Unidade, Metástase e Realpolitik.//
A posição que já exprimi publicamente é
conhecida: defendi o regresso à política, a saída do túnel judicial,
livrando-se daquilo que os lógicos chama de “efeito de túnel”: um tipo de
condicionamento que conduz alguém – como se estivesse a caminhar dentro de um
túnel – a uma estreiteza de vistas, a um enviesamento falacioso na avaliação de
situações (no nosso caso, de situações políticas) que não são nada simples.
A meu ver, os “louros” de um triunfo
judicial – se é isso que perseguem – dificilmente compensariam os custos
políticos, ideológicos e éticos de uma grande “hemorragia” dentro do PAIGC. Por
isso mesmo, a pretensão de alcançar uma “vitória judicial” – como substituto do
diálogo político – é, do meu ponto de vista, estar a perseguir um objetivo
completamente errado. Aliás, se, para dialogar, fosse preciso, primeiro, apurar
judicialmente a figura de um vencedor e a figura de um vencido, então, por esta
assimetria, a atitude do vencedor tenderia provavelmente a ser ditada por uma
lógica de imposição, de diktat humilhante sobre o vencido. E isso seria
incompatível com um empenhamento partilhado, com a busca comunicativa de uma
“vitória” que deve ser conjuntamente alcançada. A questão politicamente
estratégica é esta: ganhar juntos (por via da restauração da unidade do
partido), ou uma vitória unilateral (decidida em tribunal) por quebra da
intercomunicação e em prejuízo da unidade do partido? Se juntos ganharam as
eleições legislativas, também juntos deveriam procurar vencer esta crise
pós-eleitoral.
Como comenta a defesa de “eleições
gerais” que algumas vozes da nossa praça pública defendem?
As propostas, em princípio são todas
legítimas, não há pecado nenhum em apresentá-las. O mal, às vezes, é não serem
propostas argumentadas, apoiadas em boas razões (argumentar significa isso
mesmo: apresentar boas razões para …). Assim sendo, quem resolve fazer
propostas deveria considerar-se responsabilizado no sentido de tentar também
explicar muito bem as coisas. Primeiro, o que são “eleições gerais”? Inclui
eleições autárquicas ou não? Se é para fazer eleições ditas “gerais” (mas) sem
incluir eleições para a democratização do poder local, então, o que se iria
fazer seriam eleições “parciais”, não gerais. Por sinal, seriam as sextas
eleições legislativas e presidenciais sem termos realizado uma única eleição
autárquica!
Diante desta hipótese, pode
perguntar-se, mas para quê tudo isso (?) se houver no parlamento normalizado –
e penso que ainda há – um potencial institucional para gerar uma solução
governativa estável?
Em segundo lugar, se por “eleições
gerais” entendem apenas a realização de eleições legislativas mais as eleições
presidenciais, então, as premissas para isso acontecer seriam as seguintes: (a)
dissolução legal da ANP seguida de deposição manu militari do Presidente da
República; ou, (b) dissolução legal do parlamento seguida de renúncia de
mandato por parte do presidente da República.
Admitamos que se verificaria a hipótese
constitucional (b), de dissolução legal do parlamento e de renúncia
presidencial. Ainda assim, a realização das ditas “eleições gerais” que alguns
estão a defender, teria de passar provavelmente por uma “solução de
continuidade” ditada por uma conjuntura de crise política generalizada – de
parlamento dissolvido, de governo de gestão, de presidente da República
interino, implicando tudo isso que, provavelmente, teria de ser um outro
presidente (o interino, não o renunciante) a ter de convocar eleições, sabe-se
lá quando?! Tudo isso, para quê?
A outra hipótese – a hipótese a) – de se
chegar às chamadas “eleições gerais” só seria viável após a consumação de um
golpe militar, que é uma perspetiva que não me interessa teorizar nem
equacionar. Mas atenção: não é improvável que acontecesse uma intervenção
militar mesmo no processamento da hipótese b) – com o aprofundamento da crise
política por força de uma fragilização institucional generalizada -, tendo em
atenção que neste caso, o stress social e algum caos político que resultariam
disso, poderiam tornar a nova conjuntura política civilmente ingovernável.
Logo, criava-se assim, mesmo que involuntariamente, um incentivo para a
intervenção militar. Outra vez, a minha pergunta: tudo isso, para quê?
Em terceiro lugar, nesse cenário
maximalista (fruto de uma generalização para todo o Estado de uma crise interna
apenas do PAIGC) parece manifestar-se uma tentação de levar um só partido a
querer determinar todas as regras do jogo, uma deriva política negativa que o
PAIGC, a meu ver, não deveria aceitar. Pela simples razão de que o PAIGC já não
é o que era: a (única) “força política dirigente da sociedade e do Estado”. Sem
este enquadramento conceitual, o PAIGC pode correr o risco de tentar baralhar
politicamente o país, desnecessariamente. É esta metástase que deveríamos
tentar evitar: de espalhar por todo o país uma doença originada dentro do
PAIGC, e que deve ser circunscrita e curada preferencialmente dentro do PAIGC,
isto é, na sua própria fonte.
Como avalia a atitude política do PRS na
presente crise?
Com certeza que é possível ver na
atitude do PRS uma realpolitik própria, uma vez que em política os partidos
tendem a defender uma realpolitik mais conveniente aos seus próprios
interesses. Mas a forte resistência do PRS diante da iminência de um esmagamento
sumariamente decidido, de uma purga, de um “assassinato político” de 15
deputados (de pouco mais de um quarto do grupo parlamentar do partido-rival)
ultrapassa um mero posicionamento político tático: o gesto tem um alcance
político e ético mais abrangente do que teria potencialmente uma realpolitik em
sentido restrito. É uma posição normativamente geradora de consequências para o
futuro, tendo em conta que vai ser muito condicionante para o conjunto da ordem
democrático-parlamentar em que o próprio PRS está inserido. Do meu ponto de
vista, a resistência do PRS – concorde-se ou discorde-se dela – transmite uma
mensagem forte, que é esta: não é assim, nem hoje nem amanhã, que se expulsam
deputados, nem os do PAIGC, nem os do PRS, nem os de qualquer outro partido,
não se tratando – como é o caso – de criminosos de delito comum.
Nota: Os artigos assinados por amigos, colaboradores ou outros não vinculam a IBD, necessariamente, às opiniões neles expressas.
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