“Sem
Karl Marx, não haveria uma Doutrina Social da Igreja"

Tanto no livro, publicado em 2008, como
nas entrevistas concedidas ao Frankfurter Allgemeine Sonntagszeitung e ao
Rheinische Post online, por ocasião dos 200 anos do nascimento do seu homónimo,
o cardeal, que não é marxista, manifesta profundo interesse por Karl Marx e os
seus escritos, que chega a considerar "fascinantes" e com uma
"grande energia", neles "há uma inspiração, um ímpeto
revolucionário". "Sem Karl Marx, não haveria uma Doutrina Social da
Igreja".
Não deixa de impressionar. Quase metade da
humanidade chegou a viver sob regimes políticos inspirados também em Karl Marx
e, do ponto de vista ideológico, nunca uma filosofia influenciou tão
rapidamente tantos. Por outro lado, o comunismo é, de facto, responsável por
mais de 100 milhões de mortos. Marx não é o responsável directo por todos os
crimes cometidos, tanto mais quanto, segundo a sua doutrina, a revolução não
deveria dar-se nem na Rússia nem na China... Mas lá está esta palavra mortal
nos famosos Manuscritos de 1844: "O comunismo é a solução do enigma da
história e sabe que o é." Assim, Marx não é directamente culpado pelas
terríveis tragédias cometidas por muitos dos seus sequazes, mas, como me disse
o filósofo J.M. Domenach, "A peste estalinista está na lógica do marxismo
a partir do momento em que uma filosofia que pretende ser uma explicação
científica e completa da história toma o poder".
O que pensa o cardeal sobre as teorias de
Marx e os crimes cometidos em seu nome? "Ele não pode ser absolvido pura e
simplesmente em relação ao que se seguiu, mas também não tem de responder por
tudo o que na sequência da sua teoria foi feito como marxismo, incluindo os
Gulags de Estaline. Tendo terminado o socialismo real na Europa, talvez seja
possível um olhar mais imparcial. Ele é um pensador que marcou a nossa época,
também no negativo." É preciso notar que nos seus escritos pode ser
encontrado aqui e ali algum "pensamento totalitário" e um
colectivismo que não tem em conta o indivíduo: "Para Marx, trata-se apenas
do género humano. Quase não toma em consideração o indivíduo. Para nós,
cristãos, a pessoa é central. Não podemos propor-nos nenhum objectivo à custa
do homem. O homem enquanto pessoa tem de estar sempre no centro, e precisamente
cada pessoa individual e concreta." Aliás, o Papa Francisco, num prefácio
escrito para o último livro de Bento XVI, que acaba de ser publicado, Liberar
la Libertad. Fe y Política en el Tercer Milenio, denuncia a "pretensão
totalitária" do Estado marxista e "a ideologia ateia em que se
fundamenta".
Que
contributos de Marx permanecem atuais?
Segundo Reinhard Marx, Karl Marx é
"um analista agudo do capitalismo. Ele viu correctamente: quando os
interesses da valorização global do capital se tornam o factor determinante do
desenvolvimento, o capitalismo entra em aporias insolúveis. Por outras
palavras: quando se combina o imperativo tecnológico - "o que é possível
tecnicamente deve-se fazer" - com o imperativo económico -"o que gera
lucros não deve ser impedido" - e se liga tudo com a moral do mal menor,
isso leva ao abismo. Muitas coisas que ele apresentou só agora as podemos ver
em toda a sua amplidão. Hoje começamos a ver os efeitos sociais, políticos e
ecológicos que o capitalismo mundial, global e desenfreado tem. E a doutrina
social católica nunca negou a análise marxista do capitalismo e das ameaças que
dele decorrem. Karl Marx obrigou a pensar problemas que não estão resolvidos.
Isto vale também para o carácter fetichista da mercadoria e a alienação."
Evidentemente, Karl Marx não é um
"Padre da Igreja". Mas "a Doutrina Social da Igreja sempre o
estudou intensamente e daí a afirmação do jesuíta O. von Nell-Breuning:
"Estamos todos aos ombros de Karl Marx." A sua posição foi sempre um
ponto de discussão para a doutrina social católica, a maior parte das vezes em
rejeição crítica, mas também em interrogação: "O que é que ele quer
exactamente, o que move este homem? A sua análise é correcta?"."
Também se deve a Marx perceber que "o mercado não é tão inocente como se
apresenta nos manuais dos economistas; por detrás há enormes interesses".
Ele mostrou que "os direitos humanos, sem partilha material, permanecem
incompletos", exigindo-se, portanto, "atender às relações reais
concretas". Ao acentuar o empírico, "ele é um dos primeiros
cientistas sociais que devem ser levados a sério".
"Um capitalismo sem humanitariedade,
solidariedade e justiça, não tem moral nem futuro." Para o cardeal Marx,
tornou-se claro que nos precipitamos para o abismo, quando "se excluem do
mercado a moral e a ética e se pensa que se pode renunciar a uma ordem política
do Estado que mantenha os movimentos do mercado dentro de regras ao serviço do
bem comum". É necessária uma nova ordem política mundial, tendo-se imposto
o conceito de Global Governance, para criar um novo sistema de instituições e
regras no contexto dos desafios globais. Como aqui tenho sublinhado, desafio
maior para o nosso tempo é superar a inadequação entre os mercados que são
globais e a política que é nacional, quando muito, regional.
Padre e professor de filosofia
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