segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Desafios e oportunidades do III fórum Índia-África: estados africanos e potências do sul

Por, Dr. Timóteo Saba M’bunde

As lideranças governamentais africanas, a convite das autoridades políticas indianas, estiveram reunidas nos últimos dias com a elite política dirigente do segundo país mais populoso do mundo e a maior democracia do planeta. A cimeira de Nova Deli corresponde ao III Fórum Índia-África, tendo sido realizados os primeiros dois encontros em 2008 e 2011, em Nova Deli e Adis Abeba, respectivamente. Diferentemente das duas primeiras reuniões, cujos convidados foram somente 14 e 15 países africanos, respectivamente, escolhidos pela União Áfricana, o terceiro encontro de mais alto nível entre a República da Índia e os Estados africanos albergou mais de 40 chefes de Estados e governos africanos. A Índia define sua aproximação à África como desejo de busca pelo desenvolvimento mútuo, baseado nas relações históricas de amizade e cooperação que caracterizam os Estados africanos e a Índia desde o encontro de Bandung, em 1955.

Tal discurso indiano de solidariedade entre os povos e amizade entre as ex-colónias e países em desenvolvimento é o tradicional sotaque que caracteriza os países do eixo Sul, mas que reflete muito pouco daquilo que realmente está em jogo. Penso que, de fato, existe uma irrefutável dimensão de solidariedade produzida pela história que tende a favorecer a relação da Índia, da China ou do Brasil com os países africanos (Conferência de Bandung, G77, CPLP, etc.), contudo, é simplório e reducionista falar em relações Sul-Sul sem apontar a dimensão material como a mais relevante para os atores envolvidos. Portanto, essa ampliação de fórum de relações bilaterais entre a Índia e praticamente todos os países africanos constitui um histórico anúncio formal de engajamento político-econômico indiano que pretende atravessar toda a África e que tende a fortalecer a competitividade indiana na região. Ademais, o III Fórum Índia-África representa uma oportunidade e ao mesmo tempo um desafio para os Estados africanos, entre os quais a Guiné-Bissau, que foi representada ao mais alto nível pelo Presidente José Mário Vaz.

É insofismável que a Índia não é de hoje, ao lado da China e do Brasil, uma das principais “emergentes” parceiras de cooperação e comércio da África, todavia, a sua abordagem econômica-comercial no continente, diferentemente a de China, vinha sendo seletiva, direcionada mais a uma média de 15 ou 16 países, com destaque para a África do Sul (sua maior parceira comercial africana), Nigéria, Angola, Egito, Argélia, Sudão, Tanzânia, entre outros. Inspirado no modelo de FOCAC (Fórum de Cooperação China-África, articulado pela China e iniciado em 2000, ocorre em cada três anos), o Fórum Índia-África que terminou no último dia 30 de outubro deste ano, sob o tema “Parceiros no Progresso: no Caminho Para Uma Agenda de Desenvolvimento Dinâmica e Transformadora”, indica que o governo indiano, chefiado pelo politólogo Narendra Modi do partido nacionalista Bharatiya Janata, eleito em 2014, esboça aumentar a presença política e econômica da Índia na África. O figurino institucional que caracteriza esse III Fórum assinala que essa potência da Ásia do Sul adota e estende o bilateralismo como o principal canal para a sua inserção em todos os contextos africanos.

Antes de lançar luz sobre as oportunidades e os desafios que o III Fórum Índia-África representa para os Estados africanos, convém registrar que países como o Brasil e em alguma medida a África do Sul (a maior investidora local), mas principalmente a China, não estarão totalmente acomodados com essa iniciativa. Entretanto, curiosa e paradoxalmente o FOCAC serviu de inspiração para a articulação da parceria afro-indiana nos moldes do III Fórum. Por outro lado, penso que é discutível dizer o mesmo em relação à ASA (Cúpula América do Sul-África), a qual foi articulada pelo Brasil e Nigéria e era para ser “Cúpula Brasil-África”, mas o Brasil resolveu convidar seus pares da região sul-americana. Acredito que, em termos estratégicos, o comportamento brasileiro de inter-regionalização de uma relação que poderia ser bilateral tem suas vantagens e desvantagens, o que não constitui objeto da nossa presente análise.

São muitos os autores que já falavam em competição sino-indiana (especialmente suas empresas públicas e privadas) e alguns apontam (pelo menos insinuam) existência, embora em menor grau, de uma corrida sino-brasileira pelos recursos no continente africano. Todavia, empiricamente há mais elementos (muitas semelhanças nos padrões de abordagem e o volume de seus investimentos na região) para se falar em disputa sino-indiana na região. O porta-voz do Ministério de Relações Exteriores da China, em reação a esse III Fórum de Nova Deli, declarou aos jornalistas que a III cimeira entre a Índia e os chefes de Estados e governos africanos não representa instauração de relação de competitividade sino-indiana na África. A declaração de Lu Kang não passa de um pronunciamento diplomático, pois, no meu ponto de vista já existia competividade entre China e Índia na região e agora ela tende a ser crescente. Embora a China seja a principal parceira comercial dos países africanos, os números da Índia não são modestos e estão muito longe de não constituir um alerta ao país da Ásia oriental. No ano passado, 2014, o comércio entre a Índia e África atingiu US$ 77 bilhões, ainda distantes dos US$ 222 bilhões do comércio sino-africano no mesmo ano, mas são significativos.

Somado a isso, vê-se que o aumento de investimentos públicos e privados indianos na região tem sido acompanhado por um crescente número de emigrantes indianos para a África. Esse fenômeno se deve significativamente ao promissor (já vem se tornando uma realidade) mercado africano, onde comerciantes e empreendedores indianos conseguem se instalar e investir. Lembra-se que na atual conjuntura econômica internacional, enquanto a Índia cresce a China sofre revés econômico.

Penso que a assertiva inserção econômica e política indiana na África – as autoridades indianas falam em “uma nova era nas relações afro-indianas” – permitirá que os países africanos, especialmente aqueles que não contavam com frequentes investimentos e recorrente cooperação desse país asiático, estabelecer relações de cooperação com a Índia em mais diversas áreas. A Índia é uma grande compradora de petróleo, ouro e outros minérios africanos, fato que explica o seu elevado grau de relações comerciais com Estados como Sudão, África do Sul, Nigéria, Argélia, Líbia, entre outros. Todavia, ela é também uma importante parceira de cooperação nas áreas de agricultura, segurança alimentar, saúde, educação, ciência e tecnologia, indústria, infraestrutura e serviços.

A disponibilidade do governo indiano em ampliar e aprofundar cooperação com seus homólogos africanos foi manifestada pelo Primeiro-Ministro Modi durante esse III encontro e já colocou à disposição dos governos africanos um pacote inicial de US$ 10 bilhões em crédito concessional. Portanto, Estados como a Guiné-Bissau poderão – a Índia é a principal compradora do maior produto de exportação da Guiné-Bissau, o caju – alargar a sua parceria de cooperação para outros setores. Vale a pena salientar que a participação da Guiné-Bissau nessa cimeira de Nova Deli rendeu a este país da língua oficial portuguesa a disponibilização indiana de cerca de US$ 250 milhões para financiar projetos de energia renovável (na província leste do país), produção de arroz e emprego jovem.

Dito isso, a dilatação de cooperação e dos investimentos da Índia na África constituirá mais uma opção, mais uma alternativa, especialmente à cooperação chinesa, embora ambos os modelos de cooperação compartilharem vários aspectos parecidos. Por outro lado, a inserção incisiva do capital indiano na região pode causar danos exorbitantes aos produtores, aos investidores e comerciantes locais, haja vista a desigualdade concorrencial das partes. Aliás, esses efeitos nocivos do capital das potências do Sul na região, que têm sido crescentes há pelo menos uma década e meia poderão agravar com a materialização do novo padrão de inserção que a Índia esboça. No meu ponto de vista, as organizações da sociedade civil poderiam ser potenciais atores capazes de mitigar as possíveis externalidades advindas dessa relação desigual e agressiva entre o capital estrangeiro e os interesses locais, mas fico um pouco reticente devido à fragilidade e ao baixo nível de atuação dos atores da sociedade civil africana.

Nota: Os artigos assinados por amigos, colaboradores ou outros não vinculam a IBD, necessariamente, às opiniões neles expressas.

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