O
representante das Nações Unidas na Guiné-Bissau responsabiliza, em primeiro
lugar, as elites políticas pelo estado de um país "falhado em todos os
sentidos".
"Os políticos é que manipulam os militares,
incitando-os a apoiar uma fação ou outra", acusa José Ramos-Horta, em
entrevista publicada na edição de fevereiro/março da revista "The World
Today", do Chantham House, instituto britânico de análise internacional.
As forças armadas guineenses têm sido
"responsabilizadas por tudo o que se passa" no país, mas o
representante especial do secretário geral das Nações Unidas para a
Guiné-Bissau assume "uma visão ligeiramente diferente".
Ramos-Horta explica: "As elites políticas são os
principais culpados pelo trágico estado de coisas, pela má gestão, pelo
desperdício, pela corrupção e pelo empobrecimento da população. Os militares
vêm em segundo lugar na minha lista de atribuição de responsabilidades."
O ex-Presidente de Timor-Leste vai mais longe e diz
que "os militares apenas se juntaram ao grande assalto" levado a cabo
pelas elites políticas que governam o país desde a independência.
"A Guiné-Bissau é um Estado falhado em todos os
sentidos", classifica, enumerando "as qualidades de um Estado
falhado" que encontra no país africano lusófono: serviços públicos
"corruptos", que "nem sequer pagam os salários aos seus
funcionários", forças de segurança sem controlo, uma justiça
"incapaz" de julgar os "envolvidos no roubo atrevido e
escandaloso do erário público" ou outros "acusados de crimes
graves".
Porém, Ramos-Horta vê "uma esperança real de
mudança" em alguns dos líderes mais novos, "altamente
instruídos", que agora estão a candidatar-se a cargos de poder.
"Se eles forem eleitos, a comunidade
internacional tem de os apoiar verdadeiramente. Doutra forma, estarão
condenados. Existem demasiados interesses enraizados que vão resistir à mudança
radical", antecipa.
Também há sinais de "esperança" nas forças
armadas, onde existem "boas pessoas", que defendem "a
mudança", acrescenta.
Sobre as próximas eleições, agendadas para 16 de
março, Ramos-Horta admite que "poderá haver um adiamento de uma semana ou
duas", mas isso "não será um problema".
O representante das Nações Unidas reconhece que o
problema do tráfico de droga na região é "muito sério", mas realça
que, "se países poderosos, como Estados Unidos, Reino Unido, França,
Rússia e China não conseguem eliminá-lo, não se pode esperar que os países da
África Ocidental façam melhor".
O tráfico de estupefacientes, trazido às costas
africanas por "gente de fora", destaca, "está a corroer países
já bastante frágeis". Recusando classificar a Guiné-Bissau como um
"narco-Estado", Ramos-Horta garante que, no último ano que passou no
país, não viu "sinais de grande tráfico de droga".
Questionado sobre as similitudes entre a ajuda
internacional à Guiné-Bissau e ao seu país de origem, Timor-Leste, Ramos-Horta
reconhece que "os dadores estão cansados de 40 anos de golpes e
instabilidade, corrupção e incompetência", mas lamenta que a Guiné-Bissau
seja um país "quase esquecido" e "subfinanciado".
Na sua opinião, "Portugal é dos poucos países que
realmente se preocupa com a Guiné-Bissau". Angola "tem os meios
financeiros para investir realmente na Guiné-Bissau", mas os políticos e
militares locais "conseguiram antagonizar e alienar os angolanos, lamenta.
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