Ultimamente, tenho acompanhado, de uma
forma incessante, a descontextualização do pensamento de Amílcar Cabral.
Na verdade, Cabral -- dentro das suas
capacidades filosóficas, sociais e políticas -- disse muita coisa. E muitas
dessas "coisas" têm sobrevivido aos testes da contemporaneidade
devido às suas características peculiares repletas de ambiguidades.
Tomemos em conta a frase: "nem toda a gente é do PARTIDO".
Esta frase pode-se aplicar à qualquer conjuntura, quer nos negócios, quer na
família. Basta substituirmos a palavra "política" com qualquer outro
valor ou modo que se quer defender.
Mas, quando Cabral escreveu ou proferiu
estas sábias palavras, ele deve ter levado em conta uma determinada conjuntura
política, com os seus devidos problemas ou preocupações.
Alguém já pensou nas razões porque a
Guiné-Bissau e o Cabo Verde escolheram caminhos diferentes logo depois da
independência? Alguém já pensou nas razões porque o PAIGC mudou as suas siglas
em Cabo Verde? Alguém já pensou nas razões porque em Cabo Verde se adoptaram
diferentes políticas económicas e sociais, logo depois da independência? Meus
amigos, Cabo Verde muito cedo compreendeu a necessidade de adaptabilidade
política aos problemas locais e nacionais. E as tais políticas pouco ou nada
têm a ver com o 14 de Novembro. Elas têm tudo a ver com a ADAPTABILIDADE!
Agora pergunta-se: Será que o PAIGC da
Guiné-Bissau soube adaptar-se paulatinamente às mudanças sociais, culturais e
políticas do país? O PAIGC não deve continuar a ser um partido da
"gente" no seu sentido figurativo da palavra. O PAIGC deve
esforçar-se para ser um partido do "povo" no sentido literário da
palavra. E quem é de facto estudioso de Cabral, facilmente compreenderá que o
Pai da Nação soube sempre aproximar a "gente" do partido ao seu
"povo".
Conheço poucas realidades políticas no
mundo, onde a "expulsão" é a norma, por incompatibilidade de
"gente" vs. "Não-gente" do partido. E nem acredito que
Cabral tivesse a intenção de criar "elitismo, clubismo" ao proferir
as palavras "nem toda a gente é do partido".
Mas, como também gostamos de citar
Cabral, foi ele quem disse que "devemos pensar com as nossas próprias
cabeças." E se a intenção é de "fazer do partido cada vez mais
partido," então que reine a democracia dentro do mesmo... Não desprezando
as mutações sociais, próprias da conjuntura actual, ou seja, a necessidade da
ADAPTABILIDADE.
Em vez de continuarmos
"apegados" (de uma forma selectiva) ao pensamento de Cabral, hoje em
dia, devemos perguntar: “O que faria Cabral perante à actual conjuntura
política da Guiné-Bissau”?
Nota: Os artigos assinados por amigos, colaboradores ou outros não vinculam a IBD, necessariamente, às opiniões neles expressas.
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