«Fazer Natal é mergulhar nesta maravilha, deixar-se banhar pela sua originalidade, imbuir-se da sua “magia e encanto”, cuidar da criança que há em nós, cultivar o sorriso na vida e a simplicidade educada na relação, ser, dentro do possível, discípulo missionário de Jesus. Fazer Natal é reconfigurar as arcaicas imagens de Deus que povoam o nosso imaginário e, ainda, muitas orações litúrgicas e devoções populares.»
O evangelho de João, antes de apresentar
os relatos da vida de Jesus, abre com um solene Prólogo, levando-nos em visita
ao princípio de tudo. Faz-nos lembrar o artista/escritor que só narra a beleza
do rio e das suas margens, da água fluente e do seu percurso, depois de nos
levar à fonte para, aí, contemplar e saborear as origens de tanta abundância e
frescura. Bela opção, a augurar um significativo texto com episódios
emblemáticos da missão de Jesus e do seu alcance universal.
A fonte de tudo é Deus. Ele está no
princípio, quer ser o protagonista no meio, caminhando connosco e com toda a
criação, e acolher-nos no fim. Paulo lembra aos atenienses que n’Ele vivemos,
nos movemos e existimos; como alguns dos vossos poetas disseram: «Somos da raça
de Deus» (Act 17, 28).
O manancial de Deus manifesta a sua vida
íntima a jorrar na criação do mundo e da biodiversidade, por força da sua
Palavra, o seu Verbo, na superação do caos pela harmonia, das trevas pela luz,
da solidão pela comunhão. A Palavra divina, sábia e fecunda, ergue-se em som
vibrante que se repercute ao longo da história: ”Façamos o ser humano à nossa
imagem e semelhança” e toma o rosto do masculino e do feminino, em atração de
reciprocidade complementar.
Quando chega o momento aprazado por
Deus, Ele que tinha falado de muitos modos e vezes, sobretudo pelos profetas,
envia o seu Filho nascido de Maria, a jovem de Nazaré, a quem é dado o nome de
Jesus. Decisão admirável, apelativa e reconfortante. Decisão arriscada, pois o
ser humano, ao abrigo da liberdade, é capaz do melhor e do pior, como a
história documenta abundantemente.
Deus faz-se humano em Jesus,
recém-nascido. O espaço de encontro fica devidamente assinalado pela estrela de
Belém. As circunstâncias envolventes o configuram e caracterizam. E do silêncio
eloquente da gruta ergue-se o apelo/convite: Vinde e reconhecei a grandeza da
pequenez, a humanidade do divino, a divindade do humano. Só em Jesus, vemos e
conhecemos a Deus. Só em Jesus, vemos e conhecemos o homem. Que maravilha e
encanto! “Da sua plenitude todos nós recebemos graça sobre graça”, refere o
autor da narração, que afirma ao concluir: “A Deus, nunca ninguém O viu. O
Filho Unigénito, que está no seio do Pai, é que O deu a conhecer”.
Quem pode imaginar maravilha tão
desconcertante!? Deus despojado de tudo aquilo com que adornaram a sua aparição
na história, assumindo a fragilidade de uma criança como título de glória,
dependendo de cuidados vitais de proximidade imediata, sem outra dignidade que
a do ser humano e dos direitos inalienáveis que lhe são reconhecidos. Quem pode
imaginar a novidade, agora exposta, do caminho de realização pessoal e
relacional, de êxito na vida e de sucesso na missão?! Deus para humanizar a
sociedade e o mundo opta pelos sem poder nem riqueza, sem prestígio nem
influência. E aposta na convivência e na comunhão com todos, no humano que há
em cada pessoa.
O que podemos conhecer de Deus é o que
brilha “no menino envolto em panos e deitado na manjedoura”, adianta Lucas numa
expressão cheia de poesia e ternura. A grandeza de Deus é a humanidade deste
recém-nascido. Deus torna-se homem como nós, “um da mesma massa que nós” no
dizer de Santo Hipólito de Roma.
Ao agir assim, deixa perceber o que
pretende: Que o homem, seguindo as pisadas do Filho Jesus Cristo, encontre Deus
em plenitude. “Eis a maravilhosa permuta celebrada no Natal. A encarnação narra
que tudo o que é humano, da conceção à morte da pessoa, é objecto da solicitude
e do interesse de Deus, está envolvido pelo amor de Deus”. (L. Manicardi,
(2017), Comentário à Liturgia dominical e festiva, Ano B, Paulinas, p. 36. E
este autor prossegue: “A encarnação diz-nos que a vida de Jesus, no seu
desenrolar quotidiano e humaníssimo, feito de encontros e de amizades, de
serviço e de amor, de dedicação radical aos irmãos e de obediência ao Pai,
ensina-nos a viver segundo Deus”.
Perante esta realidade sublime, brota
espontânea a exclamação de São Gregório de Nazianzo: “Ó admirável comércio!”;
comércio/permuta de dons que explicita, dizendo: “Aquele que enriquece os
outros torna-se pobre. Aceita a pobreza de minha condição humana para que eu
possa receber os tesouros de sua divindade. Aquele que possui tudo em
plenitude, aniquila-se a si mesmo; despoja-se de sua glória por algum tempo,
para que eu participe de sua plenitude”.
Fazer Natal é mergulhar nesta maravilha,
deixar-se banhar pela sua originalidade, imbuir-se da sua “magia e encanto”,
cuidar da criança que há em nós, cultivar o sorriso na vida e a simplicidade
educada na relação, ser, dentro do possível, discípulo missionário de Jesus.
Fazer Natal é reconfigurar as arcaicas imagens de Deus que povoam o nosso
imaginário e, ainda, muitas orações litúrgicas e devoções populares.
… Só a partir da humildade, da pobreza interior, da simplicidade de coração, se poderá estar preparado para descobrir na humanidade a divindade de Deus, que quis enraizar-se na história dos homens. Esta humildade é inspiração para todos os fiéis”.
Definitivamente, em Jesus Deus faz-se
humano. Acredita, admira, celebra e testemunha. Boas Festas!
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