
Quando Aladje Ussumane Baldé começou a frequentar as
missas na catedral de Bissau, na década de 80, os fiéis pensaram que era um
espião muçulmano, mas hoje, com 113 anos no bilhete de identidade, é o guardião
das chaves da igreja de Santa Luzia.
"É um símbolo da paz religiosa" na
Guiné-Bissau, em contraste com outros países africanos, destaca Elísio
Ferreira, membro ativo da paróquia e que há 30 anos acompanha o "tio
Aladje".
"Aparecia nas missas, na catedral, ficava nos
bancos de trás e era o primeiro a sair: pensávamos que era um espião
muçulmano", recorda Elísio, até ao dia em que o interpelou.
Confirmou que que era muçulmano, mas afinal só queria
ser católico praticante - tal como tinham sido os pais.
Ficaram amigos, Elísio chegou a oferecer-lhe
alojamento na mesma casa e apesar das desavenças com alguns membros da
comunidade islâmica, Aladje (nome de quem já fez a peregrinação a Meca) foi
batizado em 1985.
Começou por ser guarda da igreja de Santa Luzia,
ganhou a confiança dos padres que por ali passavam e passou a ser o zelador do
espaço e fiel depositário das finanças da paróquia - sem nunca largar o traje
muçulmano: túnica e chapéu branco.
Conhece os cantos ao altar, sabe onde se guardam as
hóstias e o vinho, bem como todos os restantes apetrechos necessários para uma
missa.
Ainda hoje, com as mesmas vestes, guarda as chaves num
bolso, mas já são poucas as tarefas que lhe são atribuídas, devido a problemas
de visão e locomoção, porque a idade não perdoa.
Aldaje Ussumane Baldé puxa pelo bilhete de identidade
para defender que tem 113 anos: aparenta ser mais novo, mas o documento desafia
a lógica, especialmente num país onde a esperança média de vida é de 47 anos.
E num país onde os serviços de registo civil apresentam
vários problemas não é possível desmentir o documento transportado pelo idoso.
"Esta é a minha casa", diz em voz baixa,
junto à igreja, onde lhe garantem alojamento, alimentação e roupa lavada.
"Quero ficar aqui para o resto da vida", mas
deixa a decisão das mãos do Deus em que acredita: "se me mandar para outro
lugar, eu posso ir. Senão, prefiro ficar", refere no dialeto Fula, falado
sobretudo no leste da Guiné-Bissau, de onde é oriundo.
Elísio Ferreira acredita que a vida de "tio
Aladje" dava um livro e mostra como a população pode viver em paz, apesar
de diferentes crenças e origens - a maioria divide-se entre religiões étnicas e
muçulmanos, havendo cinco a 10 por cento de cristãos.
"Dizemos que somos 'corda de batata'", ou
seja, que todos os guineenses estão ligados.
Na Guiné-Bissau, "há cristão casado com
muçulmano, há animista casado com religioso", refere, sendo ele próprio
cristão e a mulher muçulmana.
Um cenário de harmonia em que é difícil compreender os
confrontos armados de base religiosa, que continuam a provocar mortes, em
países como a Nigéria e a República Centro Africana.
"São irmãos do mesmo país, porquê brigarem?"
- pergunta.
//Lusa
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