sexta-feira, 6 de maio de 2016

O problema da Guiné-Bissau é a redução da política a uma disputa de soma zero

Por: Dr. Timóteo Saba M’bunde, analista Político.

Talvez seja redundante esse registro, entretanto vale a pena não perder de vista o fato de que dos primórdios da independência, alternando todo o período de um pouco mais de dois decênios da nossa experiência democrática, a história política guineense tem testemunhado de maneira contundente o enraizamento da praxe política fundamentada no princípio de jogo de soma zero. Exercido e propalado no contexto político do país pelo Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), por definição o jogo de soma zero é um embate em que o ganho de um dos jogadores em disputa pressupõe a irreversível derrota do outro player. O vicioso círculo político na Guiné-Bissau, caracterizado por golpes de Estado, perseguições e incomplacência política desprovida do mínimo sentido republicano, também reflete em alguma medida a assimilação ipsis litteris da política enquanto uma competição de soma zero. A incorporação do conceito de política nesses moldes e sua aplicação como tal tem asfixiado e comprometido a normal governabilidade na Guiné-Bissau e minado a esperança do martirizado povo.

A política não constitui um jogo de soma zero. A política se manifesta como uma relação de negociações, de concessões e transigências movidas pela noção de republicanismo, democracia e do desenvolvimento. Ocorre que os governantes guineenses dominantes (em larga maioria) sempre buscaram controlar (em muitos casos coercitivamente) os seus oponentes políticos e partidários com vistas a construir e reproduzir cenário confortável e favorável de governo resguardado de críticas e oposições, peremptoriamente necessárias para o amadurecimento da democracia. Esta filosofia política personalista medieval que caracteriza praticamente todo o percurso da etapa pós-independência da Guiné-Bissau explica em grande parte os episódios de golpes de Estado, assassinatos, prisões e perseguições políticas contidos nas páginas da nossa história. Quando a roupagem dessas práticas antidemocráticas supracitadas muda, como ocorre hodiernamente, os interesses superiores da nação são postos em causa (através de congelamento de governabilidade e institucionalidade) em troca de dissimulados interesses mesquinhos descarados e repugnantes.

Embora em termos normativos a política não se revelar um jogo de soma zero, quando as devidas precauções e medidas não forem tomadas a tempo, ela pode se evoluir ao ponto de atingir estágios mais vulneráveis: situações em que determinados atritos políticos tendem a se transformar em jogo de soma zero. Veja bem, tanto o deposto governo (de base alargada) que era liderado pelo presidente do PAIGC quanto o atual executivo chefiado por Carlos Correia, logo em sua formação exibiam respectivas vulnerabilidades, “calcanhar de Aquiles”. É verdade que o primeiro mantinha uma base parlamentar ampla e sólida no parlamento, entretanto era objeto de sistemáticas oposições no próprio partido, fruto de ausência de suficientes negociações e concessões para sanear as fissuras produzidas em Cacheu. A coalizão com o Partido de Renovação Social (PRS) como estratégia para minimizar as contestações internas e eventuais represálias parlamentares soava como desprezo e perda de espaço político à ala derrotada no congresso de Cacheu. Esta, por sua vez, tinha como recurso aproximar-se ao primeiro magistrado da nação (quem acabaria por depor o governo em causa), que também não tinha boas relações com o então chefe do governo e representante máximo do PAIGC.

Ora, era o momento de ir à mesa negociar e fazer concessões intrapartidárias necessárias, promovendo consensos republicanos e partidários que satisfizessem dentro das possibilidades ambas as partes e viabilizassem a estabilidade política. Entretanto isso não ocorreu e o quadro que era dramático se agravava e as margens de conciliação eram cada vez mais ínfimas. Veio o atual governo, aliás este era, em alguma medida, um executivo natimorto forjado pela mediação do delegado da Comunidade Econômica Dos Estados da África Ocidental (CEDEAO). Sequer possuía a base parlamentar necessária para se legitimar no parlamento através de aprovação de sua proposta de governação, pois a ruptura com o PRS havia sido celebrada e o conflito com o grupo parlamentar dissidente beirava níveis incontornáveis.

A disputa política que ainda ostentava alguma luz verde de negociabilidade se transformava paulatinamente em uma disputa de soma zero. Sabes por que assim passou a ser? Porque os atores nela envolvidos a concebem como tal. A larga maioria dos políticos guineenses, talvez influenciada pela história política permeada por dramáticos episódios políticos, e sanguinários em não pouco casos, não aposta em concessões como método ideal de exercer a política. Desconfiam-se de um e outro. Concebem divergências de opiniões políticas, que são muito normais em qualquer democracia, como prelúdio de uma possível conspiração. A sua hermenêutica é de que em política se não destruir o meu adversário (visto como inimigo) ele me destrói.

A censura de programa do governo pelos deputados dissidentes do PAIGC e a consequente deliberação político-jurídica de expulsá-los do partido e substitui-los por novos parlamentares anunciavam que a crise havia atingido o seu grau mais elevado. As possibilidades de negociações e concessões que pudessem produzir algum ganho político efetivo para ambas as partes até então não totalmente descartáveis, praticamente se pulverizaram com a transição do imbróglio político para as instâncias da justiça. A deliberação do tribunal superior da justiça para que os deputados (que tinham sido expelidos do hemiciclo legislativo) retomassem seus mandatos foi uma balde de água fria no PAIGC e parece ter esgotado os seus últimos cartuchos do conjunto de estratégias para salvaguardar a governabilidade sem fazer concessões aos 15, que passavam a contar com o apoio político do PRS.

Ora, me parece que já estamos diante de um jogo de soma zero. Traduzido em outros termos, há que haver perdedores e ganhadores para viabilizar o país. Aliás, tanto a proposta de realização de novas eleições como a de deposição do executivo, consideradas necessárias e urgentes para extirpar a insistente crise política constituiriam perda para uns e ganhos para outros. Como ficaria a condição dos 15 deputados em uma eventual realização de eleições antecipadas, seriam reintegrados ao PAIGC ou seria o término de sua carreira política nessa agremiação? Portanto, eventual realização de eleições tenderia a ser uma derrota para estes. Por outro lado, a deposição e formação de novo governo composto por elementos do PRS e dissidentes dos libertadores seria uma perda total para o presidente do PAIGC e o seu staff. Um eventual governo de iniciativa presidencial e consequente realização de novas eleições somente em 2018 colocaria este último e o seu círculo político em situação de considerável sangramento político, podendo inclusive ver o capital político que ainda possui no PAIGC e no plano nacional se esvaziar progressivamente.


A corrente crise política pela qual passa a Guiné-Bissau é de extrema profundidade e os principais protagonistas da mesma têm consciência do que dela pode resultar para o seu futuro político, sobretudo no PAIGC, por isso se persiste a irredutibilidade das partes no parlamento. Aliás, agora sim estamos perante um jogo de soma zero do qual tende a se emergir perdedores e ganhadores para que o país se desafogue e se viabilize politicamente.

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