Um leproso vem ter com Jesus. Ousa
transgredir regras muito rigorosas de higiene pública. Expõe-se e corre riscos
de morte. O contágio era fácil e perigoso. A sociedade protegia-se. Além disso,
a lepra como outras doenças, tinha conotação religiosa. Fazia a pessoa impura,
com uma relação negativa com Deus, culpada por algo que tivesse feito,
amaldiçoada. Devia ser evitada a todo o custo.
Que experiência dolorosa e humilhante!
Apesar disso, expõe-se e transgride, avança no desejo de recuperar a dignidade
perdida e a liberdade cerceada. Ousa o inacreditável e, cheio de coragem e
confiança, aproxima-se, ajoelha e suplica: “Se quiseres, podes curar-me”. Que
força interior move as suas energias e alenta a sua esperança. Que firmeza de
convicções manifesta e transmite. Que expectativas alimenta nos passos que dá
para realizar o seu sonho: ser alguém com nome próprio, ir ao culto religioso
na sinagoga, ser membro da sociedade e poder andar em público sem restrições.
O leproso é também um símbolo de grandes
maiorias humanas que se arrastam na vida por carências sem conta: desnutrição
por fome, migrações forçadas por guerras impostas e alterações climáticas,
falta de água e de outros bens indispensáveis à saúde, conflitos e violências,
perseguições étnicas e religiosas. Ou ainda nas sociedades de “bem-estar” o
isolamento e a solidão, as desigualdades irritantes, o individualismo egoísta,
a exclusão e marginalização das minorias, a “ditadura” das ideologias e, por
vezes, da opinião publicada. Tudo isto, e muito mais, apesar dos avanços
admiráveis em tantas áreas da nossa humanidade.
Marcos, o autor do relato (Mc 1, 40-45),
adopta um estilo diferente do habitual na narrativa. Deixa em aberto a
identidade do leproso. Não se sabe quem é, nem donde vem, nem o local do
encontro. Para ele, o importante é a atitude de Jesus, a força sanadora que
possui, a compaixão que sente e o gesto que faz. Para ele, o importante é que
os discípulos saibam que a lacuna não é esquecimento, mas oportunidade, para
cada um fazer o encontro pessoal com Jesus, nas situações mais sofridas da
vida, sem medo prudente a “sujar as mãos”, nem a perigos de contágio.
O Papa Francisco, ao falar à multidão no
domingo passado, sublinha que, durante a maior parte da sua vida pública,
Cristo está “no meio da multidão, no meio do povo”, pregando o Evangelho “no
meio da gente”. “É uma humanidade marcada por sofrimentos, cansaços e pobrezas.
A essa pobre humanidade é dirigida a ação poderosa, libertadora e renovadora de
Jesus”. E adianta que o “anúncio do Reino de Deus, por parte de Jesus, encontra
o seu lugar adequado na rua”. Ele “não veio trazer a salvação num laboratório”.
E lembra que “a rua, como lugar do anúncio alegre do Evangelho, coloca a missão
da Igreja sob o signo do andar, do movimento, nunca estática”. “A cura do corpo
destina-se à cura do coração”.
A súplica do leproso encontra ressonância
de compaixão em Jesus. Faz remexer as suas entranhas de misericórdia. Assume a
situação problemática, sintoniza com o desejo expresso e reage com prontidão
espontânea. Que segredo desvenda esta atitude. É uma constante no seu agir.
Nada o detém: nem olhares de controlo farisaico ou receios do que possa
acontecer. E Marcos na sua narração adianta: “Estendeu a mão, tocou-lhe e
disse: «Quero, fica limpo»”. E a lepra deixou-o. Ele ficou limpo. Que brecha
introduz no sistema social e religioso de exclusão e marginalização! Que que
caminhos de liberdade abre a quem vier a ser discípulo missionário! Gesto belo,
arriscado, escandaloso. Mas a pessoa está primeiro. Nada no mundo tem o seu
valor.
Que vibrações interiores terá vivido o
recém curado! De novo, com os seus. De novo, em liberdade. De novo, a dispor de
si. De novo, a assumir atitudes responsáveis. Agora, parece ter uma única
preocupação. Diz Marcos: “Logo que partiu, começou a apregoar e a divulgar o
que acontecera”. Agora, predomina a força do testemunho da acção sanadora que o
beneficiou e que não pode calar. Ainda que esquecendo a obrigação de se
apresentar no Templo ao sacerdote e fazer a sua oferta para ter um certificado
oficial de cura. Agora, a graça supera a lei e dá-lhe um novo sentido.
Hoje, celebra-se o Dia Mundial do Doente.
Na sua mensagem, o Papa Francisco afirma que: “Jesus deixou, como dom à Igreja,
o seu poder de curar… Ao dom de Jesus corresponde o dever da Igreja, bem ciente
de que deve pousar, sobre os doentes, o mesmo olhar rico de ternura e compaixão
do seu Senhor. A pastoral da saúde permanece e sempre permanecerá um dever
necessário e essencial, que se há de viver com um ímpeto renovado começando
pelas comunidades paroquiais até aos centros de tratamento de excelência. Não podemos
esquecer aqui a ternura e a perseverança com que muitas famílias acompanham os
seus filhos, pais e parentes, doentes crónicos ou gravemente incapacitados. Os
cuidados prestados em família são um testemunho extraordinário de amor pela
pessoa humana e devem ser apoiados com o reconhecimento devido e políticas
adequadas. Portanto, médicos e enfermeiros, sacerdotes, consagrados e
voluntários, familiares e todos aqueles que se empenham no cuidado dos doentes,
participam nesta missão eclesial. É uma responsabilidade compartilhada, que
enriquece o valor do serviço diário de cada um”. Também o teu. Aprecia e gera
dinamismos de cura.
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