A infiltração do narcotráfico no aparelho de
Estado da Guiné-Bissau é acompanhada por “sérias suspeitas” de envolvimento de
altos responsáveis, principalmente do ex-primeiro ministro Carlos Gomes Júnior que mandou libertar um barco cheio de drogas a
troco de dinheiro para financiar a sua campanha eleitoral, afirma Carmelita
Pires, até Novembro conselheira da Comunidade Económica dos Estados da África
Ocidental (CEDEAO) para o combate à droga.
Quando quer aceder ao território de um país,
ainda que para fins de armazenamento ou trânsito, a “máfia” do tráfico de droga
actua através do “acesso a determinadas pessoas, que lhe permitam o direito de
passagem”, disse a especialista, em entrevista à Lusa. “Não estou a ver os
soldados rasos a concederem esse direito de passagem”, confessa Carmelita
Pires, realçando que, na Guiné-Bissau e noutros Estados igualmente frágeis, o
narcotráfico “infiltra-se ao mais alto nível”.
“Passa-se tudo em Bissau e nós sabemos”,
realça a advogada e ex-ministra da Justiça da Guiné-Bissau, que foi, durante
três anos, conselheira especial do presidente da CEDEAO para o combate à droga
e ao crime organizado.
Recordando que, enquanto ministra, defendeu a
investigação, acusação e o julgamento desses casos – na sequência do que chegou
a receber ameaças de morte –, Carmelita Pires reconhece que, a esse nível, “as
coisas não têm corrido bem”. “Um dos nossos principais problemas tem a ver com
a questão da impunidade e aí não posso dizer que tenhamos tido resultados”,
vinca.
Simultaneamente, admite, o sucesso do combate
internacional ao narcotráfico na Guiné-Bissau e na região da África Ocidental
tem sido impedido por “condicionalismos, sobretudo de cariz financeiro”.
O plano de combate da CEDEAO “é extremamente
ambicioso” e pressupõe acções concretas, entre as quais a ex-governante destaca
a partilha de informação e operações conjuntas entre as polícias da região.
“Este trabalho já começou, mas ainda não está totalmente em prática. Fizeram-se
só duas ou três operações”, diz.
A criação de um tribunal específico, que contorne
as “debilidades” dos sistemas judiciais da região, e a harmonização da
legislação são outras medidas constantes no plano, acrescenta.
Na entrevista, é também abordada a situação
criada pelo golpe militar de 12 de Abril do ano passado. A crise, disse, deve
ser resolvida internamente, mas a comunidade internacional não pode abdicar de
apoiar a realização de eleições e uma futura reforma das forças armadas,
defende a ex-ministra.
Numa altura em que ainda é incerto um
financiamento internacional às eleições, Carmelita Pires frisa que a comunidade
internacional “tem de saber” que “a Guiné-Bissau não pode, neste momento, fazer
nada que não seja com um apoio muito sério”.
O acordo de transição, assinado em Maio de 2012,
previa a realização de eleições no prazo máximo de um ano e Carmelita Pereira
não admite sequer a possibilidade de a comunidade internacional ignorar os
apelos financeiros para a sua realização.
A cada crise, aumentam as “fracturas” no país,
avisa. “Estamos quase que persistentemente a aguardar algo”, diz, considerando
o último golpe “previsível” e reconhecendo que aos guineenses compete “entrar
em diálogo e chegar a um consenso”, o que “não é fácil”.
Período de transição
Para Carmelita Pires, a Guiné-Bissau deve ter três objectivos fundamentais para o futuro: acabar com a impunidade, reformar a classe política e reorganizar as forças armadas. Mas nada disto “deve ser feito durante o período de transição”, só com “um governo legítimo”, após eleições.
Para Carmelita Pires, a Guiné-Bissau deve ter três objectivos fundamentais para o futuro: acabar com a impunidade, reformar a classe política e reorganizar as forças armadas. Mas nada disto “deve ser feito durante o período de transição”, só com “um governo legítimo”, após eleições.
Apesar dos “vários esforços que foram sendo
feitos”, sobretudo desde 2006, para reestruturar as forças de defesa e segurança,
não houve “coragem” nem “sorte” que levassem esse projecto a bom porto,
reconhece.
As forças armadas não obedecem “ao mínimo”
exigido ao seu funcionamento e à defesa dos interesses geopolíticos do país,
são “sobredimensionadas”, não têm uma cadeia de comando que funcione, “entre
uma série de outras anomalias”, enumera.
“Existe sempre um contrapoder em relação às
pretensões do poder civil”, analisa, referindo ainda “alguma promiscuidade
entre poder civil e poder militar”. Por isso, simultaneamente, considera
necessária uma “reforma da classe política”.
Carmelita Pires terminou a missão na CEDEAO em
Novembro e viajou até Lisboa. Já adiou o regresso à Guiné por três vezes, mas
não se considera “exilada”, acreditando que as eleições vão acontecer “quanto
antes” e que a “normalidade constitucional” será retomada no país.
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