"Quando uma
pessoa nos invade, devemos deixar muito claro que isso está acontecendo"
Considero o tema deste artigo muito, muito,
importante: limites.
Por, Patrícia Gebrim
Limite é respeito. Saber que o outro existe e que
existe uma linha ao seu redor que deve ser respeitada. Saber que existimos e
devemos respeitar a nós mesmos.
Hoje ninguém respeita ninguém. Os limites alheios
são ultrapassados como se sequer existissem. Os relacionamentos perderam aquela
formalidade saudável de antigamente, que fazia com que nos aproximássemos do
outro devagar, com cuidado e delicadeza, tentando perceber e honrar seu espaço.
Hoje já chegamos abrindo a porta da geladeira e
colocando nossos pés sobre o sofá alheio. "Amigos" sem limites nos
ligam a qualquer hora e disparam a falar ao telefone, sem perguntar se
estávamos disponíveis. Pretendentes amorosos decidem se apaixonar por nós, sem
checar se o sentimento era recíproco, exigindo reciprocidade. Vizinhos nos
obrigam a ouvir suas músicas até altas horas, como se não tivéssemos que
acordar cedo no dia seguinte.
Os políticos usam nosso dinheiro para o que bem
entendem. Estacionamos nossos carros em áreas proibidas, desrespeitamos vagas
reservadas a idosos e deficientes, furamos filas e por aí vai... São tantas as
formas de desrespeito que eu poderia escrever por horas, só dando exemplos.
Tudo isso relacionado à nossa dificuldade de lidar com os limites.
Não fazemos isso apenas com os outros.
Desrespeitamos também a nós mesmos. Ultrapassamos os nossos limites comendo
demais, trabalhando demais, nos exercitando demais... Só para começar.
Estou certa de que você poderia citar muitas outras
situações.
Para respeitar o outro, ou a nós mesmos, é
necessário reconhecer a sua existência.
Andamos tão autocentrados que acabamos nos
esquecendo que o outro existe. Sendo assim, quando desejamos algo, seja lá o
que for, simplesmente nos sentimos no direito de receber. E exigimos. E nos
apropriamos da realidade como se fôssemos uma espécie de ditador ao qual os
outros, simples súditos, devam se dobrar. Acreditamos que é nosso direito ter o
que queremos, como queremos, na hora que queremos, e simplesmente nos
esquecemos de perguntar se o outro quer fazer a parte complementar de nossos
planos.
E é assim que invadimos as pessoas, em todas as
áreas, muitas vezes sem nem mesmo perceber que estamos fazendo isso. Somos
invasivos, amorosamente, profissionalmente, nas amizades ou no âmbito social...
Como déspotas, vamos nos impondo e tomando o que acreditamos ser nosso direito.
Passamos por cima das vontades do outro, do tempo do outro, da sua existência.
A loucura é tanta que nos sentimos no direito de ficar
chateados quando a pessoa invadida reforça suas fronteiras e não permite que
ultrapassemos seus limites. Uma pessoa diz que está ocupada e não pode falar e
a acusamos de ser insensível. Uma pessoa resiste às nossas investidas amorosas
e a acusamos de fria, a atacamos e, em alguns casos extremos, até matamos.
Algo está muito errado nisso tudo.
É muito cansativo ter que lidar com pessoas
invasivas. Essas pessoas, em geral, estão identificadas com a criança
voluntariosa dentro de si, aquela parte que acredita que pode ter tudo o que
quer. Afinal, todos nós, quando crianças, acreditamos que éramos o centro do
Universo e que o mundo existia para nos satisfazer. Ter que conviver com
pessoas assim nos faz ter que vigiar as nossas fronteiras o tempo todo, sob o
risco de sermos invadidos se assim não o fizermos. Como consequência, torna-se
impossível relaxar. Fica muito difícil permitir a intimidade e praticamente
impossível desfrutar de um relacionamento de forma mais leve, se temos que nos
proteger a cada fala, a cada atitude.
Se um simples telefonema pode se tornar uma invasão,
lá se vai a nossa energia, sugada à força, se não soubermos nos cuidar. Vivemos
em estado de alerta, sob perigo de invasão iminente. Não é exatamente o melhor
estado para se criar harmonia, parceria e paz. Adeus espontaneidade.
Do outro lado, os que invadem, em geral, sentem-se
injustiçados quando não conseguem o que querem. Reclamam que os outros os
mantêm à distância e nunca se entregam a eles de verdade, sem perceber que sua
atitude invasiva inviabiliza qualquer entrega por parte do outro. Com o tempo,
tornam-se mestres na arte da manipulação e descobrem como agir com cada pessoa
para conseguir o que querem. Ainda assim, por mais que invadam e até conquistem
o que desejam, nunca ficam satisfeitos.
Enquanto não pararem de agir como crianças, enquanto
não pararem de exigir ou tentar tomar à força o que querem, jamais se sentirão
recebendo algo de verdade. Mesmo quando conseguem o que querem, lá no fundo
sabem que aquilo não lhes foi dado, sabem que o que conseguiram foi o resultado
de um saque, o que faz com que continuem se sentindo na falta.
Egoístas
desrespeitam os outros
As pessoas invasivas, em geral, são egoístas. Os
genuinamente generosos raramente invadem. Se são generosos é porque sentem
possuir coisas preciosas, não precisam que os outros lhes deem o que sabem
existir dentro de si mesmos. Os egoístas, por sua vez, sentem-se vazios por
dentro, sensação essa que usam para justificar para si mesmos a atitude
invasiva. Precisam de cura. Precisam descobrir que possuem tudo o que
necessitam dentro de si mesmos, e não precisam roubar, invadir ou desrespeitar
os outros para conseguir o que desejam. Esse é seu desafio.
Generosos
desrespeitam a si mesmos
Os que são invadidos em geral são generosos.
Respeitam os outros, mas não sabem respeitar a si mesmos e por isso se deixam
invadir. Precisam aprender a demarcar com mais clareza seus limites e a impedir
que sejam desrespeitados. Quando uma pessoa nos invade, devemos deixar muito
claro que isso está acontecendo e expressar com clareza os nossos limites. Isso
deve ser feito logo no início de um relacionamento, para que não se torne um
problema maior mais para frente. Se a pessoa insistir na atitude invasiva, talvez
você deva perguntar a si mesmo:
- Esse é um relacionamento que deve ser mantido?
Para sua reflexão, deixo-os com um trecho dessa
linda poesia de Eduardo Alves da Costa , chamada NO CAMINHO, COM MAIAKÓVSKI.
"Tu sabes,conheces melhor do que eua velha história.Na primeira noite eles se aproximame roubam uma flordo nosso jardim.E não dizemos nada.Na segunda noite, já não se escondem:pisam as flores,matam nosso cão,e não dizemos nada.Até que um dia,o mais frágil delesentra sozinho e nossa casa,rouba-nos a luz e,conhecendo nosso medo,arranca-nos a voz da garganta.E já não podemos dizer nada."
Nota: Os artigos assinados por amigos, colaboradores ou
outros não vinculam a IBD, necessariamente, às opiniões neles expressas.
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