domingo, 24 de agosto de 2014

Onde a lepra é de casa


A norte de Calcutá, perto da cidade de Asansol, ergue-se a obra mais querida da Madre Teresa. Chama-se Shanti Nagar, Cidade de Paz. É uma verdadeira cidadezinha, com casas, piscina, jardins, escolas. Ali habitam duas mil pessoas. Há apenas uma diferença em relação às outras pequenas cidades: aqui, os habitantes são leprosos.

Esta doença tão antiga suscitou sempre repulsa. Mesmo quando a ciência demonstrou que a lepra é menos contagiosa que as outras doenças, o leproso continua a ser marginalizado, com violência, pela sociedade.

O bacilo da lepra não ataca órgãos vitais, mas corrói a pele, apodrece os dedos, transforma o rosto numa máscara trágica. O leproso, além de ser um doente, sente-se aviltado, desprezado, humilhado.

Madre Teresa pensou: “Farei uma cidade só para eles, onde ninguém os humilhará. Lá procuraremos curá-los com os remédios mais modernos, inventados pela ciência — as sulfamidas. Não são muito caros, são fáceis de administrar e o efeito é seguro, se o tratamento for prolongado e constante”.

O terreno para a “Cidade da Paz” (17 hectares) deu-lho o rico hindu que comprou o Lincoln branco do Papa. O resto do dinheiro serviu para começar a construção das casas.

Hoje, a “cidade” é habitada por quatrocentas famílias de leprosos. Têm à sua disposição médicos e enfermeiros fixos. Foram escavados catorze poços, que fornecem água de nascente às casas e ao hospital. As escolas, bibliotecas, oficinas de tipografia, mecânica, marcenaria, fábricas de calçado, fiação e cestaria funcionam em pleno. Jardins, hortas, pomares, arrozais e aviários tornam a cidade praticamente auto-suficiente.

A toda a volta, um grande parque circunda de verde e de paz a cidade.

Não é um “grande convento governado por irmãs, mas uma pequena aldeia indiana” que se governa por si própria, segundo os antigos costumes da Índia: todos elegem os próprios representantes, escolhendo-os entre os mais velhos.

Os leprosos que se curam voltam para a sociedade com um emprego que lhes dá boas perspectivas de sustentar a sua família.

O prémio “João XXIII”

Quando a construção se encontrava quase a meio, os dinheiros recebidos da venda do Lincoln do Papa tinham acabado. Estávamos em finais de 1970. No dia 22 de Dezembro, o Papa Paulo VI anunciou que, pela primeira vez, seria atribuído o prémio internacional “João XXIII”: “atribuímos este prémio a uma religiosa muito modesta e silenciosa, mas bem conhecida por aqueles que estão atentos e admiram os heroísmos da caridade no mundo dos pobres: chama-se Madre Teresa. De há vinte anos para cá, nas ruas da Índia, vem desenvolvendo uma obra maravilhosa de amor e dedicação em favor dos leprosos, dos velhos e das crianças abandonadas. Propomos à admiração de todos esta intrépida mensageira do amor de Cristo”.

Madre Teresa foi a Roma, no dia 6 de Janeiro de 1971, e recebeu das mãos do Papa uma imagem de Jesus e um cheque de quinze milhões de escudos. O diploma, que documentava a atribuição do prémio, dizia assim: “É belo e significativo que nesta nossa civilização de consumo o prémio da paz seja dado a quem se consagra aos seres mais inúteis e improdutivos da humanidade: os leprosos, os moribundos, os diminuídos”.

Os quinze milhões, fechados num envelope azul que o Papa lhe deu, chegaram para concluir Shanti Nagar, a cidade dos leprosos.

O silencioso e rápido desenvolvimento

A obra da Madre Teresa tem já 29 anos de vida na Índia. 29 anos desde aquele dia em que tirou o hábito religioso da sua congregação, vestiu o sari branco e começou a juntar as primeiras crianças abandonadas nas ruas. A sua obra estendeu-se rápida e silenciosamente por todo o mundo. Deitemos um rápido olhar a este desenvolvimento.

Em Calcutá, foram abertos 59 centros de caridade. Na Índia, funcionam outras 30 obras de assistência aos mais pobres. Como prova de reconhecimento, o governo indiano conferiu-lhe uma medalha de ouro — a Padmashri Medal. Madre Teresa pô-la ao pescoço de uma pequena estátua da Virgem Maria, que se ergue numa parede do Nirmal Hriday.
1965. Um pequeno grupo de irmãs, guiadas pela Madre Teresa, abre uma obra na Venezuela, na América Latina. Ao sul de Caracas, a região de Yaracuy é habitada por descendentes de escravos africanos, mergulhados numa apatia e pobreza que dilaceram o coração. “Pelos caminhos poeirentos das aldeias — escreve Maria Dainotti — grupos indiferentes passam as horas fumando e bebendo; as crianças, sujas, esgravatam com as galinhas entre os detritos ou misturam-se entre os cães vadios e cabras negras, enquanto nas cabanas todas sujas, reino de maus cheiros e de desordens, as mulheres passam o tempo tagarelando”. As Missionárias da Caridade ajudam as mulheres em casa, ensinam a fazer pequenos trabalhos caseiros, ensinam a coser à máquina, tratam os doentes, procuram interessar as crianças pelos jogos. 1967. O governo budista da ilha de Ceilão expulsou, há mais de 20 anos, quase todos os missionários católicos. Agora, pede à Madre Teresa que envie para aquela ilha as suas irmãs, para que construam dispensários para os mais pobres, organizem clínicas móveis, abram casas para as crianças abandonadas.

Madre Teresa chega à capital da ilha com um pequeno grupo de missionárias. A suprema autoridade da ilha recebe-a à chegada, aperta-lhe as mãos e diz-lhe: “Nós trabalhamos para o mesmo Deus. Atrás do nosso templo existem alguns barracões que não nos servem para nada. Usai-os para o vosso primeiro dispensário e peço-vos que me considereis, aqui na cidade, o primeiro entre os vossos cooperadores”.

Missionárias em Roma

1968. Vindas de Calcutá, chegam à Tanzânia a irmã Shanti e sete missionárias, pedidas pelo Bispo de Tabora à Madre Teresa, para que se ocupem dos pobres acampados nos arredores da cidade. Dez anos depois, nos subúrbios da cidade de Tabora dirigem seis dispensários (a irmã Shanti é licenciada em medicina), ajudam os leprosos e os cegos a construir cabanas à sua volta. Sete jovens tanzanianas vestiram já o mesmo sari das irmãs indianas.

Entretanto, nascem os “Irmãos Missionários da Caridade”, que são já uma centena. Orienta-os o padre Andrea, um jesuíta que recebeu também ele licença para deixar o seu convento na Austrália, para se dedicar aos mais pobres. Os “Irmãos” apoiam a obra das missionárias e executam os trabalhos mais duros e pesados.

Em 1969, as missionárias abrem um centro em Bourke, na Austrália, entre as tribos aborígenas. Em 1970, surgem casas em Melbourne (Austrália), em Amman (Jordânia), em Londres e em Roma. Na capital da cristandade, onde vivem 22 mil irmãs de 1200 ordens diversas, estão, a pedido de Paulo VI, no bairro das barracas do Aqueduto Felice.

Vão passando de casebre em casebre, visitando velhos e doentes, fazem-lhes os curativos, arrumam ambientes, ocupam-se dos mais pequeninos que ainda não são aceites nos asilos, cozinham para as famílias cujas mães estão ausentes por motivo de trabalho.

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