainda
assim, a atitude deixou mossa que deve colocar o Estado guineense e o próximo
titular do cargo de sobreaviso.
Algo de positivo ficou, porém, deste indesejável
incidente na fronteira e da também indesejável e subsequente reunião de Farim:
a vontade expressa pelos rebeldes em negociarem sobre a mediação do nosso país
que não deve ser descurada. Todavia, os rebeldes se tiverem mesmo vontade em
negociar devem comunicar as suas intenções ao Governo legítimo do Senegal.
Subsidiariamente é preciso saber (até porque a existir paz em Casamansa é
necessário que essa paz seja de facto definitiva) com quem negociar. Por outras
palavras, negociar com qual das fações de um grupo decomposto em três ou quatro
alas?
Criadas essas condições internas (no Senegal) para o
advento dessas negociações é claro que a Guiné-Bissau deve predispor-se (e não
seria a primeira vez) a oferecer o seu território e a participar na mediação
por ser uma das partes interessadas na resolução de um conflito que ameaça
eternizar-se. Deve fazê-lo de uma forma séria e responsável. Mas não transformar
a mediação numa aventura em solitário do nosso país. Deve engajar também a
Gâmbia (outra interessada!), a CEDEAO (pois o conflito impede a livre
circulação de pessoas e bens), com todos os prejuízos que isso acarreta à
integração regional, e a própria CPLP de que a Guiné-Bissau é Estado membro.
A resolução do conflito em Casamansa interessa,
portanto, aos países vizinhos limítrofes (Guiné-Bissau e Gâmbia), às
organizações regionais e sub-regionais e à CPLP. Por isso, todos eles
(individualmente ou em conjunto) deveriam redobrar os seus esforços no sentido
de criarem condições para a pacificação definitiva da região.
Enquanto isso não acontece, a Guiné-Bissau deve:
- vigiar as suas fronteiras e tomar posse efetiva delas;
- Reativar urgentemente as Brigadas Geodésicas e geo-hidrográficas que existiam no tempo colonial;
- criar uma missão de verificação conjunta das fronteiras com o Senegal e com a Guiné-Conakry;
- estudar as convenções que Portugal fez com a França e que estabeleceram as fronteiras atuais;
- conhecer as retificações efetuadas, bem como os diferentes relatórios das missões geo-hidrográficas.
Nota: Os artigos assinados por amigos, colaboradores ou
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