domingo, 15 de outubro de 2017

CRISE INTERNA DO PAIGC FALSO DILEMA

Reflexão de Ernesto Dabó em saudação ao 44º aniversário da independência da Guiné-Bissau.

No passado dia 15 deste Setembro nacional, recebi convite da Comissão organizadora da CONFERÊNCIA NACIONAL DE REFLEXÃO PARA SALVAÇÃO DO PAIGC DE CABRAL, patrocinado pelo grupo dos 15, sob o lema: “UM PAIGC REUNIFICADO E COESO PARA ENFRENTAR FUTUROS DESAFIOS”. Confesso que acolhi o convite com alguma surpresa e certo cepticismo. Mas quando me enviaram o material promocional e me inteirei da intenção e lema da conferência, senti que se situava na linha de continuidade dos meus modestos esforços para promover um debate interno no sentido da procura de caminhos para se reunificar o partido e tirar o país desta injusta crise, que considero ter epicentro no PAIGC.

Me parece lógico que numa situação de crise de liderança a direcção dum partido ou um governo, tenha que observar uma das duas soluções: RECOMPOR-SE OU DEMITIR-SE. Leve o tempo que levar, uma das duas acabará por ser a saida da crise. No caso do PAIGC, a crise vigente progride cada vez com maior evidencia para uma das soluções. O mais forte indicador de via para a recomposição reside no disposto do ponto 10 do acordo de Conakri:

10. O princípio de uma reintegração efetiva dos 15 deputados dissidentes no seio do PAIGC, sem condições mas tendo em consideração os textos em vigor no seio do PAIGC.

Ao aceitar o convite, iclusive para apresentar um tema, quis saber se foi convidada a presidencia do partido. Afirmaram-me que sim. Igualmente com cepticismo, aguardei para ver se alguem tomaria parte na conferência em representação da direcçõ do partido. Infelizmente aconteceu o indesejável: ninguem compareceu. Este facto deixou-me profundamente triste por se revelar uma clara fuga a uma oportunidade de diálogo, que bem serviria para conhecermos da vontade da direcção do partido se recompor ou dos fundamentos que impedem que isso aconteça. É do domínio publico um conjunto de factos que autorizam que questionemos quanto aos ganhos do partido sob o seu actual comando. Permitam-me uma curta listagem de coisas que acontecerem desde Congresso de Cacheu ao presente:

1- A composição dos orgão dirigentes do PAIGC, lista de candidatos a Deputado e de membros do Governo, respeitaram mais ou unicamente o resultado eleitoral registado no Congresso.
2- Apesar de ter maioria absoluta, o Partido preferiu constituir Governo com adversários, atiçando assim as hostes internas que se sentiram excluídas dos ganhos de um processo em que estiveram envolvidos;
3- Nas primárias do partido para a escolha de candidato a apoiar nas presidenciais, em vez de arbitrar, o Presidente do partido assumiu-se apoiante de uma candidatura, que acabou derrotada;
4- Alguns meses passados, é afastado o Secretario Nacional do partido e Deputado da nação;
5- O crescendo e variedade de conflitos na direcção superior do partido atinge a sua presidência, processo que leva ao afastamento de dois Vice-Presidentes;
6- A seguir, naturalmente, a crise interna extravasa os limites do partido e ganha espaço na esfera do Estado, implicando partes como a Presidência da Republica e a Assembleia Nacional Popular. Assim se instalou uma original e intensa confrontação entre três presidências com responsabilidades únicas na condução do país, que são:

– Presidência do PAIGC, partido vencedor das legislativas;
– Presidência da Republica;
– Presidência da Assembleia Nacional Popular
7- É derrubado o governo eleito do PAIGC;
8- É nomeado um ex-Vice-Presidente a Primeiro-ministro;
9- Duas vezes mais, o Governo é chefiado por alguém oriundo do PAIGC e nenhum deles concluiu o mandato;
10- Agudiza-se a crise no partido, o que conduz à abstenção de 15 deputados do PAIGC aquando da votação dum programa de Governo do Partido e por consequência ao derrube de um Governo do PAIGC;
11- O partido prefere reprimir os Deputados em vez de proceder a uma auscultação e negociação, internamente, dado o evidente risco de perda de poder subjacente ao sucedido na ANP. Num processo factualmente sumário, expulsou os 15 Deputados da ANP, solicitou a cessação dos mandatos de alguns deles no Parlamento da CDEAO, conseguiu que a Comissão Permanente deliberasse a retirada de mandatos aos 15 Deputados;
12-A CDEAO recusa a solicitação do PAIGC;
13- O Supremo Tribunal de Justiça anula a deliberação da comissão permanente da ANP e ordena a restauração dos mandatos dos 15 Deputados;
14- Por razões que não se conhecem, o Partido aceita ser parte de um acordo destoado da Constituição da Republica ou seja, inconstitucional, conhecido por Acordo de Conacri;
15- O Partido suporta o bloqueio da ANP;
16- O partido veda a Convenção e a Universidade de Verão aos 15;
17- Prosseguem expulsões e suspensões de dirigentes e responsáveis em todos os escalões do partido e em todas as regiões, registando-se já dezenas de expulsos e suspensos;

Conjugados os factos elencados, julgo justo aceitar que o balanço da governação partidária está longe de ser satisfatório. Quando assim é, noutras paragens do mundo, em nome dos superiores interesses do Partido ou Governo, a direcção abre um debate interno, critico e autocritico, visando, correcções, orientações e reorientações a favor da organização. Noutras, a direcção demite-se ou é demitida. À luz desta conclusão sou levado a outra ponderação.

Como se pode imaginar, esta sequência de factos, indissociáveis da crise no PAIGC, não são frutos do acaso nem da responsabilidade de uma única pessoa, por mais responsável que seja no partido. Resultam duma crise de liderança cuja raiz mais remota se situa no 20 de Janeiro de 1973, com a perda de Amílcar Cabral e conhece agravamento e extensão aceleradas, a partir de 14 de Novembro de 1980. Dessa data ao presente, nunca houve duradoira estabilidade na condução do PAIGC, por falta de competência, nomeadamente, dos seus principais dirigentes em cada etapa. Todas as direções saídas de sucessivos congressos do partido fizeram da expulsão principal arma de combate aos seus adversários internos. Todos, sem excepção! Nenhuma direcção concebeu e implementou um sustentado projecto de reforma do partido. Preferiu-se sempre varrer os problemas para debaixo do tapete. Porque não se cuidou do corpo partidário, tornou-se infestado de terríveis vírus que corroeram todas as direcções do partido e do Estado sob mandato do PAIGC e não só.

Com o advento da democracia, o PAIGC e demais partidos não entraram suficientemente preparados para exercer com competência no novo sistema. Em consequência, todos os principais partidos do país, progressivamente se tornaram em meros clubes de interesses de grupo, a digladiarem-se internamente e nos processos eleitorais, pelo controlo e delapidação dos recursos do país. A expressão maior desse facto são os sucessivos golpes, assassinatos de políticos, purgas internas, impunidade, sinais mais que evidentes de enriquecimento ilícito de gente no aparelho de Estado. Outra, é a progressiva desestruturação do Estado e a manutenção do país, (intencionalmente, para ganhos dos clubes de interesse), sem poderes locais eleitos pelas populações (autarquias). Uma espécie de apartheid num “Estado de direito”. Basta nos abeirarmos dos congressos de qualquer partido no país, para nos darmos conta, sem grande esforço, de que os grupos de interesse só têm como estratégia interesses próprios, que difundem todos com o mesmo discurso, prenhe de demagogia e populismo baratos.

No caso do PAIGC, há a dizer que do ponto de vista social e histórico é um partido resultante duma forte aliança entre o campo e a “cidade”, num país cuja “economia é agricultura”, em que ainda hoje, 80% da sua população vive directamente do campo e os restantes 20% vivem com um pé na bolanha e outro no alcatrão. Se traduzirmos estes factos para a esfera sociopolítica, veremos que é e será sempre um erro fatal para quem quer que seja o dirigente máximo do PAIGC, agir sem ter em devida conta esta realidade, como a teve Amílcar Cabral e venceu. Amílcar Cabral conseguiu manter e consolidar esta aliança, com a aplicação rigorosíssima do princípio de IGUALDADE DE OPORTUNIDADES PARA TODOS.

O nosso país chegou a independência sem uma elite digna desse nome, em termos quantitativos e muito menos qualitativos. O que o sistema colonial deixou é um embrião residual duma pseudo elite e fortemente alienada. Teimar em fazer dominante na esfera politica, os resíduos dessa camada forjada pelo sistema colonial, é absurdo e francamente impossível. Observe-se a cara social do país nos dias de hoje. Acredita alguém que a elitização em curso no país, deve ou pode obedecer a critérios coloniais de estratificação social? O ensino e o mercado estão abertos a todos. Hoje fidjus di bideras, camponeses e outros, que são a maioria esmagadora deste país, constituem a maioria de quadros qualificados deste país e dominam a esfera económica. Como vencer a nova elite em crescimento? Confundir alguém civilizado no presente com um “civilizado/ assimilado” do período colonial “ si ka tristi i ta da garaça”. Quem for Cabralista saberá que essa aberração histórica, foi uma das razões da Luta de libertação Nacional, organizada e conduzida pelo PAIGC, sob comando do genial AMILCAR CABRAL, que para prevenir as catalinadas de hoje no seu partido, de forma metafórica, recomendou o “suicídio de classe à pequena burguesia”.

AMILCAR CABRAL, JÁ ALVEJADO, MORTALMENTE, DE OLHOS FIXOS NOS EXECUTORES DO SEU ASSASSINATO, DISSE: “CAMARADAS, SE HÁ PROBLEMAS, DEVEMOS DISCUTI-LOS NO PARTIDO”.

Este legado de transcendente importância e utilidade no presente, interpela a todos os dirigentes, responsáveis e militantes cabralistas, do PAIGC, a uma reflexão serena, desinibida, visando a recomposição da direcção do partido.

Disse e repito: O PAIGC É UM PARTIDO LIBERTADOR A LIBERTAR. Explico: É um partido a reformar e modernizar. Tem doutrina, história, experiencia e competências suficientes para ser cada dia “mais partido” e melhor partido.

Se um dia for convidado pela direcção do PAIGC, a defender os meus pontos de vista acerca deste falso dilema (como o fizeram para participar na conferência patrocinada pelos 15), responderei pronto, como sempre o fiz nas horas difíceis na vida do partido ou da nação.

Em nenhum espaço me conformarei com a divisão de guineenses. Antes e mais que os cartões partidários, o nosso Bilhete de Identidade é que deve fazer de todos os filhos da Guiné-Bissau, partes unidas em defesa da mesma causa: NACIONAL


Com ERNESTO DABÓ

Nota: Os artigos assinados por amigos, colaboradores ou outros não vinculam a IBD, necessariamente, às opiniões neles expressas.

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