
A maioria dos créditos abrangidos pela
garantia terá sido dada durante a gestão liderada por Álvaro Sobrinho
A garantia soberana atribuída pelo
presidente angolano aos créditos do BESA (Banco Espírito Santo Angola)
assegurava o pagamento de uma dívida ao Banco Espírito Santo (BES) contraída
por uma empresa que tinha sido vendida pelo Grupo Espírito Santo (GES).
Em causa está a concessão de uma
garantia por parte do BESA ao BES em nome de uma empresa angolana, a Vaningo,
no valor de 183 milhões de euros. Esta sociedade comprou em 2010 uma empresa de
direito português ao Grupo Espírito Santo (GES), a Legacy, que tinha uma dívida
para com o BES. Os nomes Legacy e Vaningo têm aparecido várias vezes na
comissão parlamentar de inquérito aos atos de gestão do Banco Espírito Santo
(BES) e do GES, tendo sido já associada ao negócio de venda da Escom à
Sonangol, contratualizado em 2010, mas nunca concretizado.
A dívida da Legacy ao BES e o facto de
estar coberta por uma garantia emitida pelo BESA a favor da casa-mãe, surgem na
auditoria realizada pela KPMG às contas da Espírito Santo International (ESI).
Segundo este relatório, a Vaningo pagou à ESI três euros para adquirir uma
empresa que no ano em que foi alienada tinha um ativo de dois milhões de
dólares para um passivo de 306 milhões de dólares.
Se estes números são já um sinal de
alerta sobre o racional de negócio, há outra pista que alimenta a desconfiança
dos deputados quanto à credibilidade da transação. Mesmo depois de ter vendido
a Legacy, a ESI continuou a pagar os juros da dívida desta empresa, conforme é
descrito na auditoria às contas da holding do GES. Entre 2010 e 2013, o
montante pago ao BES ascendeu a cerca de 40 milhões de euros. Em 2013, o valor
em dívida ao BES era de 183 milhões de euros e, segundo a auditoria da KPMG,
esta dívida estava colaterizada pelo BESA ao BES no mesmo montante.
A análise realizada pela KPMG Angola aos
créditos cobertos pelo aval do Estado angolano ao BESA verificou que este
incluía no seu anexo a garantia concedida pelo BESA ao BES, em nome da Vaningo.
Nada indicia, conclui a auditoria feita pela KMPG, que o BESA, com o suporte do
Estado angolano, não irá assumir as responsabilidades assumidas pela Vaningo
para com o BES.
A garantia de Luanda visava salvaguardar
créditos a empresas angolanas que correspondiam a operações importantes para o
plano nacional de desenvolvimento do país. O BESA só podia conceder uma
garantia de crédito a uma empresa angolana como era o caso da Vaningo. Mas, na
prática, a participada angolana do BES passou a ser responsável pelo pagamento
da dívida da Legacy, empresa portuguesa detida pela sua cliente Vaningo, à sua
casa-mãe, o Banco Espírito Santo.
Em caso de incumprimento por parte da
Legacy, a Vaningo acionava a garantia do BESA. E como esta operação estava na
lista dos créditos protegidos pelo Estado angolano, quando a sua garantia fosse
executada, Luanda estaria a pagar uma dívida ao BES. O cenário de incumprimento
do crédito seria inevitável dado o colapso financeiro da ESI, a empresa que
estava a pagar os juros do empréstimo da Legacy, a partir de meados de 2014.
A garantia do BESA ao pagamento desta
dívida terá sido concedida logo em 2010, quando Álvaro Sobrinho liderava a
instituição, mas só aparece nas contas do banco angolano em 2013, ano em que
foram identificados os créditos em risco que iriam beneficiar da garantia
irrevogável do Estado angolano.
A história por trás destas operações tem
vindo a ser reconstituída ao longo de várias audições na comissão de inquérito,
tendo o depoimento do presidente da KPMG Angola, realizado esta quarta-feira,
dado mais um contributo para atar pontas soltas. Sikander Sattar falou à porta
fechada para proteção do sigilo bancário angolano. E, apesar de não ter feito
revelações bombásticas, tanto quanto o Observador conseguiu confirmar, o seu
testemunho foi importante para confirmar notícias já publicadas e compreender
informação já na posse dos deputados.
É o caso do relatório e contas do BESA
de 2011. Neste documento, que é público, a auditora KPMG colocou várias
reservas às contas do banco angolano que, no entender dos deputados, deveriam
ter suscitado mais cedo uma intervenção do acionista BES e do próprio Banco de
Portugal.
Reservas indiciavam bomba relógio nas
contas do BESA
O auditor alerta que o BESA não possui à
data do relatório “desenvolvimentos informáticos que permitam a identificação
efetiva das operações de crédito que foram objeto de reestruturações, do grupo
económico em que cada cliente se insere, pelo que não nos é possível concluir
acerca da adequação do montante registado na rubrica provisão para créditos de liquidação
duvidosa, face aos requisitos” da lei angolana.
A opinião da KPMG Angola tem a data de
outubro de 2012, um mês antes de Álvaro Sobrinho deixar a presidência executiva
do banco, mas só um ano mais tarde, na assembleia geral do BESA, os acionistas
terão tido informação sobre a dimensão do buraco no crédito, da ordem dos 5,7
mil milhões de euros, e que justificou a concessão da garantia do Estado
angolano. O BES nunca fez qualquer provisão em relação à sua participada, não
obstante a garantia de Luanda só ter sido concedida no final de 2013.
Só quando esta situação foi noticiada
pelo Expresso, a 7 de julho de 2014, é que o Banco de Portugal terá feito
perguntas sobre o tema. Até então, a intervenção do supervisor estava centrada
na discussão da garantia de Angola que acabou por aceitar como válida. A
garantia “firme, definitiva e irrevogável” servia de almofada de proteção ao
BES em relação ao empréstimo de 3,3 mil milhões de euros, concedido à filial
angolana, mas acabou por ser revogada, dias depois da resolução do Banco
Espírito Santo, em agosto de 2014. Ainda antes, o Banco Nacional de Angola já
tinha comunicado ao Banco de Portugal que iria intervir no BESA.
O mistério dos clientes de alto risco em
Angola
Outra dúvida que persiste é a identidade
dos destinatários dos créditos do BESA que beneficiavam da proteção de Luanda.
A lista dos empréstimos de alto risco, porque concedidos sem garantias e em
alguns casos sem destinatário final conhecido, consta de um anexo ao documento
assinado a favor do BESA e que foi negociado diretamente por Ricardo Salgado,
então presidente do BES, e as autoridades angolanas, designadamente José
Eduardo dos Santos. Até agora, quase todas as pessoas ouvidas na comissão de
inquérito afirmaram desconhecer a lista. Sikander Sattar terá sido uma exceção
já que era presidente da KPMG Angola, empresa que certificou os créditos a
incluir na garantia.
A informação e testemunhos já ouvidos
permitiram, entretanto, concluir que não estão identificados os grupos
económicos a que estavam ligados os clientes referidos na garantia, pelo que
não será fácil chegar aos beneficiários finais e apurar se, entre eles, há
acionistas ou administradores do BESA, para além de figuras relevantes do
regime angolano.
Sabe-se, no entanto, que uma parte dos
créditos cobertos por Luanda diz respeito a empresas do universo Espírito
Santo, designadamente a Escom. O administrador Luís Horta e Costa confirmou,
esta semana, que a empresa tinha uma dívida superior a 300 milhões de euros ao
BESA, tendo contudo assinalado que teria sido dos poucos clientes a apresentar
garantias reais, neste caso ativos imobiliários em Angola. Com a LUSA
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