sábado, 25 de agosto de 2012

Editorial de Victor pereira


 À recorrente questão da dupla ditadura geográfica, por um lado, e histórico-linguístico, por outro, que a fatalidade impôs à Guiné-Bissau por causa do contexto geopolítico em que se encontra integrado, devem-se encontrar pistas para uma melhor harmonização das duas inevitáveis realidades em matéria de políticas interna e externa, sob pena de sofrermos as consequências advenientes da indefinição e fragilidade inerentes a tal situação.
Se hoje a questão da CPLP versus CEDEAO se torna candente, e por vezes mal compreendida, e por isso mesmo oportunistamente aproveitada por alguns sectores saudosistas do proconsulado angolano, não é menos verdade que a introdução desta temática no centro do debate na atual conjuntura, para além de ser pertinente, torna-se de vital importância para a clarificação das políticas, pelo menos, por 3 ordens de razões:
A primeira, senão a mais importante, tem a ver com a urgente necessidade do Estado se dotar de uma visão mais abrangente para as soluções a adotar nas profundas reformas que requer o país nos seus vários sectores de atividade, para que de modo definitivo possamos ultrapassar as fatalidades vividas da independência a esta data;
Ninguém tem dúvidas hoje, de que o modelo de desenvolvimento e de organização política, económica e social, preconizados para a Guiné-Bissau, já não serve os interesses do povo, e por isso há que repensá-los e adequá-los, se necessário, de forma radical, para assim evitar as sucessivas instabilidades;
E as instabilidades não são fruto do acaso. As fragilidades do regime é que determinaram que assim fossem. Não tenho a menor veleidade de apontar datas que as originaram. Essa tarefa deixo-a para os mais entendidos.
Todavia, um passado próximo lembra-me o flagrante e péssimo exemplo histórico, da OPA – a Operação Pública de Aquisição, ou melhor dizendo, a Operação Política de Aquisição -, lançada por Carlos Gomes Júnior, vulgo Carlitos, ao PAIGC, quando o comprou – diga-se, com a cumplicidade e ingenuidade de alguns históricos -, no famoso Congresso da UDIB, logo a seguir à guerra de 7 de junho, tornando-se a partir dessa data, seu dono e senhor absolutos.
Por outras palavras, e para que se perceba bem, o atual Presidente do PAIGC simbolizou a maior afronta ao imaginário cultural e patrimonial de todos os antigos combatentes emancipalistas das ex-colónias portuguesas que se prezem. E a um partido com a dimensão e responsabilidade históricas do PAIGC, não se deve permitir que um simples gasolineiro da Dicol/Petromar que se apropriou indevidamente de bens públicos, possa incendiar as nossas esperanças, reduzindo-as a cinzas, e comprometendo de forma desastrosa o nosso futuro.
Que os nossos amigos do PAIGC não pensem, que o que se pretende, é erradicá-los do cenário político nacional. Essa seria uma tarefa inglória, senão impossível, e até mesmo inadmissível para qualquer nacionalista e democrata. Porém, o que se pretende, é que o PAIGC se 2

reorganize sem gasolinas e sem tubarões, e em bases sólidas e credíveis, para em conjunto com outras forças democráticas, unir esforços para a hercúlea tarefa de reconstrução nacional.
E que sobretudo, não se esconda atrás de representantes especiais de organismos internacionais para escamotear as suas reais intenções, que não é nada mais, nada menos, do que dissolver o atual governo, para voltarmos à situação do antes de 12 de Abril, o que para um bom entendedor, só significa uma coisa: a guerra.
Diga-se de passagem, que os nossos amigos representantes dos organismos internacionais acreditados na Guiné-Bissau, se já não esgotaram os seus créditos em relação à solução internacional dos nossos problemas, muito pouco de moral lhes resta para lhes fazer face. Assistiram com toda a passividade o desenrolar do nosso drama nacional, e nunca fizeram nada para impedi-lo, ou para propor soluções quando lhes batemos à porta a clamar justiça.
E os nossos amigos e irmãos angolanos que se deixarem levar por esta espécie de gente que só sabe viver numa sociedade sem regras, e na total impunidade, esqueceram-se do enorme respeito devido ao nosso povo pela dívida de sangue, suor e lágrimas que as FARP consentiram, em ordem a que o MPLA pudesse hastear a bandeira no dia 11 de Novembro de 1975, proclamando perante a África e o mundo, a República Popular de Angola, ao travarem as forças sul-africanas às portas de Luanda.
Também é bom lembrar, que metade da dívida dos 148 Milhões de Dólares em material de guerra, que o nosso país teve que contrair junto à Rússia, e que o PRS teve que assumir o que mais ninguém quis assumir, e que quase nos custou o bloqueio ao Club de Paris em 2001/2002, foi para financiar o esforço de guerra do MPLA.
É lamentável que passados estes anos de luta comum, e por causa de interesses mesquinhos, Angola esteja a conjurar com os inimigos da Guiné-Bissau para destruir a nossa independência.
Mas com a fuga do Manuel, o último homem do SIED português, as esperanças de alguns sectores estrangeiros inimigos da Guiné-Bissau na continuação da sua destabilização, ficaram confiadas aos bons préstimos da prata da casa, ou seja, a cúmplice rapaziada da Quinta Coluna a soldo da 2.ª repartição do CEMFA em Lisboa.
E Cabo Verde, certamente não se esquecerá do grande legado comum que Amílcar Lopes Cabral nos deixou, e que contribuiu para a independência dos nossos povos.
Que outros Países estejam a maquinar contra nós, não nos causa nenhuma estranheza. Agora Cabo Verde e Angola andarem à trela desses Países, é facto que nos causa a mais profunda das mágoas.
A outra questão que também não deixa de ter o seu valor, é a forma como devemos encarar e definir os desígnios da nossa geoestratégia regional, por estarmos condenados a construir o nosso futuro juntando sinergias com os senegaleses, gambianos e guineenses, para só falar dos mais próximos.
E creio que estaremos todos de acordo, de que apesar de cada uma das nossas entidades comungar patrimónios histórico-linguísticos com outras latitudes, os nossos destinos comuns 3

também estão selados por imperativos de espaços contíguos, mesmas culturas e tradições, mesmas línguas nacionais, etc.
É claro que para o debate que se exige, em torno destas e outras questões de capital importância para o futuro do país, os atuais governantes devem apetrechar-se de iniciativas de inclusão, para que um diálogo frutuoso se desenvolva à volta, e com todos os atores representativos dos vários quadrantes da vida nacional, sejam eles de origem política, social, humanitária, confessional, tradicional, ou outra.
O importante, mas não a qualquer preço, é que todos se sintam envolvidos, para que a oportunidade histórica que se oferece ao país, não seja desperdiçada em insignificantes calculismos políticos, em detrimento dos interesses da maioria. Por isso, afigura-se-nos ocasião oportuna para o nosso futuro, a refundação dos alicerces do nosso Estado.
No entanto, deve-se aquilatar porém, que a questão central da reforma das forças de defesa e segurança, que tem vindo a dominar a agenda do debate dos últimos tempos, não seja abordada de forma exclusiva e redundante. Tenho por mim, que uma das questões centrais do Estado guineense, passa pela necessidade de uma melhor reformulação dos seus fundamentos, que também passa necessariamente por uma grande reforma da Administração central e local do Estado, porque a memória dos nossos turbulentos 39 anos de existência, deixa muito a desejar.
Mas também não é menos verdade que um dos óbices desta governação, seja o problema da promoção da justiça. E não é credível que passados 3 meses depois da sua nomeação, quem de direito, ainda não seja capaz de promover nenhum sinal nesse sentido. É preciso que as pessoas percebam, que sem o esclarecimento cabal dos assassinatos políticos não haverá apaziguamento dos espíritos no nosso País.
E os países como Portugal, que aos quatro ventos apregoam que são paladinos até mais não do Estado de Direito, e continuam a albergar os alegados envolvidos em crimes de sangue ocorridos na Guiné-Bissau, devem estar prontos a cooperar quando forem solicitados pela justiça guineense, sem a qual perderão uma excelente oportunidade de manter uma cooperação digna desse nome.
Mas tudo isto, infelizmente só se pode tornar exequível num ambiente de serenidade, paz, e sobretudo com um governo legítimo ou legitimado, e de longa duração, isto é, um executivo que dure no mínimo 3 a 4 anos. O que não tem acontecido até agora, desde que foi instaurada a democracia. À partida, parece-me que estamos num beco sem saída, do qual, urge naturalmente sair.
Mas não. O que devemos encarar com honestidade, é a procura de uma solução que nos permita sair desta embrulhada. Para isso, o envolvimento de todos, mas todos sem exceção, é vital. Também devemos ter a consciência de que o empreendimento é de monta, e para isso temos que ter a coragem de assumir que a realização das próximas eleições, sem antes se observarem uma série de pré-requisitos que nos conduzam a um verdadeiro entendimento, pode-se revelar inútil. 4

Não nos devemos orgulhar com o que tem acontecido na Guiné-Bissau, e por isso mesmo, os problemas que nos assolam de forma sistémica e sistemática, devem ser motivo de preocupação para todos os guineenses de boa vontade.
Creio que é chegado o momento, em que nos devemos sentar à volta da mesma mesa, e debruçarmos sobre as grandes questões que têm travado o nosso desenvolvimento, de forma a obtermos os consensos necessários para estabelecermos verdadeiros pactos de regime nos domínios essenciais, como as da nossa organização política, da economia, da educação e da saúde, de modo a que não possam ser alterados, mesmo por um Governo eleito, a seu bel-prazer, a fim de preservar a estabilidade e paz desejadas.
Julgo, sinceramente, que sem estes passos prévios, não chegaremos a lado nenhum, e nenhumas eleições, nem mesmo aquelas, com a já tão estafada retórica de “livre, transparente e justa”, conseguiria segurar um governo eleito.

Victor Gomes Pereira
Jornalista

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