
"Não se pode compreender nada
actualmente, passando ao lado das revoluções tecnológicas."
Embora pouco debatido, está em marcha
todo um projecto para modificar o homem, no limite, pensando até na
imortalidade, e cientistas trabalham nele, com o apoio financeiro de grandes
grupos, como o Google, que tem em Raymond Kurzweil, um génio informático, autor
de The Singularity Is Near: When Humans Transcend Biology, o seu mais afirmado
profeta. É, pois, relevante que o filósofo Luc Ferry, que já foi ministro da
Educação em França, venha, numa obra exigente e pedagógica, La Révolution
Transhumaniste, alertar para a urgência da reflexão sobre tão complexa
temática: "Não se pode compreender nada actualmente, passando ao lado das
revoluções tecnológicas."

2. No cruzamento da "convergência
NBIC", em simbiose e mútua fecundação exponencial, resultará um avanço
prodigioso na investigação e na técnica, de consequências imprevisíveis. Assim,
por exemplo, na sua obra brilhante e desafiadora De Animais a Deuses, agora
best-seller mundial com o título Sapiens, com mais de um milhão de exemplares
vendidos, o historiador Yuval Harari não hesita em dar como título ao último
capítulo "O fim do Homo sapiens", escrevendo: "Os futuros
senhores da Terra serão, provavelmente, mais diferentes de nós do que nós somos
dos neandertalenses. Isto atendendo a que nós e os neandertalenses somos, pelo
menos, humanos e os nossos herdeiros serão semelhantes a deuses."
E dá exemplos do que está e pode vir a
acontecer. Os laboratórios começam a superar as leis da selecção natural, e aí
está o caso de um coelho verde e fluorescente. Já mudamos o género de um ser
humano através da cirurgia e de tratamentos hormonais. Com a engenharia
genética, produziremos porcos com gorduras boas e poderemos pensar em
"ressuscitar" criaturas extintas, incluindo um neandertalense,
conseguindo talvez desse modo, comparando o seu cérebro com o nosso,
"identificar que alteração biológica resultou na consciência". Com
ela e outras formas de engenharia biológica pode pensar-se em realizar
alterações profundas na nossa fisiologia, no sistema imunitário, na esperança
média de vida, nas nossas capacidades intelectuais e emocionais. Se é possível
criar ratos superinteligentes, "porque não seres humanos superinteligentes
e que se mantenham fiéis aos seus parceiros?" E poder-se-á pensar na
criação de "um tipo de consciência completamente novo e transformar o Homo
sapiens em algo diferente", parecendo inclusivamente "não existir uma
barreira técnica intransponível que nos impeça de criar super-humanos".
Existe uma outra tecnologia que poderia alterar as leis da vida: a engenharia
cyborg: "Os cyborgs são seres que conjugam componentes orgânicos e
inorgânicos, como um humano com mãos biónicas" - pense-se no ouvido
biónico, em braços biónicos, controlados pelo pensamento, ou em invisuais
obtendo uma visão parcial. Talvez possamos um dia "ler a mente de outra
pessoa". "O mais revolucionário é a tentativa de inventar uma
interface de duas vias, directa do cérebro para o computador, que permita ao
aparelho ler os sinais eléctricos do cérebro humano, transmitindo, por outro
lado, sinais que o cérebro, por sua vez, também possa ler. E se essas
interfaces forem usadas para ligar directamente um cérebro à internet ou ligar
directamente vários cérebros uns aos outros, criando desse modo uma espécie de
internet cerebral? O que poderia acontecer à memória, à consciência e à
identidade humanas, se o cérebro tivesse acesso directo a um banco de memória
colectiva?" E há programadores que "sonham criar um programa que
possa aprender e evoluir de forma absolutamente independente do seu
criador". "Suponha que podia fazer um backup do seu cérebro para um
disco rígido portátil e, depois, fazê-lo correr num computador. Seria o seu
computador capaz de pensar e sentir como um sapiens? Se pudesse, seria o leitor
uma outra pessoa?" E, se os programadores informáticos pudessem
"criar uma mente inteiramente nova, mas digital, criada por código
informático, integral, com sentido de si própria, consciência e memória",
estaríamos perante uma pessoa? O director do Blue Brain Project afirmou que
numa ou duas décadas poderemos ter "um cérebro humano artificial, dentro
de um computador, que poderá falar e comportar-se como um humano".
3. Que fazer? Perante tamanhos desafios,
embora alguns, segundo parece, não vão além da ciência ficção, não se pode
ficar indiferente. E lá está Luc Ferry, exigindo "uma regulação que deve
ser política". E reflexão ética.
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