“Outra ameaça do virtual é a busca desenfreada da popularidade nas redes sociais, através da pressão de obter uma chusma de likes e seguidores, com as consequentes ilusões e desilusões”
Reflexão de Anselmo Borges, no Diários de Noticias
Quem nunca assistiu, num restaurante, por
exemplo, a esta cena de estátuas: o pai a dedar num smartphone, a mãe a dedar
noutro smartphone e cada um dos filhos pequenos a fazer o mesmo, eventualmente
até a mandar mensagens uns aos outros? É nisto que estamos... Por isso, fiquei
muito contente quando, há dias, num jantar em casa de um casal amigo, reparei
que, à mesa, está proibido o dedar, porque aí não há telemóvel; às refeições,
os miúdos adolescentes falam e contam histórias e estórias, e desabafam, e os pais
riem-se com eles, e vão dizendo o que pode ser sumamente útil para a vida de
todos... Se há visitas de outros miúdos, são avisados... de que ali os
telemóveis ficam à distância...
Vou constatando que, na sociedade da
comunicação, há imensa incomunicação. Porque uma coisa é a comunicação formal
instrumental e outra coisa é a comunicação na presença, com as suas emoções: a
emoção da palavra nas suas tonalidades, o sorriso, as lágrimas, o toque, os
silêncios...
Na era da comunicação, tanta gente só! Só,
naquele sentido de sozinho e abandonado, não tendo ninguém com quem conversar,
desabafar, dando e ouvindo uma palavra de conforto, de dúvida, de afago. Ao
contrário da outra solidão, a exigida para construir uma obra, preparar um
discurso, ler textos clássicos, daqueles que fundam a humanidade e lhe dão
futuro, esta é uma solidão mortal. Há médicos de família que me dizem que
muitos, concretamente pessoas idosas, os procuram apenas para isso: para terem
alguém com quem trocar umas palavras e poderem exorcizar a solidão.
Também por isso, se eu fosse pároco, havia
de pôr em marcha uma experiência que tive numa paróquia de Paris, quando era lá
estudante. Havia uma salle d'accueil (sala de acolhimento), onde voluntários
(médicos, psicólogos, mães e pais de família... sempre com a indicação dos
respectivos nomes e profissões) davam umas horas semanais de acolhimento às
pessoas que vinham. A mim, que também constava, apareceu-me uma vez um senhor
que me disse: "Só lhe peço o favor de me ouvir e que me não interrompa",
o que eu fiz. No fim de uma hora e tal, ele acabou e disse-me: "Não sabe
quanto me ajudou, nunca o esquecerei." E foi-se embora e eu não sei quem
é, mas também me lembro dele.
A solidão pode até acontecer e acontece no
meio do barulho ensurdecedor do tsunami da informação e das rajadas de opiniões
e insultos e fake news, acoutados na cobardia da impunidade e do anonimato das
redes sociais, que se tornaram frequentemente um campo de batalha de bárbaros,
analfabetos e achistas...
A questão é, a um dado momento, a cisão
entre a existência virtual e a existência real. Li, recentemente, num belo
livro do jesuíta J. M. Rodríguez Olaizola, Bailar con la Soledad, a história de
José Ángel, um homem de Vigo, que vivia no meio do lixo, vítima da síndrome de
Diógenes, que o levou a isolar-se da família, dos vizinhos e dos conhecidos.
Mesmo assim, tinha uma vida activa e popular no Facebook, onde contava com 3544
amigos e 361 seguidores, dando opiniões sobre a actualidade, desde a
actualidade espanhola às questões do meio ambiente... Só passados vários dias é
que uma mulher de Tenerife, a 1677 quilómetros de distância, estranhando um
silêncio prolongado, deu pela sua falta e contactou a polícia, que, passado
algum tempo, encontrou o corpo. Aí está o drama: a possibilidade de o mundo
virtual se tornar o refúgio de gente só. Já Zygmunt Bauman, em Amor Líquido,
tinha prevenido com razão: "Parece que o sucesso fundamental da
proximidade virtual é ter feito a diferença entre as comunicações e as
relações. "Estar conectado" é mais económico do que "estar
relacionado", mas também menos proveitoso na construção de vínculos e na
sua conservação".
Outra ameaça do virtual é a busca
desenfreada da popularidade nas redes sociais, através da pressão de obter uma
chusma de likes e seguidores.., com as consequentes ilusões e desilusões.
Rodríguez Olaizola dá três exemplos.
Há pouco tempo, o cantor Ed Sheeran, um
dos artistas com mais êxito dos últimos anos, anunciou que abandonava a rede
social Twitter, porque não aguentava a quantidade de comentários negativos que
recebia de pessoas que não o conheciam mas o odiavam. "Um só comentário é
suficiente para me estragar o dia." Comenta o jesuíta: "A pressão
amor-ódio nas redes é demasiado exigente para muitos, inclusive para quem é
maioritariamente aceite."
No outro extremo, em Novembro de 2015, a
modelo Essena O'Neill, famosa pelas suas fotografias no Instagram, com centenas
de milhares de seguidores e fabulosos contratos publicitários, anunciou que
abandonava a rede. Não porque era rejeitada, mas por causa do excesso de
aceitação: isso exigia-lhe demasiado tempo na preparação das fotos, no estudo
das imagens... Declarou que tinha tomado consciência de que esse escaparate não
era a vida real, mas tão-só uma ficção orientada para a aprovação, para que
chovessem os likes... O preço, chegou a dizer, é "a tua vida e a tua
autoestima".
A 20 de Setembro de 2017, uma conhecida
influencer - assim se chama, como diz a palavra, quem, graças à sua relevância
nas redes sociais, influencia, com as suas opiniões, imagens ou actividade, uma
enorme quantidade de pessoas - suicidou-se. Chamava-se Celia Fuentes.
Pergunta-se: como é que se explica que uma jovem tão popular, com futuro e com
uma vida aparentemente perfeita, tenha posto fim à vida? O jesuíta resume:
"A ficção de uma vida ideal enquanto na vida real havia solidão e sensação
de fracasso. A solidão de uma vida construída apenas para aparentar. "Tudo
é mentira", foram as últimas palavras da jovem no seu WhatsApp.
Por isso, digo, a partir de um título que
recebo de empréstimo da revista Philosophie Magazine: "Likai-vos uns aos
outros", ponde muitos likes (gostos) uns aos outros. Mas tende cuidado!
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