segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Papa pede à Igreja que "vença os medos diante das surpresas de Deus


A Igreja, defendeu Francisco no fim do Sínodo, “tem de responder corajosamente a quaisquer desafios”. Descrevendo o encontro como uma “grande experiência”, sublinhou que os participantes puderam falar de uma forma “verdadeiramente livre”.

Na missa em que beatificou Paulo VI, domingo de manhã, Francisco quis homenagear o sínodo da família no Concílio Vaticano II e convidou todos a “vencer o medo diante das surpresas de Deus”, dedicando as suas orações a essa necessidade.

Na cerimónia que assinalava o fim do primeiro Sínodo dos Bispos sobre a Família por si marcado, o argentino lembrou as palavras de Paulo XI quando estabeleceu o sínodo de bispos: “Analisando cuidadosamente os sinais dos tempos, estamos a fazer todos os esforços para adaptarmos costumes e métodos às necessidades crescentes da nossa época e às condições em mudança na sociedade”.

“Deus conduz-nos por caminhos imprevistos”, afirmou o Papa, no final de um debate aceso onde a sua defesa de uma maior abertura da Igreja face ao divórcio, à homossexualidade ou às uniões de facto mostraram ser maioritárias mas não alcançaram os dois terços necessários para aprovação. Ainda assim, a seu pedido, mantiveram-se no documento final do sínodo (sob a indicação “não aprovados formalmente”).

“Deus não tem medo das coisas novas. Por isso é que nos está constantemente a surpreender, a abrir os nossos corações e a guiar-nos por caminhos inesperados”, afirmara Francisco quando encerrou o encontro, no sábado à noite. A Igreja, defendeu, “tem de responder corajosamente a quaisquer desafios”. Antes, pedira aos cerca de 200 bispos para terem cuidado com a “rigidez hostil” dos conservadores da doutrina, mas também com a “boa vontade destrutiva” dos que querem mudar tudo a qualquer custo.

Descrevendo o sínodo como uma “grande experiência”, o Papa argentino sublinhou que os participantes puderam falar de uma forma “verdadeiramente livre e com uma criatividade humilde”. Na abertura no encontro, Francisco pedira aos participantes para falarem com franqueza; no fim, disse-lhes que teria ficado “preocupado e entristecido” se isso não tivesse acontecido”.

“Nunca vi um sínodo tão interessante, tão aberto e que tenha captado tanta atenção”, escreve no seu blogue Andrés Beltramo Álvarez, vaticanista argentino. Beltramo recusa que o mediatismo se deva apenas aos pontos polémicos. O que aqui houve de diferente, nota foi “o debate animado e vivo, de condição irrenunciável a uma verdadeira assembleia sinodal, característica intrínseca de uma discussão real, nem falseada nem preconcebida”. “Tal como queria o Papa”.

No início da segunda semana do sínodo, a divulgação das primeiras comunicações desencadeou uma acesa e pública polémica, com bispos mais conservadores a criticarem de forma aberta o Papa, algo de uma raridade extrema. O interesse que o sínodo gerou, insiste Beltramo, vem daí, da possibilidade que todos tiveram para expressar em público as suas divergências, “opiniões até contraditórias, que geraram ‘curto-circuitos’ e até divisões”.

Mudança pastoral
Dos três artigos que não conseguiram a maioria de dois terços, dois são sobre o acolhimento dos homossexuais na Igreja (na versão inicial lia-se que “as pessoas homossexuais têm dons e qualidades para oferecer à comunidade cristã” e aceitava-se que “o apoio mútuo de algumas uniões [homossexuais] constitui um suporte valioso para a vida dos casais”; outro sobre a possibilidade de os divorciados e recasados poderem aceder à comunhão (Francisco casou recentemente divorciados em São Pedro).

Francisco reformulou o método de funcionamento destes encontros, que passaram a realizar-se em duas partes, permitindo que sejam acompanhados de um debate a nível local, nas paróquias. “O Papa colocou claramente a Igreja num novo caminho, na direcção de um estilo de evangelização menos focado na doutrina e mais disposto a convidar as pessoas a entrar, independentemente do seu estatuto”, escreve no seu blogue John Thavis, autor do livro Os Diários do Vaticano.

Os votos foram 62 pontos, todos aprovados por maioria simples, mais de 100 votos a favor entre os 183 padres sinodais com direito a voto. Só os três referidos não alcançaram os dois terços necessários.

“Com o sínodo, não se deve esperar uma mudança doutrinal da Igreja mas pastoral”, antecipa o cardeal canadiano Marc Ouellet, actual prefeito da Congregação dos Bispos. Certo é que o texto agora aprovado – Beltrano chama “jogada magistral” à decisão do Papa se incluir mesmo os pontos não aprovados – é um documento de trabalho, ponto de partida para o sínodo de Outubro de 2015. Aqui se confirma que a discussão existe e é acesa. O facto de todos o saberem já muda muito.

//Publico

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