O coração humano alberga e alimenta
desejos genuínos, especialmente a alegria da festa e o encontro com Jesus,
ainda que vagamente figurado. Desejos que afloram mais visivelmente em certas
oportunidades como a celebração da Páscoa e a proximidade de pessoas
disponíveis e acolhedoras. Desejos que abrem “janelas” por onde pode entrar uma
nova luz de esperança e de sentido. Desejos que aspiram a um outro nível de
realização, mediante a passagem vital, tão bem expressa, da semente que germina
no seio da terra, cresce e dá fruto. Esta é a realidade que se configura na
atitude dos gregos que sobem a Jerusalém para a festa e querem ver Jesus,
recorrendo a Filipe e André como mediadores. (Jo 12, 20-33).
O Papa Francisco que, nesta semana completou
cinco anos como bispo de Roma e pastor da Igreja universal, fez aos cristãos as
seguintes perguntas: “Como é o meu desejo? (…) Busco o Senhor? Ou tenho medo,
sou medíocre? (…) Qual é a medida do meu desejo? A migalha ou todo o banquete?”
Imagens fortes que ficam a interpelar-nos e nos convidam a não sermos cristãos
estacionados, acomodados demasiado, a arriscar, a avançar.
O pedido dos peregrinos gregos chega a
Jesus que dá uma resposta “estranha”. E não assume qualquer outra atitude
directa. Faz um anúncio do futuro que se aproxima. Recorre à metáfora do grão
de trigo que, para ser fecundo não pode continuar no celeiro, mas tem de ser
lançado à terra e germinar. Assim, acontece com Ele. “Chegou a hora, diz-lhes,
em que o Filho do homem vai ser glorificado”. E há-de acontecer com os
discípulos, seus servos; connosco, seus amigos. De contrário, ocorre a
esterilidade de uma vida vocacionada a ser fecunda, o definhamento de energias
ressequidas. E triunfa o egoísmo, a acomodação, a mesquinhez e a estreiteza de
horizontes, a indiferença insolidária com o presente e o futuro.
A glória de Jesus brilha no amor de doação
definitva consumada na cruz da morte que antecede a aurora feliz da
ressurreição. Amor tão grande que não apenas assume livremente os episódios do
processo de condenação, mas “inventa” modos originais de ficar connosco,
destacando-se o serviço do lava-pés, a celebração da eucaristia ou ceia do
Senhor. Amor que anima os seus discípulos guiados pelo Espírito Santo e
organizados em Igreja; amor que se faz gestos e atitudes em cada um de nós que
queremos ser fiéis ao seu precioso legado.
Santo Inácio de Antioquia, bispo do século
II, lembra-nos uma verdade interpelante: “Se tu me dizes: «Mostra-me o teu
Deus», eu posso responder-te: «Mostra-me o homem que há em ti, e eu te
mostrarei o meu Deus». Mostra-me, portanto, como vêem os olhos da tua mente e
como ouvem os ouvidos do teu coração. Os que vêem com os olhos do corpo
observam o que se passa nesta vida terrena, e distinguem as diferenças entre a
luz e as trevas, o branco e o preto, o feio e o belo, o disforme e o formoso, o
proporcionado e o desmesurado, o que tem partes a mais e o que é incompleto – e
o mesmo podíamos dizer no que se refere ao sentido do ouvido – os sons agudos,
graves, agradáveis. Assim acontece com os ouvidos do coração e os olhos da
alma, no que diz respeito à visão de Deus”.
Chegou a hora de ver Deus no seu Filho
Jesus. Vê-lo no rumo dos acontecimentos actuais que é preciso discernir; no
rosto humano tantas vezes desfigurado; nas correntes humanitárias que tentam
suavizar os efeitos nefastos de políticas ideologizadas; no testemunho
evangélico de tantos ctistãos e suas comunidades; nas celebrações dominicais,
sobretudo da eucaristia; na piedade popular que desvenda segredos da alma
humana a necessitarem de mais luz evangélica; na leitura orante da Sagrada
Escritura; nos movimentos católicos de intervenção social. Para ver Jesus
ressuscitado é preciso viver a fé integral, recebida e alimentada na Igreja em
missão. Este clima espiritual exige oração pessoal, familiar e comunitária.
Inspirados no episódio dos gregos na festa
da Páscoa, em Jerusalém, podemos rezar: Faz, Senhor, que os teus discípulos
reconheçam o teu rosto no rosto dos pobres; dá olhos para ver os caminhos da
justiça e da solidariedade; dá ouvidos para escutar os pedidos de salvação e
saúde. Enriquece os nossos corações de fidelidade generosa e criativa para que
nos façamos companheiros de caminhada e testemunhas verdadeiras e sinceras da
glória que esplandece no Crucificado, morto, ressuscitado, glorioso. (A. Della
Costa).
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