quarta-feira, 22 de outubro de 2014

CEM DIAS DE POPULISMO?



Por, Jorge Herbert

Já que se tornou moda rever os cem dias de governação do novo governo constitucional guineense, não quis deixar também de fazer a minha análise do que mais me preocupa desses ditos cem dias.

Antes de mais, quero deixar aqui o reforço do meu apoio a este governo, “apesar dos pesares”!

Não queria limitar-me apenas ao desempenho do governo, aproveitando também para comentar os actos da presidência da república.

Não vou perder tempo em realçar os feitos positivos dos nossos representantes do Estado nesses cem dias, porque são naturalmente escassos, conforme seria de esperar. Em cem dias de governação, herdando um país delapidado e completamente desestruturado por um poder corrupto e opressor, estes executores do poder nada mais poderiam ter feito em cem dias de governação, do que aquilo que, bem ou mal, têm feito, que é a tentativa de reestruturação do aparelho do estado, sempre na procura do consenso nacional, factor aglutinador necessário à mobilização de esforços para fazer arrancar o país e retirá-lo do lodaçal em que outros actores nos meteram nessas quatro décadas da nossa independência.

Acho curioso a facilidade com que o próprio governo guineense aderiu ao tão badalado “cem dias da governação”, tendo inclusive feito um retiro para balanço desses cem dias! Era bom dar a conhecer ao país quais foram os resultados dessa reflexão.

Conforme dizia, não elencarei os factos positivos dos nossos representantes recém-eleitos, nem me preocupam os consensos conseguidos no arco da governação. Tem-me preocupado sim, a clara propensão de alguns governantes e do presidente da república para atos populistas e o silêncio da oposição, face a esses atos.

Começo por referir a primeira medida populista anunciada pelo presidente da república, que foi a questão da quota étnica na composição do batalhão presidencial. Foi a primeira incursão populista de JOMAV e uma clara manifestação dos seus receios pessoais. Quis agradar “a gregos e troianos”, todos eles com grandes preocupações com cunho étnico, passando por cima dos interesses nacionais. JOMAV deixou claro que, para agradar a alguns, não pretende reestruturar as nossas forças armadas com base na meritocracia, mas sim com base num critério perigoso, que é o cunho étnico das forças armadas! Estou mesmo a ver a preterirem um elemento de uma determinada etnia (seja ele balanta, papel, fula, mandinga ou outra), competente para as funções propostas, em prol de um elemento de uma outra etnia, apenas porque já lá constam outros elementos da mesma etnia que preenchem o número das vagas atribuídas à sua etnia! Isso é de uma figura que se pretende aglutinador?! É deveras preocupante!

A segunda estopada populista de JOMAV, que arrastou com ele o governo, foi fazer acreditar a um povo revoltado e farto das asneiras do Ex-CEMGFA (António Indjai), que este foi demitido por um decreto presidencial, sob a proposta do governo!

Alguém acredita que António Indjai aceitou sair dessa forma, sem um prévio e tácito acordo que lhe garantia condições financeiras e de segurança, que lhe permite a continuação de uma vida regalada? Arrisco a afirmar que Indjai até teve uma palavra a dizer na escolha do seu substituto…


O presidente, o primeiro-ministro e os guineenses em geral podem aguardar para um eventual regresso do criminoso Indjai à cena pública nacional, bastando-lhe começar a sentir falta dos meios financeiros e de segurança que ele exigiu para a sua retirada estratégica…

Para mim, o ato populista de JOMAV que considero mais grave, foi ter feito uso indevido do indulto pessoal, sob a capa da reconciliação nacional, para satisfazer algumas exigências do acordo a que teve de se submeter com as antigas chefias militares, libertando alguns prisioneiros militares, entre os quais Pansau Intchama, sem qualquer julgamento, esclarecimento ou arrependimento dos crimes de que eram acusados! Julgo que não restam dúvidas que o indulto presidencial foi abusivamente e levianamente usado nestes casos! Ninguém conheceu o veredicto de culpados, inocentes ou arrependidos, a gravidade dos crimes e eventuais consequências das suas libertações, mas o presidente da república decide indultá-los, em nome de uma pretensa reconciliação nacional que aparentemente interessa mais a alguns militares que a sociedade civil propriamente dita.

Também não podemos deixar de preocupar-nos com o facto da escolha do novo CEMGFA não se incidir apenas na capacidade técnico-militar e de liderança do escolhido, mas também teve a preocupação ou imposição étnica!

A “cereja sobre o bolo” populista de JOMAV foi o seu discurso na tomada de posse do novo Procurador-Geral da República. Ninguém pode negar a veracidade dos factos aí apontados, mas penso que é de senso comum que nem o local, nem a forma como foi feita, foram os mais apropriados! JOMAV esqueceu-se que esses atores judiciais (outro braço do poder do estado) que estava a humilhar publicamente, são aqueles com quem vai ter de trabalhar para o resto do seu mandato! A não ser que JOMAV tenha dado claras indicações ao novo PGR, no sentido de reformular completamente o aparelho judicial, despedindo os tais corruptos que ele denunciou, nomeando novos juízes (o que acho que o país não tem em número suficiente), ou contribuiu mesmo para um óbvio mal-estar institucional entre dois órgãos do poder, a presidência e o poder judicial.

Basta que os juízes afetados com esse discurso quererem tornar-se em “grãos de areia” na engrenagem do aparelho judicial, para que todo o país se ressinta…

Incidindo agora sobre os atos populistas da governação, queria começar por esclarecer a origem e o significado das palavras governo e ministro.

Governo é entendido como a instância máxima de um dos poderes do estado que é o poder executivo. É aquele que orienta a administração executiva. O ministro é um membro executivo desse poder, ou seja, o poder intermediário que executa as políticas definidas pelo poder executivo. E, executar as orientações do poder executivo é organizar e coordenar os recursos financeiros, humanos e materiais disponíveis para o cumprimento das linhas de orientação do poder executivo, ou até tentar criar esses recursos. O Primeiro-Ministro é aquele que chefia ou coordena o poder executivo.

Não me conforta absolutamente nada ver um Primeiro-Ministro a ter que ir apanhar lixo público, para poder mobilizar a população a fazê-lo. Compete ao primeiro-ministro organizar os recursos disponíveis ou tentar angariá-los, para se conseguir o propósito a que o poder executivo se propõe e não servir-se do elemento que devia ser pago para executar essas funções.

A humildade em excesso, principalmente quando vem do poder, pode tornar-se facilmente em demagogia populista. Isso é ainda mais notório, quando o próprio Primeiro-ministro não criou condições para que o lixo “arrumado” fosse devida e atempadamente removido e condicionado…

Tinha piada ver um dia o primeiro-ministro português, Passos Coelho, pendurado num carro de lixo, a recolher o lixo das portas das nossas casas, para mobilizar a população a fazer isso, de forma voluntária, atendendo à crise económica que Portugal enfrenta!

Não me deixa nada confortável ver uma Ministra da Saúde guineense ter como a sua primeira preocupação, na sua intervenção pública, a limpeza e higienização do Hospital Nacional Simão Mendes, quando tem imensa matéria na área da saúde pública para definir a sua política, muito mais quando o vírus Ébola já estava a emergir nos países vizinhos!

Se a Sra. Ministra da Saúde definir políticas claras e nomear executores competentes, de certeza deixará de se preocupar com a higienização das instituições sanitárias, dedicando-se a medidas que possam influenciar a evolução dos índices estatísticos em relação às políticas de saúde por ela definidas, o que já não é pouco e para qual é paga…

A propósito, era importante que a nossa Ministra da Saúde nos explicasse com pormenor, qual o plano traçado em conjunto com as autoridades portuguesas que visitaram a Guiné-Bissau há dias. Será que o adiamento da retoma dos voos da TAP têm a ver com esse plano a ser delineado em conjunto com as autoridades sanitárias portuguesas?

Da mesma forma que me preocupa ver um Primeiro-ministro a apanhar lixo público e a Ministra da Saúde a tratar da limpeza do hospital, preocupa-me sobremaneira ver o Ministro da Administração Interna atrás do gado roubado!

Isso pode significar apenas que os dossiers da governação desses executivos encontram-se esvaziados de matéria relacionados com a governabilidade.

Para o cúmulo do populismo, vemos o Secretário de Estado da Cooperação Internacional e das Comunidades utilizar a comunicação social para denunciar esquemas de corrupção na nossa Embaixada em Portugal.

Segundo consta, o próprio Secretário de Estado em questão tem pouca reserva moral para denunciar corrupções onde quer que seja! Em todo o caso, o local mais apropriado para fazer esses reparos, é no gabinete do Ministro dos Negócios Estrangeiros e também num conselho de ministros, a fim de se delinear politicas para a eliminação desses atos de corrupção…

Falando da reserva e da autoridade moral, estranha-me sobremaneira que o Primeiro-Ministro continue a manter inquinado a sua governação com um ministro publicamente acusado de usurpação dos bens do estado, sem um claro e inequívoco esclarecimento do assunto! Limitou-se apenas a reforçar, de forma tímida, a confiança no tal ministro, quando o próprio DSP sabe tanto quanto o povo que, bens do estado encontrados em propriedade privada, sem um documento oficial a indicar essa mobilização e armazenamento, é considerado em qualquer parte do mundo de roubo, furto ou usurpação de um bem do estado!

Manter um ministro com “carimbo” de ladrão, sem devido esclarecimento público desse roubo, é “dar tiros no próprio pé”. É esvaziar o governo e o próprio ministro da autoridade moral para perseguir e penalizar, de forma séria, outros casos que poderão surgir na administração da coisa pública…

E se o Ministro da Administração Interna dedicasse mais sobre ministros ladrões do que o roubo de gado?

Mais que o consenso político na votação do Orçamento de Estado, preocupa-me sim e sobremaneira o silêncio dos líderes partidários que constituem a oposição política guineense, relativamente a esses atos da Presidência e do Governo da República.

O país e o povo está muito esperançado nesses atores políticos, por isso, era importante que mantivessem algum rigor na gestão da coisa pública e na comunicação com o país, para não fazerem desmoronar o enorme castelo de confiança que o povo guineense construiu à volta deles.

Pessoalmente continuo a acreditar neste governo e tenho esperanças que as críticas que aqui fiz, são apenas situações passageiras, que qualquer governo no início das suas funções poderia cometer e a seguir corrigir de imediato.

Mais grave que errar é persistir nos erros, tomando o povo como burro ou amnésico…

Pela Guiné-Bissau e para a Guiné-Bissau.

Sem comentários :

Enviar um comentário


COMENTÁRIOS
Atenção: este é um espaço público e moderado. Não forneça os seus dados pessoais (como telefone ou morada) nem utilize linguagem imprópria.