Marcelino Sambé nasceu no dia mundial da dança e,
coincidência ou não, o português com raízes guineenses revelou-se como
menino-prodígio do ballet. Agora, está numa das companhias mais famosas do
mundo.
É sábado. Estão nove graus em Londres. Passa pouco
das oito horas da manhã e uma dezena de pessoas já faz fila à porta da Royal
Opera House, em Covent Garden.
Uns conversam, outros ouvem música pelos
auscultadores. Um pai trouxe consigo a filha pequena e bebem cacau quente à
vez. Têm de esperar duas horas ao frio até à abertura das bilheteiras para
comprar os últimos ingressos para o espetáculo de ballet Giselle.
Marcelino Sambé atua no espetáculo. Não tem um dos
papéis principais, mas já é solista. O português, filho de pai guineense e mãe
portuguesa, tem 20 anos e está desde 2012 no Royal Ballet, uma das companhias
de ballet mais prestigiadas do mundo.
"Eu tinha dúvidas de poder entrar na companhia
por ser tão diferente", conta. "Os meus colegas são todos muito
altos, muito longos, muito louros e de olhos azuis… E depois estou aqui eu,
completamente diferente."
De pequenino…
Marcelino Sambé começou a dançar por volta dos seis
anos num centro comunitário, nos arredores da capital portuguesa, Lisboa. Na
altura, não foi logo ter aulas de ballet. Foi para um grupo de danças
africanas.
"Em casa ouvíamos funaná, kizomba, havia uma
forte influência na família", diz Marcelino.
Entretanto, abriu um centro comunitário ao pé de sua
casa. "Lembro-me de ir um lá um dia, ouvir música e ver imensas raparigas
no topo do edifício a dançar, todas alegres. E eu depois perguntei se também
podia. Comecei a dançar. Até me tornei numa espécie de mascote do grupo, porque
eu era o único rapaz, muito pequenino."
Ao ver Marcelino, a psicóloga do centro comunitário
sugeriu-lhe que fosse a uma audição na escola de dança. Marcelino tinha nove
anos quando entrou para o Conservatório. Passo a passo, todos os olhos se foram
voltando para ele. Ganhou vários prémios internacionais de ballet. Ficou famoso
em Portugal, aparecendo volta e meia nos jornais e na televisão.
Por trás do sucesso
Mas quando está a ensaiar na barra de dança, antes
de subir ao palco para uma competição ou um espetáculo, há muito suor e muita
dor, diz Marcelino. Uma dor com que, muitas vezes, o bailarino tem de lidar
sozinho, em Londres. A sua família continua em Portugal.
"Há dias em que olho para o espelho e está tudo
mal", confessa.
"Acho as minhas coxas enormes, os meus pés
enormes, o meu pescoço larguíssimo. Imagina estares despido, com uns collants e
umas sapatilhas, e teres que olhar para o teu corpo nesse dia em que te estás a
sentir bastante mal. Além disso, as lesões são o pior para um bailarino, porque
temos de ficar sentados a ver os outros conseguir fazer coisas que talvez nós
também conseguíssemos fazer."
Marcelino nunca visitou o país do pai, a
Guiné-Bissau. Gostava de lá ir. Ainda assim, os ritmos africanos pulsam dentro
de si. Tanto que, um dia, quando estava na escola do Royal Ballet, chegou a
pedir aos colegas para descalçarem as sapatilhas de bailarino e tentarem algo
novo.
"A coreografia foi toda baseada em movimentos
africanos e foi a coreografia com que eu tive mais sucesso até hoje. Porque foi
tão natural, tão espontâneo", recorda. "Cheguei ao estúdio e disse:
'Esqueçam as posições do ballet e a elegância, vamos descalçar os pés.' Foi um
instinto que eu queria libertar."
Dançar ballet, sem esquecer os ritmos africanos, é
algo que Marcelino quer continuar a aperfeiçoar. No Royal Ballet, em Londres.
Ouvir aqui»»
Ouvir aqui»»
Sem comentários :
Enviar um comentário
COMENTÁRIOS
Atenção: este é um espaço público e moderado. Não forneça os seus dados pessoais (como telefone ou morada) nem utilize linguagem imprópria.