A tendência do faz de conta que se
está a generalizar nas hostes da sociedade política guineense é deveras sério,
e já está a tomar proporções inquietantes. Apesar dos esforços visíveis na
consolidação das pontes de entendimento entre todas as forças vivas, para uma
agenda política nacional comum, denota-se um indisfarçável desejo de
protagonismo de alguns setores, lançados num frenético exercício de puro
oportunismo político, quiçá, em consequência da eventual redistribuição de
pastas que se advinha, na inevitável e unânime remodelação que se pretende
levar a cabo no atual executivo de transição.
E até se vai mais longe com notícias
forjadas e plantadas em semanários que são autênticos pasquins, confundindo a
opinião pública com atoardas, e falsas informações sobre alegados conluios para
derrubar o governo de transição, que mais não são do que expedientes para
denegrir iniciativas de promoção de diálogo.
Já o afirmámos em diversas ocasiões.
A bondade e a pertinência de uma mexida no executivo, passados que foram oito
meses de governação, seriam sempre bem-vindas. Desde logo, por razões
diferenciadas, a começar pela necessidade decorrente da procura de melhores
soluções setoriais, passando pelo equilíbrio consensual que faz jus ao espírito
dos instrumentos jurídicos de transição, até, naturalmente, pela necessidade
normal de substituição de governantes com menor desempenho. Aliás, remodelações
governamentais não são entranhas em executivos não vitalícios. Aqui ao lado, no
Senegal e na Costa do Marfim, os executivos já foram remodelados, passados
apenas alguns meses de governação.
Infelizmente, entre nós, e como já
vem sendo hábito, também se denota um indisfarçável clima de evidente
crispação, motivado, primeiro, pela adesão do PAIGC aos instrumentos jurídicos
que regulam a transição, e a manifesta vontade daquela organização política em
modificar a sua essência, e segundo, pelo aproveitamento insidioso que certos
setores ditos parlamentaristas estão a fazer da leitura simplista do Acordo e
do Pacto Político, que derrogam e complementam a nossa Constituição da
República.
A tese parlamentarista quer, à viva
força, comprometer a regra do consenso dificilmente conseguida nos acordos alcançados
para a transição, esquecendo-se que foram esses mesmos que prorrogaram o seu
mandato. O que está em causa, e insere-se dentro do espírito das regras que
regulam a transição é a evidente dificuldade que a antiga maioria ainda
experimenta em adequar-se às decisões consensualizadas pelos signatários do
Acordo e do Pacto Político.
Diga-se em abono da verdade, que o
estranho e sobranceiro comportamento dos independentistas, que ainda se escudam
na legitimidade parlamentar, não só agudiza a desconfiança já larvar entre os
atores políticos, como, a permanecermos neste atual estado de coisas, estamos
em crer que o PAIGC não está, nem nunca estará interessado numa solução
interna, mas sim numa solução imposta que venha de fora.
Porque quando PAIGC se recusa sentar
à volta da mesma mesa com todos os atores políticos, para a busca de soluções
consensuais para a saída da crise, não só se recusa a reconhecer os acordos que
assinou, como já vai mostrando a verdadeira intenção que o levou a assinar tais
documentos, ou seja, modificá-los a seu favor, ou melhor ainda, parlamentarizar
todas as decisões que achar conveniente, onde a maioria lhe favorece, fazendo
tábua rasa às regras do consenso. Agindo como se nada tivesse acontecido. Nada
mais natural!
Estes jogos de poder seriam normais
em situações de normalidade institucional, mas a precariedade em que vive a
Guiné-Bissau hoje, devido a instabilidades cíclicas, exige de todos os atores
um esforço redobrado e atento, a fim de juntarmos sinergias, para que todos,
mas todos sem exceção, possamos criar espaços de concertação permanentes que
nos permitam arranjos e soluções perenes para os nossos crónicos problemas
estruturais.
Por um lado, tal postura
permitir-nos-ia cimentar a coesão interna, algo corroída por sangrentas lutas
fratricidas ao longo dos quarenta anos de existência do nosso Estado, e por
outro, a imagem de conjunto poderia facilitar a permeabilidade desejável às
nossas pretensões de cooperação e apoio da comunidade internacional, e ao mesmo
tempo impedir que medidas exógenas nos sejam impostas, como tem sido até aqui.
Por isso, é sempre salutar e
legítima a resposta que cada um de nós entende dar à crise, embora defendamos
que a melhor metodologia aconselhe a concertação e o consenso. E não vemos melhor
ocasião do que esta, onde todas as legitimidades foram postas em causa pelos
acontecimentos recentes.
É neste quadro que todos os partidos
políticos, todas as organizações da sociedade civil, incluindo a classe
castrense, as diversas confissões religiosas e o corpo do regulado se têm
reunido num esforço de auto auscultação para criar um espaço institucionalizado
de concertação e diálogo, a fim de descortinar consensualmente as melhores
saídas para esta crise.
Naturalmente que o espaço ideal
seria a Assembleia Nacional Popular, onde se encontra cristalizada a vontade
popular manifestada nas últimas eleições, através dos seus legítimos
representantes. Mas por outro lado, também não podemos perder de vista de que
estamos perante uma situação de ruptura constitucional motivada pelo golpe de
estado, ao qual, e em reacção, patriotas e nacionalistas guineenses, numa
atitude responsável e pragmática de louvar, emendaram a mão e selaram um
compromisso de transição com os insurgentes, para evitar uma guerra civil que a
CPLP e os seus acólitos angolanos, portugueses e cabo-verdianos queriam e ainda
querem a todo o custo promover. Parece que a memória do 07 de Junho já não lhes
pesa na consciência.
E também tornou-se evidente de que
estes países, tudo farão, através dos seus governos, para que não só nos
isolemos internamente através de um virar de costas entre nós, mas também num
virar de costas da comunidade internacional em relação às pretensões legítimas
do nosso povo. Ilustra-o bem as sanções encomendadas por estes países que
depois foram aplicadas aos nossos militares, e também a tentativa falhada de as
tornar extensiva aos políticos que não servem os seus interesses.
Esta é sem dúvida, outra forma de
tentar impedir que os guineenses falem a uma só voz. É a forma desesperada dos
interesses organizados de Portugal, Angola e Cabo Verde, tentarem mostrar ao
mundo que a Guiné-Bissau está a saque e refém de um bando de energúmenos e de
traficantes de droga. Qual mentira!
A alinharmos nesta tese, não só
daríamos ao mundo um péssimo exemplo de solidariedade, como poderíamos
comprometer sobremaneira o orgulho patriótico que nos anima o fervor
nacionalista. Os nossos valorosos combatentes da liberdade da pátria devem ser
continuamente valorizados, assim como a nação angolana o faz em relação ao
combatente angolano, assim como Portugal o faz em relação ao combatente do seu
ultramar, assim como Cabo Verde o faz com os antigos combatentes do PAIGC.
Em nenhum momento devemos perder de
vista os ideais que nortearam os homens e mulheres que um dia resolveram pegar
em armas e sacrificar as suas vidas para que hoje fossemos todos independentes.
E quando digo todos, quero também dizer, para que Angola e Cabo Verde fossem
independentes. Imagine-se que em rigor, até Portugal nos deve a democracia que
institucionalizou, graças à tenaz resistência da nossa luta armada que acabou
por forjar os capitães de Abril.
Porque na verdade não nos devemos
distanciar destes homens e mulheres que agora são vítimas de uma encarniçada
caça às bruxas, numa tentativa de isolamento para melhor servir interesses
obscuros. Antes pelo contrário, se quisermos uma transição bem-sucedida,
devemos poder contar com toda a sua energia e participação, em todo o processo
decisório da transição.
A postura partidária, sem desprimor
das suas virtudes, deve ser hipotecada ao serviço do interesse nacional. Apesar
das nossas diferenças, devemos ser capazes de transmitir tolerância e confiança
para que possamos todos juntos construir o nosso futuro.
Por: Victor Pereira
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