terça-feira, 14 de agosto de 2018

A QUEM INTERESSA A MANUTENÇÃO DO ACORDO DE GESTÃO E PARTILHA DOS RECURSOS ENTRE O SENEGAL E A GUINÉ-BISSAU?

O reconhecimento da independência de um Estado em relação aos outros, permitindo, ao primeiro, firmar acordos internacionais, é uma condição fundamental para estabelecimento da soberania.

Estado não se confunde com governo. O Estado é organizado política, social e juridicamente, ocupando um território definido onde, normalmente, a lei máxima é uma constituição escrita. É dirigido por um governo que possui soberania reconhecida tanto interna como externamente. Um Estado soberano é sintetizado pela máxima "Um governo, um povo, um território". O Estado é responsável pela organização e pelo controle social, pois detém, segundo Max Weber, o monopólio da violência legítima (coerção, especialmente a legal).


Progressos consideráveis foram alcançados desde a publicação em maio de 2017 do artigo “À Propósito da Delimitação da Fronteira Marítima e da Zona de Exploração Comum entre a Guiné-Bissau e o Senegal”, cujo principal objetivo foi trazer informações sobre os processos que levaram a criação da Zona de Exploração Comum, mas, sobretudo de despertar a consciência e o interesse dos guineenses para o debate sobre este tema, uma vez que se avizinhava uma nova ronda negocial com o Senegal. De uma reação inicial tímida, indiferenças e até tentativa de desqualificação, evoluiu-se para uma adesão importante que culminou sendo uma das fontes de inspiração para a organização da petição, pela sociedade civil, com o aproximar da data das últimas rondas de negociações.

O foco central deste artigo, assim como o da petição dirigida ao Presidente da República foi conclamar a sociedade civil a uma reflexão profunda sobre o tema: acordo de cooperação e partilha dos recursos naturais existente na zona de exploração comum entre o Senegal e a Guiné-Bissau, de modo a poder formar a sua própria opinião, pronunciar e ser ouvida.

A petição solicitava ao presidente o adiamento das negociações agendadas e a implementação uma série de ações que possibilitassem o esclarecimento e o envolvimento da sociedade civil nos debates e na tomada de decisão sobre o assunto. Esta proposição da sociedade tem todo o sentido e toda a legitimidade, na medida em que a decisão a ser tomada será uma decisão política, não obstante a importância da componente técnica.

A petição não foi levada em consideração e as negociações tiveram lugar nos primeiros três dias de agosto, contudo, não se pode negar o efeito causado por este movimento da sociedade civil que tem-se desdobrado em campanhas de esclarecimento à população através de diversos meios de comunicação. A comissão nacional de negociação veio, pela primeira vez, ao público pronunciar sobre o assunto, numa nota de esclarecimento, antes e numa conferência de imprensa, depois do encontro com o seu homólogo senegalês, quebrando, desta forma, a opacidade que sempre caracterizou esta questão.

O que se pode constatar depois desta conferência de imprensa prestada pelo chefe da delegação negocial é de que a sociedade civil tinha razão! As revelações do embaixador responsável pela condução da parte guineense às negociações trouxeram pontos importantes que nos remetem aos seguintes questionamentos:

1) Qual a pertinência, o interesse e as vantagens para a Guiné-Bissau, em manter este acordo?

2) A quem interessa e quem sairá ganhando com este acordo?

A resposta à primeira questão é: Nenhuma! E a resposta à segunda é: Exclusivamente Senegal! Uma análise dos três pontos à mesa das negociações permite-nos chegar facilmente a estas constatações, senão vejamos:

a) Permissão da pesca artesanal no limite dos mares territoriais entre os azimutes 220 a 268. O mar territorial é a faixa que vai da linha de costa a uma distância de 12 milhas marítimas (1.852 metros), oceano adentro. A convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar considera que esta faixa é a extensão do território e das águas interiores dos estados costeiros, e garante a estes estados, a soberania ou controle pleno sobre a massa líquida e o espaço aéreo sobrejacente, bem como sobre leito e o subsolo deste mar. Por este motivo, os mares territoriais do Senegal e da Guiné-Bissau não foram incluídos na zona de exploração comum entre os dois países. Bem, mas agora Senegal quer uma permissão para praticar a pesca artesanal dentro do mar territorial guineense, quebrando o acordo assinado em 1993, em que já saiu com vantagens inimagináveis e quebrando a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. Tudo em favor da própria vantagem e contando com a indulgência dos guineenses. Qual o interesse da Guiné-Bissau em compartilhar a permissão de pesca nos mares territoriais com o Senegal, se a Guiné não tem frota de pesca nem para pescar no próprio mar? Já o Senegal, tem. E tem interesse nos peixes e quiçá nas ostras dos nossos rios!

b) Chave de Partilha. Qualquer que seja a chave de partilha, Senegal sairá ganhando. Sairá ganhando na medida em que tem plena consciência de que não cedeu, de fato, nenhuma área do seu território, para o acordo. Senegal/França sabe que ganhou a área do Azimute 268 a 240 numa manobra jurídica, usando artifícios legais, mas de honestidade duvidosa. Compartilhar esta área com outra, de quase igual tamanho, dentro do território guineense é ganhar duas vezes. Portanto, qualquer se seja a percentagem da divisão, será interessante e lucrativa para o Senegal. Ainda mais, sabendo que o grosso das riquezas, tanto haliêuticos quanto em hidrocarbonetos, está do lado guineense. A Geografia nos coloca lado a lado, como bem referiu o embaixador chefe da missão negociadora, mas não nos obriga a compartilhar nada. O Azimute 240 é a linha que nos divide que, embora injusta, temos que aceitar. Porém, não há nenhuma vantagem para a Guiné-Bissau, em compartilhar uma zona de exploração comum com o Senegal. Para explorar o nosso petróleo, não precisamos do Senegal, que também não o sabe fazer. Precisamos, sim, de companhias petrolíferas internacionais que estão aí de olhos nas bacias sedimentares promissoras e nas estabilidades políticas dos países. Estas companhias têm regras duras, mas claras e transparentes e é assim que jogam todos os países que querem explorar seu petróleo.

c) Ressarcimento dos recursos financeiros investidos no Dome Flore. Este é o cúmulo do absurdo, da falta de respeito e consideração à inteligência guineense! É pensar que não existe inteligência abaixo do azimute 240. Ou é acreditar que se há 20 anos conseguimos fazê-los assinar um acordo absurdo, por que não vamos conseguir desta vez? Mas os tempos mudaram e a inteligência guineense também. Dome Flore é uma estrutura geológica descoberta ainda pelos franceses em 1960, antes da independência do Senegal, que se acreditava ser um grande reservatório de petróleo. Na minha análise, ele foi o motivo do traçado do azimute 240, cuja finalidade é deixar o Dome Flore do lado senegalês. Nas conversações de 1993 que delimitaram a Zona de Exploração Comum, Senegal bateu o pé e o deixou fora da ZEC, alegando que já tinha feito investimentos nele. E a partilha 85x15 também o usou como argumento, o que nos remete a primeira contradição: se o Dome Flore foi excluído da ZEC, por que razão foi levada em consideração para definir a chave de partilha favorável a Senegal? Bem, mas o fato é que ao longo destes 20 anos da existência da ZEC e da AGC, Dome Flore nada produziu e a Guiné-Bissau não usufruiu em nada com os investimentos nele feito. Por que razão, então a Guiné terá que ressarcir estes investimentos? Dois prospetos, o PGO-1 e o GBO-1, estudados pelas companhias petrolíferas estrangeiras, em contrato com o governo da Guiné-Bissau, se encontram na zona compreendida entre o azimute 240 e 220, que integra a zona de exploração comum. É o caso também de cobrarmos ressarcimento ao Senegal, pelos investimentos feitos nestes prospectos?

O embaixador chefe da comissão negociadora guineense nos fez saber, durante a sua conferencia de imprensa, que existe interesse por parte da Guiné-Bissau em manter o acordo de exploração e partilha de recursos e os seus instrumentos, por ser uma recomendação do corpo técnico do secretariado da Agência de Gestão e Cooperação e pela vontade política da Guiné-Bissau. Os dois pontos são questionáveis! Em primeiro lugar, quem são os membros deste corpo técnico do secretariado? Quantos guineenses e quantos senegaleses? Quais são os argumentos? Podemos garantir que os interesses da Guiné-Bissau estão plenamente assegurados neste parecer? Em segundo lugar, a vontade política da Guiné-Bissau se expressa pelo povo e o povo não foi ouvido em todo este processo. A petição da sociedade civil não foi levada em consideração e a Assembleia Nacional Popular, a voz do povo no parlamento, não se pronunciou. Portanto, de quem é esta vontade política?

Considerando que estamos num período conturbado da politica nacional, em que a prioridade é a organização das eleições, que a ANP e os partidos políticos estão preocupados na organização de suas campanhas eleitorais, que a sociedade civil está completamente desinformada sobre as nuances que envolvem estas negociações e acordos, é prudente suspender esta última ronda de negociação agendada para o final deste mês, que vai ser decisiva para o fechamento do acordo, pelo menos, para após assumir o novo governo que sairá das eleições. É preciso parar e fazer um balanço sério e isento, dos 20 anos da existência deste acordo, antes de prosseguir com qualquer ação no sentido de assinatura do acordo.

Considerando finalmente que a Guiné-Bissau não tem pressa na exploração destes recursos, na medida em que não está organizada e nem tem definida a sua política nacional de gestão destes recursos, passo importante para sua exploração sustentável e eficiente, e considerando que esta exploração conjunta não traz nenhuma vantagem para o país, o caminho mais racional a seguir é a denúncia definitiva deste acordo, ficando cada um dos países nos seus limites fronteiriços, a explorar os seus recursos, de acordo com a sua agenda. Mesmo porque, a renovação deste acordo e a manutenção dos seus instrumentos, gera um custo pesado e desnecessário para a Guiné-Bissau, e que vai se acumulando, tornando cada vez mais forte a dependência do país ao Senegal, da qual podemos ter muito trabalho a desatar.

A manutenção da zona de exploração conjunta interessa ao Senegal, não à Guiné-Bissau. Pergunte ao povo!

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