Enquanto a atenção nacional e internacional estava voltada para o primeiro
turno das eleições presidenciais na Guiné-Bissau, toneladas de troncos de
árvore saíam do país.
A DW África flagrou o fenômeno que cresceu em
proporção após o golpe militar de abril de 2012. O desmatamento é considerado
criminoso pelas comunidades das tabancas e ninguém fala sobre o assunto para a
imprensa com medo de ser morto ou torturado por quem está por trás do esquema.
Em meados de abril, na última semana de campanha,
dezenas de caminhões com contentores faziam fila na Avenida Amílcar Cabral e se
acumulavam nas ruas adjacentes. Trata-se de uma das principais vias da cidade,
entre o Palácio do Governo e o porto.
Conforme ambientalistas e autoridades florestais
guineenses todos os contentores carregavam troncos de madeira para serem
exportados para a China. O diretor-geral do Serviço de Floresta e Fauna, Luís
Olundo Mendes garante que a madeira sai legalmente do porto.
“Nós trabalhamos com a Guarda Nacional. Eles
fiscalizam e nós certificamos a madeira. Temos hoje 13 serrações com licença
para desmatar de forma controlada”, explica Mendes.
A
controvérsia
O principal alvo deste negócio milionário é o Pau de
Sangue - uma árvore de grande porte, que pode chegar a 30 metros de altura.
Conforme informações da alfândega chinesa, cada contentor com troncos desta
árvore vale o equivalente a 17,7 mil euros.
Um morador de Kebu, no Sul do país, a 230
quilômetros de Bissau, diz que muitos grupos de extratores surgem nas tabancas
com alegadas licenças de corte. “As pessoas aparecem com papéis e motosserras”,
diz o homem que não quer ser identificado.
Como os responsáveis pelo desmatamento apresentam
documentos, os moradores não reagem. “Eles levam os contentores [com madeira]
para Bissau e não podemos dizer nada.”
Os extratores vão diretamente aos chefes das
tabancas. Nestas ocasiões, os delegados florestais das regiões, que por
exigência legal, deveriam acompanhar a derrubada das árvores, não aparecem.
Falta
de chuva
No Norte do país, a devastação se repete. A 70
quilômetros de Bissau, na região de Oio os agricultores protestam. “Nós
consideramos lamentável a forma como está sendo realizado o corte das árvores
nas florestas”. Segundo o agricultor, até 40 contentores por dia são
carregados.
Conforme os agricultores, quando chegam na tabanca,
os grupos oferecem dinheiro à população. “Se houver resistência, as pessoas são
agredidas. Oferecem o equivalente a 75 euros para a comunidade. Cortam apenas
árvores grandes, Pau de Sangue e Bussilão”, explica.
Os moradores revelam o boato de que o desmatamento
vai acabar depois das eleições. “Se encontrássemos pessoas que nos ajudassem,
seria bom porque nosso futuro está em causa. Algumas árvores que estão sendo
levadas servem para a medicina tradicional. Se todas forem levadas para a
China, qual será o futuro dos nossos filhos?", pergunta outro agricultor.
Ao contrário de outras regiões, onde são identificados
extratores de Conacry e da Gâmbia, no Leste do país, em Cossé, a 150
quilômetros de Bissau, moradores falam em mão de obra guineense.
“Eles dizem que já falaram com a Guarda Nacional e
chegam com documentos, mas nós resistimos. Se as maiores autoridades vierem
aqui, aí vamos respeitar”, explica o chefe de uma tabanca da região.
Os agricultores acreditam que a consequência do
corte das árvores é a falta de chuva. “Nós somos agricultores e agricultor sem
chuva não pode produzir. Mas nós vamos resistir”, diz.
Protestos
silenciados
Duas semanas depois, a reportagem da DW África
esteve no Leste. Apesar da resistência da comunidade, o corte já havia
começado. Um morador da zona urbana de Bafatá mostrou uma área onde a madeira
era acumulada para carregar os contentores.
Ele confirma que população está sendo ameaçada para
não falar sobre o assunto. “Antes houve alguns protestos, mas agora as pessoas
estão sendo ameaçadas. Ninguém mais fala nada nem se opõe”, diz.
Ao longo da rodovia que liga Bafatá a Bissau, podem
ser percebidos os vestígios da pressa para a extração e exportação dos troncos
ainda antes das eleições. Até contentores estão caídos à beira da rodovia.
Em outro ponto da estrada, um caminhão está parado
no meio do asfalto. O motor fundiu e incendiou quando retornava do porto para
buscar mais madeira no interior do país. No centro de Bissau, os caminhões
fazem fila para deixar contentores no navio.
Os troncos das árvores não ficam à mostra, mas o
cheiro do produto pode ser sentido ao longo da Avenida Amílcar Cabral.
Prazo
para a venda
Um ex-funcionário de um serviço de investigação do
Estado, demitido após o golpe de 2012, conta que o ritmo intenso da extração de
troncos antes das eleições tem uma explicação.
“O Estado atual da Guiné-Bissau não é legal. Este
corte abusivo, deve-se ao enriquecimento rápido que eles querem alcançar
enquanto estão no Governo. Este corte abusivo de madeira começou com os
militares. Todos os troncos são enviados para a China”, diz o ex-agente.
O diretor-geral do Serviço de Floresta e Fauna, Luís
Olundo Mendes, informa que apenas 13 serrações têm licença para trabalhar no
país. O trabalho é acompanhado pela autoridade florestal das regiões.
A reportagem apurou que, em 2010, saíram 15
contentores de madeira do porto de Bissau. O número foi crescendo ao longo dos
anos, até chegar, em 2013, a 409 – um crescimento de quase 30 vezes em três
anos.
Mendes diz que muitas comunidades escondem as
pessoas que derrubam as árvores. “Os próprios cidadãos guineenses são culpados
pelo desmatamento ilegal. Apreendemos no ano passado 100 contentores ilegais”,
diz.
Licenças
alugadas
Hoje em dia, quem quer cortar madeira na
Guiné-Bissau pode alugar uma licença. Um cidadão com conexões com o governo
revelou a reportagem que não conseguiu pagar pelo empréstimo de uma licença.
Ele disse que é necessário pagar uma quantia para o
dono da licença e também pagar os cortadores no mato para participar do
negócio.
“Mas eu comecei a hesitar entrar no negócio porque
surgiu um alerta que, seja o corte legal ou ilegal, mais cedo ou mais tarde, a
justiça vai pegar os envolvidos. Além disso, já é tarde. Pode ser que o próximo
governo pare com isto.”
A mesma fonte da reportagem diz que a venda de dois
contentores garante o sustento de uma família na Guiné-Bissau por alguns meses.
“Muitos que entraram no negócio irregular estão ricos”, diz.
Para ele o corte ilegal está tão elevado devido ao
momento que o país vive. “Não há controle, não há Estado. Cada um faz o
possível para sobreviver. Só quem tem serração pode conseguir esta licença. Mas
agora todo mundo está no mato”, salienta.
Ele diz que quem não tem licença, às vezes pode ter
cobertura até de “um alto dirigente” para fazer a extração dos troncos.
Conforme o documento, o negócio gerou em 2013 mais
de 7,2 milhões euros – um montante que poderia pagar parte dos quatro meses de
salários atrasados dos servidores públicos.
O representante do secretário-geral da ONU, José
Ramos-Horta diz que visitou um local onde as madeiras estão sendo cortadas e a
atividade dos extratores. Ele acredita que a comunidade internacional vai se
levantar contra a questão.
“Em particular, organizações não-governamentais
especializadas na área de proteção do meio ambiente, com as quais eu já estou
em contato. Vamos fazer uma campanha internacional para denunciar esta
barbaridade que está a acontecer contra a natureza na Guiné-Bissau.” Ler mais aqui»»
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