sexta-feira, 10 de março de 2017

Escutar Jesus, o Filho amado de Deus Pai

Reflexão de Georgino Rocha

Há momentos na vida, que põem à prova decisões tomadas de modo definitivo. Certamente por motivos sérios. Talvez porque circunstâncias diferentes tentem impor-se ou os próprios amigos o aconselhem com insistência… E vozes interiores crescem de intensidade, instalam a dúvida e a pessoa sente-se abalada.

Jesus, segundo o relato de Mateus que narra o episódio da Transfiguração no Monte Tabor, faz preceder a descrição com o diálogo de Cesareia de Filipe, em que após a resposta acertada de Pedro à pergunta “E vós, quem dizeis que eu sou”, Jesus anuncia que tem que sofrer muito, ser rejeitado e crucificado, e, só depois, é que ressuscitará. O coração de Pedro sobrepõe-se à razão da inteligência e “dispara”: “Deus não permita tal coisa, Senhor! Que isso nunca te aconteça!”. A resposta de Jesus é contundente e radical: “ Afasta-te de mim, Satanás. És uma pedra de tropeço para Mim, porque não pensas as coisas de Deus, mas as coisas dos homens”. Estão em contraste dois modos de realizar a missão: servir até à cruz por amor ou impor-se com gestos espectaculares, os das tentações diabólicas.

O evangelho da Transfiguração vem confirmar a opção de Jesus. Tudo converge nele e tudo brota dele, como de um abundante manancial de água fresca. Mateus, o narrador, reveste de grande solenidade o cenário do sucedido. Recorre a elementos gráficos que evocam Moisés e a entrega das Tábuas da Lei no monte Sinai.

A subida, o grupo escolhido, o rosto brilhante, a nuvem luminosa, a voz falante, o temor dos presentes constituem elementos de aproximação e apontam para a convergência em Jesus da nova manifestação de Deus e da sua vontade: “Este é o meu Filho. Escutai-O!”

Face ao ocorrido, os discípulos ficam assustados e caídos por terra. Jesus aproxima-se, toca-lhes e diz-lhes: “Levantai-vos. Não temais”. Eles erguem os olhos e vêem apenas Jesus. E com esta experiência marcante, descem para a planície da vida chã, do quotidiano, da família e de tantas outras realidades comuns. Subiram ao monte de Deus para com Ele descerem à humanidade, partilharem a sua sorte, viverem as suas alegrias e esperanças, os seus revezes e atropelos, reconstituirem os desfigurados na dignidade e no acesso aos bens de subsistência.

“Escutar Jesus” para melhor ouvir as vozes do mundo e interpretar as suas mensagens. São estas que nos fazem ver os traços do rosto de Jesus em tantos “lázaros” desfigurados, apontam os desejos mais profundos do coração e o seu melhor, reclamam a mediação indispensável para sentirem o pulsar da humanidade e sintonizar com os seus apelos. O Padre António Vieira, ilustre pregador de grandes sermões afirma que: “Para falar ao vento bastam palavras; para falar ao coração são necessárias obras”.

“Escutar Jesus” nas vibrações éticas da consciência, o santuário mais digno do ser humano, a “caixa-de-ressonância” de valores adquiridos e de insucessos ocorridos, instância moral sempre a precisar da luz da verdade para exercer a sua função de guia e conselheira. A nível pessoal em diálogo de reciprocidade com a cultura e o bom senso. “Em várias ocasiões, afirma D. Ximenes Belo, bispo emérito de Timor, ouvi este desabafo dos timorenses, sobretudo aos velhinhos das aldeias: somos pobres e analfabetos, podemos comer terra e pedra, mas não queremos que outros venham pisar a nossa cabeça”, afirmação feita na sessão de homenagem que lhe foi prestada na Universidade Católica Portuguesa.

“Escutar Jesus” na palavra escrita que narra as maravilhas da história da salvação que Deus decidiu levar a cabo com a indispensável cooperação humana; palavra situada no contexto histórico em que surgiu, lida com o propósito de buscar quem nela se esconde e de o aceitar como amigo com quem se quer falar. A sua leitura pode ser enriquecida pelos modos usados que despertam e alimentam as disposições indispensáveis a um bom “aproveitamento”. Assim na família, nos grupos apostólicos, na assembleia dominical, na celebração litúrgica.

O Papa, mestre na arte da comunicação e no recurso a metáforas familiares eloquentes, convidou-nos a ler as “mensagens de Deus contidas na Bíblia” como se lêem as SMS. "O que é que aconteceria se tratássemos a Bíblia como se fosse o nosso telemóvel? Pensem nisto, a Bíblia sempre connosco, ao nosso lado".


Escutar e ver Jesus vai moldando o coração do discípulo e configurando o seu agir; vai pautando o estilo de vida e despertando energias adormecidas indispensáveis à valorização da pessoa e da comunidade, vai fazendo surgir rostos irradiantes e felizes, autênticas testemunhas do Senhor transfigurado.

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