segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Entrevista do Bastonário da Ordem dos Advogados da Guiné-Bissau a revista internacional “La Lettre Diplomatique


Entrevista do Bastonário da Ordem dos Advogados da Guiné-Bissau a revista internacional “La Lettre Diplomatique” – n.º 102, pp.:156-157 (2013).

LEAD:
“O processo de normalização da situação política tem evoluído de forma positiva, como testemunham os avanços registados até a data. A aprovação de instrumentos jurídicos (o pacto de regime e os acordos sobre a transição) pela Assembleia Nacional Popular (ANP), a nomeação dos membros da Comissão Nacional para as Eleições (CNE) e a própria fixação, por unanime, da data de 24 novembro do ano em curso, são sinais que testemunham essa confirmação”.

“A luta contra a droga requere implementação de uma estratégia global e transnacional. Isto, porque este flagelo refere a vários países de diferentes comunidades, regionais e continentes”.

“A reforma do sector de defesa e segurança deve ser encarada de forma holística, considerando outros sectores que também são importantes no processo global de reconstrução do país, disso o exemplo da Administração Pública e, sobretudo, da Justiça afim de melhor combater a impunidade, a corrupção e outras práticas indesejáveis e imorais que têm abafado o progresso do nosso país”.

“Portugal foi parceiro estratégico e privilegiado da Guiné-Bissau, e, penso que há boas razões para que essa parceria se continue, tanto a nível bilateral (entre os dois países) como a nível do exercício de magistratura de influências, que Portugal poderá fazer, no quadro das relações multilaterais (CPLP, UE e ONU) ”.

“A valoração dos recursos mineiros e/ou outros deve ter por consequência impulsionar a economia da Guiné-Bissau, e, por conseguinte, qualquer que seja exploração de recursos mineiros do país deve fazer com que os guineenses se sintam parte integrantes desta exploração”.
  
Corpo da entrevista:

Questão 1 - Senhor Bastonário, após o golpe de Estado de 12 de Abril 2012, iniciou-se um processo de transição política, na Guiné-Bissau, que deverá terminar com as eleições gerais em Novembro de 2013. Pois, o Presidente de Transição Manuel Serifo Nhamadjo nomeou um novo governo de transição, em início de junho, qual é a sua visão sobre o processo de normalização da situação política do país? Como analisa as dificuldades reencontradas para formar uma nova equipa governamental?

Resposta - O processo de normalização da situação política tem evoluído de forma positiva, como testemunham os avanços registados até a data. A aprovação de instrumentos jurídicos (o pacto de regime e os acordos sobre a transição) pela Assembleia Nacional Popular (ANP), a nomeação dos membros da Comissão Nacional para as Eleições (CNE) e a própria fixação, por unanime, da data de 24 novembro do ano em curso, são sinais que testemunham essa confirmação. A meu ver, as dificuldades encontradas na formação da (nova) equipa governamental são normais destes processos de retoma, o contrário seria patológico, uma vez que, após um golpe de Estado, é impensável a convergência total das diferentes sensibilidades do país que representam o aparelho do Estado.

Questão 2 - Ao longo da última década, a instabilidade política criou condições que fazem da Guiné-Bissau uma plataforma de trânsito de tráfico de droga. Qual é sua visão sobre os desafios da luta contra o fenómeno ? Quais orientações o Bastonário daria na reconstrução dos fundamentos de um Estado de Direito?

Resposta  – Na minha visão, a luta contra a droga requere implementação de uma estratégia global e transnacional. Isto, porque, estamos perante um flagelo de linha transversal a vários países de diferentes regiões comunidades, regiões e continentes. Em relação a construção de um Estado de Direito, é preciso criar condições de realização de uma justiça real, no sentido rigoroso do termo, para todos os guineenses, sem se esquecer da redistribuição equitável dos próprios recursos do país.

Questão 3 - A detenção, em Abri último, do Contra-Almirante Bubo na Tchuto, antigo chefe de Estado-maior da Marinha, pela Agencia Americana Antidroga (DEA), agitou as forças aramadas guineenses. Como considera a forma como essa operação foi levada a cabo? Por exemplo, segundo os Estados Unidos de América, há implicações do General António Indjai, Chefe de Estado Maior das Forças Armadas, ao tráfico de drogas? Por outro lado, neste contexto, que avaliação faz de “les enjeux” da deforma do sector de defesa e segurança?

Resposta - Enquanto Bastonário da Ordem dos Advogados da Guiné-Bissau, considero importante que haja respeito, neste caso concreto, aos princípios de direito, da presunção da inocência, das démarches processuais de textos, do próprio espirito da lei e dos processos penais. Porém, como cidadão, gostaria que houvesse uma franca colaboração entre as autoridades competentes dos dois países (que se viram envolvidos) para que se pudesse descobrir a verdade dos factos.

No que respeita a reforma do sector da defesa e segurança, gostaria que a reforma fosse feita na Guiné-Bissau de forma holística, considerando outros sectores que também são importantes no processo global de reconstrução do país, disso o exemplo da Administração Pública e, sobretudo, da Justiça afim de melhor combater a impunidade, a corrupção e outras práticas indesejáveis e imorais que têm abafado o progresso do nosso país.

Questão 4 - Em novembro de 2012, a Comunidade Económica dos Estados da Africa Ocidental (CEDEAO) concedeu 63 de milhões de dólares para apoiar a reforma dos sectores da defesa e segurança. Para além do aspecto financeiro, que considerações sobre o papel da CEDEAO na Guiné-Bissau ? Tendo em conta a posição geográfica da Guiné-Bissau, no coração do espaço francófono, qual deveria ser, na sua opinião, as prioridades da integração regional, tanto a nível da CEDEAO, onde é membro fundador, como a nível da UEMOA? Por outro lado, em que medida a pertença à organização internacional da francofonia (OIF) poderá favorecer uma maior abertura ao ambiente regional?

Resposta  – É importante relembrar que, para além da partilha comum das fronteiras, com os dois países francófonos (n.d. Senegal e Guiné-Conacri), a Guiné-Bissau partilha uma grande parte do seu ninho cultural com os mesmos. Ligações embrenhadas e consolidadas ao longo da história que a CEDEAO, apenas, veio consolidar os aspectos económicos. Disso, o exemplo dos Dioulé que vieram de Kaabu. No aspecto político, a CEDEAO está a jogar o seu papel de garantir a estabilidade dos seus países membros. Porque, na verdade, como devem saber, a instabilidade da Guiné-Bissau afecta, sem dúvida, os países e os interesses da comunidade.

Naturalmente, para além dos aspectos económicos, uma das prioridades da integração regional da Guiné-Bissau é a harmonização de curricula escolar, respeitando as vantagens das diretivas regionais e, por ouro lado, a abertura à língua francesa, como uma das mais faladas no mundo e na sub-região, mas conservando a sua identidade, enquanto país lusófono. Há que trabalhar para que esta pluralidade (linguística e cultural) represente uma mais-valia para o país e para as comunidades sub-regionais as quais fazemos parte (n.d. CEDEAO, UEMOA, CPLP, OIF).

Questão 5 - A Guiné-Bissau celebra, em 2013, os seus 40 anos de independência. Que balanço faz das relações do seu país com Portugal ? Que iniciativas seriam importantes a ter em conta a fim de serenar as “tensões” actuais entre os dois países? Para além disso, que expectativas o Bastonário tem da Comunidade dos Países da Língua Portuguesa (CPLP)?

Resposta - Portugal foi parceiro estratégico e privilegiado da Guiné-Bissau, e, penso que há boas razões para que essa parceria se continue, tanto a nível bilateral (entre os dois países) como a nível do exercício de magistratura de influências, que Portugal poderá fazer, no quadro das relações multilaterais (CPLP, UE e ONU). Na verdade, trata-se de um país o qual partilhamos a mesma língua oficial, e as nossas relações históricas foram implantadas durante vários séculos de vida comum.

Questão 6 - Dotado de importantes recursos mineiros, sobretudo bauxite e fosfato, o seu país poderá conhecer um novo impulso graça a valorização destes recursos. Considerando igualmente a continuidade de estudos de prospeção no sector petrolífero, que efeito de valoração, desses recursos mineiros, poder-se-á reproduzir na economia dos guineenses? Que análise faz das divergências sobre a exploração mineral de bauxite de Boé?

Resposta  – Em primeiro lugar, a valoração dos recursos mineiros e/ou outros deve ter por consequência impulsionar a economia da Guiné-Bissau, e, por conseguinte, qualquer que seja exploração de recursos mineiros do país deve fazer com que os guineenses se sintam parte integrantes desta exploração. Quero com isto dizer beneficiários. Assim, o Estado deve preocupar-se em instaurar mecanismos legais para garantir que a redistribuição dos resultados da exploração destes recursos seja justa e equitável para os guineenses.

Questão 7 - Essencialmente agrícola, a economia guineense viu o crescimento do seu produto interno bruto (PIB) baixar para 1,5% em 2012, contra 5,3% em 2011, uma das fortes razões tem a ver com a baixa da procura da castanha de cajú. Pelo seu conhecimento, nesta área, que etapas de emergência de uma indústria agroalimentar? À imagem da pesca e do turismo, que sectores de actividades são propícios a diversificação da economia nacional? E, nesta perspectiva quais devem ser, na sua opinião, as prioridades do governo guineense em matéria da educação e formação profissional?

Resposta  – A educação em geral e a formação profissional constituem sectores e subsectores pilares de desenvolvimento de qualquer sociedade, sobretudo as modernas. A valorização dos sectores de agricultura, turismo e/ou pesca, deve passar forçosamente pela priorização do governo a formação do capital humano, sobretudo, a nível da formação (tecno) profissional. Para que isso aconteça, é indispensável a elaboração de um plano de desenvolvimento nacional claro, operacional e exequível, que possa ser posta em prática e avaliado sazonalmente com todo o rigor possível.

Questão 8 - A “descolagem” da economia guineense ainda está condicionada a falta das infraestruturas de transportes, de logísticas e da energia. Que esforços devem ser encarrados pelo seu país para dar confiança ao ambiente de negócios e atrair o investimento estrangeiro ? Enquanto a Organização para a Harmonização em Africa dos Direito de Negócios (OHADA) celebra o vigésimo aniversário em 2012, que balanço faz dos proveitos da cooperação com esta instituição? 

Resposta  – Naturalmente que, qualquer que seja descolagem económica depende, em grande parte, da performance das infraestruturas de transportes e da própria energia eléctrica. O nosso país não foge a regra. Por conseguinte, estamos obrigados a desenvolver infraestruturas rodoviárias para permitir mobilidades mais penetrantes em todo o país e ligações com os países vizinhos, através de vias rodoviárias, marítimas e aéreas. Por outro lado, devemos resolver o problema da energia eléctrica, e impulsionar dinâmicas de empreendorismo e de pequenas indústrias, mas de forma ecológica, respeitando sempre as preocupações ambientais e o bem-estar das nossas populações.  

A OHADA trouxe-nos novas perspectivas, um novo folego para a organização e estruturação da economia guineense, através de garantias fiáveis de todo um conjunto de medidas estruturadas de forma legal e jurídica. A título de exemplo, temos hoje um Tribunal de Comércio que funciona em base das regras estabelecidas pela OHADA.

Questão 9 - A semelhança do que já se fez, a assinatura de Maio de 2013, sobre a construção de um Palácio de Justiça, mostra que a China consolidou sua presença económica na Guiné-Bissau. Que novas oportunidades de desenvolvimento que essa parceria oferece ao país ? Que outros países emergentes seriam desejáveis para a cooperação internacional? Por outro lado, em que sector (de actividades) as trocas económicas com a união europeia e mais precisamente a França poderiam ser intensificadas?

Resposta - Esta questão é mais política que jurídica, no entanto posso dar o meu ponto de vista: a China, ao longo dos tempos, está a impor-se como um dos grandes parceiros de desenvolvimento em África e, em particular, na Guiné-Bissau. Mas, naturalmente, isso não significa que a China representa a exclusividade em matéria de cooperação. É um país emergente e aberto, consequência de uma abertura, do respeito e da reciprocidade mútuos. No entanto, o governo guineense deve, num futuro próximo, estar em condições de apreciar as reciprocidades que advêm dos acordos a assinar, de saber apreciar e selecionar países amigos e organizações que pretendem estabelecer cooperações frutuosas, respeitando os seus interesses.


1 comentário :

  1. Nanikins Suchinsuch This post is very easy for me to understand with the question and response. Very well done. Now I can put things in perspective in my head. Thank You.

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