A misericórdia de Deus é o centro do
Evangelho da liturgia de hoje apresentado a partir de três parábolas
acessíveis: a da ovelha e a da moeda perdidas e a do filho “pródigo” lançado na
aventura da sua liberdade. Em cada uma, há um protagonista diligente que aponta
para mais longe: o agir de Deus para com a humanidade, para com o seu povo.
Parábolas narradas por Jesus ao ver a multidão que o acompanha. Lc 15, 1-32.
Lucas, médico de grande sensibilidade e
ternura, anota as “intenções” dos que seguiam Jesus e o contraste que se ia
acentuando. Os indesejados da sociedade escutam-no com interesse. Os defensores
da ordem estabelecida fazem-se ouvir em comentários críticos. Publicanos e
pecados aproximam-se. Fariseus e escribas distanciam-se. Jesus, como sábio
narrador de contos e “histórias”, aproveita a circunstância para realçar, uma
vez mais, a sua missão de dar a conhecer o autêntico rosto de Deus Pai. E que
bem que o faz!
Recorre a exemplos da vida corrente:
pastor que busca a ovelha perdida, dona de casa que procura moeda desaparecida
e pai de dois filhos com comportamentos diferentes. Em cada um destes casos,
destaca traços que configuram o modo de ser e agir de Deus: o apreço pela
harmonia e proximidade que se alteram inesperadamente: a ovelha perdida do
rebanho, a dracma desaparecida na casa da dona e o jovem aventureiro ansioso de
liberdade e de novas experiências.
Este apreço constitui uma autêntica
novidade que supera a simples tolerância e se situa no amor generoso. Novidade
provocante numa sociedade que dificilmente aceita o diferente, respeita o
diverso, admite o estranho.
Outro traço do rosto de Deus que Jesus
quer reconfigurar no coração dos ouvintes é a confiança em restabelecer a
relação vivida: o pastor acarinha a sua ovelha, a mulher limpa a sua moeda, o
pai desfaz-se em atenções afectuosas para com o seu filho. A relação de
confiança é fundamental ao ser humano e à convivência em sociedade. Destruí-la
é lesar o vínculo que nos humaniza e abre ao transcendente, a Deus.
Como é urgente recuperar esta componente
da nossa humanidade! Em todos os âmbitos, sobretudo nos espaços educativos e
religiosos, nas instâncias que têm como missão servir o bem comum.
Lucas insiste – as três parábolas
terminam expressando o mesmo sentimento – na alegria como fruto do reencontro,
da comunhão reatada, da recomposição alcançada. Alegria partilhada com a
família e os criados, com vizinhos e amigos. Alegria humana, símbolo da alegria
vivida no convívio de Deus connosco, seus filhos, no tempo e na eternidade, na
família e na Igreja, nas festas e no desporto.
O Papa Francisco, no recente encontro
com os Jovens em Maputo, ofereceu-lhes ensinamentos, que ele mesmo descreveu
como “pequenos elementos que podem dar-vos o apoio necessário para não vos
encolherdes nos momentos de dificuldade, mas abrirdes uma brecha de esperança;
brecha que vos ajudará a pôr em jogo a vossa criatividade e encontrar novos
caminhos e espaços para responder aos problemas com o gosto da solidariedade”.
Destacamos os dois primeiros:
1. Vós sois importantes! Precisais de o
saber, precisais de acreditar nisto: vós sois importantes! Mas com humildade.
2. Alegria partilhada e celebrada que
reconcilia e se torna no melhor antídoto capaz de desmentir todos aqueles que
querem dividir, fragmentar ou contrapor.”
Mas, em contrapartida, vemos um pouco
por toda a parte tanto rosto acabrunhado, tantas atitudes de gente triste e
saturada, tanta expressão de notória infelicidade. Por que será? O contributo
da mensagem cristã ajuda certamente a suavizar o impacto das situações difíceis
e a transformar as emoções negativas.
As parábolas têm mensagens com outras
dimensões: a preocupação solícita, a ousadia na procura e a paciência na
espera, a exuberância festiva e a misericórdia sem reservas, “Alegrai-vos
comigo” continua Jesus a dizer-nos, hoje; e deixa a parábola em aberto para que
cada um possa decidir-se. Vale a pena aceitar o convite para a festa e fazer-se
eco da sua novidade surpreendente.
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