quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

OPINIÃO/EDITORIAL 11 - VICTOR GOMES PEREIRA



A tendência do faz de conta que se está a generalizar nas hostes da sociedade política guineense é deveras sério, e já está a tomar proporções inquietantes. Apesar dos esforços visíveis na consolidação das pontes de entendimento entre todas as forças vivas, para uma agenda política nacional comum, denota-se um indisfarçável desejo de protagonismo de alguns setores, lançados num frenético exercício de puro oportunismo político, quiçá, em consequência da eventual redistribuição de pastas que se advinha, na inevitável e unânime remodelação que se pretende levar a cabo no atual executivo de transição.
E até se vai mais longe com notícias forjadas e plantadas em semanários que são autênticos pasquins, confundindo a opinião pública com atoardas, e falsas informações sobre alegados conluios para derrubar o governo de transição, que mais não são do que expedientes para denegrir iniciativas de promoção de diálogo.
Já o afirmámos em diversas ocasiões. A bondade e a pertinência de uma mexida no executivo, passados que foram oito meses de governação, seriam sempre bem-vindas. Desde logo, por razões diferenciadas, a começar pela necessidade decorrente da procura de melhores soluções setoriais, passando pelo equilíbrio consensual que faz jus ao espírito dos instrumentos jurídicos de transição, até, naturalmente, pela necessidade normal de substituição de governantes com menor desempenho. Aliás, remodelações governamentais não são entranhas em executivos não vitalícios. Aqui ao lado, no Senegal e na Costa do Marfim, os executivos já foram remodelados, passados apenas alguns meses de governação.
Infelizmente, entre nós, e como já vem sendo hábito, também se denota um indisfarçável clima de evidente crispação, motivado, primeiro, pela adesão do PAIGC aos instrumentos jurídicos que regulam a transição, e a manifesta vontade daquela organização política em modificar a sua essência, e segundo, pelo aproveitamento insidioso que certos setores ditos parlamentaristas estão a fazer da leitura simplista do Acordo e do Pacto Político, que derrogam e complementam a nossa Constituição da República.
A tese parlamentarista quer, à viva força, comprometer a regra do consenso dificilmente conseguida nos acordos alcançados para a transição, esquecendo-se que foram esses mesmos que prorrogaram o seu mandato. O que está em causa, e insere-se dentro do espírito das regras que regulam a transição é a evidente dificuldade que a antiga maioria ainda experimenta em adequar-se às decisões consensualizadas pelos signatários do Acordo e do Pacto Político.
Diga-se em abono da verdade, que o estranho e sobranceiro comportamento dos independentistas, que ainda se escudam na legitimidade parlamentar, não só agudiza a desconfiança já larvar entre os atores políticos, como, a permanecermos neste atual estado de coisas, estamos em crer que o PAIGC não está, nem nunca estará interessado numa solução interna, mas sim numa solução imposta que venha de fora.
Porque quando PAIGC se recusa sentar à volta da mesma mesa com todos os atores políticos, para a busca de soluções consensuais para a saída da crise, não só se recusa a reconhecer os acordos que assinou, como já vai mostrando a verdadeira intenção que o levou a assinar tais documentos, ou seja, modificá-los a seu favor, ou melhor ainda, parlamentarizar todas as decisões que achar conveniente, onde a maioria lhe favorece, fazendo tábua rasa às regras do consenso. Agindo como se nada tivesse acontecido. Nada mais natural!      
Estes jogos de poder seriam normais em situações de normalidade institucional, mas a precariedade em que vive a Guiné-Bissau hoje, devido a instabilidades cíclicas, exige de todos os atores um esforço redobrado e atento, a fim de juntarmos sinergias, para que todos, mas todos sem exceção, possamos criar espaços de concertação permanentes que nos permitam arranjos e soluções perenes para os nossos crónicos problemas estruturais.
Por um lado, tal postura permitir-nos-ia cimentar a coesão interna, algo corroída por sangrentas lutas fratricidas ao longo dos quarenta anos de existência do nosso Estado, e por outro, a imagem de conjunto poderia facilitar a permeabilidade desejável às nossas pretensões de cooperação e apoio da comunidade internacional, e ao mesmo tempo impedir que medidas exógenas nos sejam impostas, como tem sido até aqui.
Por isso, é sempre salutar e legítima a resposta que cada um de nós entende dar à crise, embora defendamos que a melhor metodologia aconselhe a concertação e o consenso. E não vemos melhor ocasião do que esta, onde todas as legitimidades foram postas em causa pelos acontecimentos recentes.
É neste quadro que todos os partidos políticos, todas as organizações da sociedade civil, incluindo a classe castrense, as diversas confissões religiosas e o corpo do regulado se têm reunido num esforço de auto auscultação para criar um espaço institucionalizado de concertação e diálogo, a fim de descortinar consensualmente as melhores saídas para esta crise.
Naturalmente que o espaço ideal seria a Assembleia Nacional Popular, onde se encontra cristalizada a vontade popular manifestada nas últimas eleições, através dos seus legítimos representantes. Mas por outro lado, também não podemos perder de vista de que estamos perante uma situação de ruptura constitucional motivada pelo golpe de estado, ao qual, e em reacção, patriotas e nacionalistas guineenses, numa atitude responsável e pragmática de louvar, emendaram a mão e selaram um compromisso de transição com os insurgentes, para evitar uma guerra civil que a CPLP e os seus acólitos angolanos, portugueses e cabo-verdianos queriam e ainda querem a todo o custo promover. Parece que a memória do 07 de Junho já não lhes pesa na consciência.
E também tornou-se evidente de que estes países, tudo farão, através dos seus governos, para que não só nos isolemos internamente através de um virar de costas entre nós, mas também num virar de costas da comunidade internacional em relação às pretensões legítimas do nosso povo. Ilustra-o bem as sanções encomendadas por estes países que depois foram aplicadas aos nossos militares, e também a tentativa falhada de as tornar extensiva aos políticos que não servem os seus interesses.
Esta é sem dúvida, outra forma de tentar impedir que os guineenses falem a uma só voz. É a forma desesperada dos interesses organizados de Portugal, Angola e Cabo Verde, tentarem mostrar ao mundo que a Guiné-Bissau está a saque e refém de um bando de energúmenos e de traficantes de droga. Qual mentira!
A alinharmos nesta tese, não só daríamos ao mundo um péssimo exemplo de solidariedade, como poderíamos comprometer sobremaneira o orgulho patriótico que nos anima o fervor nacionalista. Os nossos valorosos combatentes da liberdade da pátria devem ser continuamente valorizados, assim como a nação angolana o faz em relação ao combatente angolano, assim como Portugal o faz em relação ao combatente do seu ultramar, assim como Cabo Verde o faz com os antigos combatentes do PAIGC.
Em nenhum momento devemos perder de vista os ideais que nortearam os homens e mulheres que um dia resolveram pegar em armas e sacrificar as suas vidas para que hoje fossemos todos independentes. E quando digo todos, quero também dizer, para que Angola e Cabo Verde fossem independentes. Imagine-se que em rigor, até Portugal nos deve a democracia que institucionalizou, graças à tenaz resistência da nossa luta armada que acabou por forjar os capitães de Abril.
Porque na verdade não nos devemos distanciar destes homens e mulheres que agora são vítimas de uma encarniçada caça às bruxas, numa tentativa de isolamento para melhor servir interesses obscuros. Antes pelo contrário, se quisermos uma transição bem-sucedida, devemos poder contar com toda a sua energia e participação, em todo o processo decisório da transição.     
A postura partidária, sem desprimor das suas virtudes, deve ser hipotecada ao serviço do interesse nacional. Apesar das nossas diferenças, devemos ser capazes de transmitir tolerância e confiança para que possamos todos juntos construir o nosso futuro.
Por: Victor Pereira

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