Os organizadores
desta iniciativa dizem, todavia, “não pretender que este documento substitua a
Constituição da República, mas antes pelo contrário complementá-la por causa do
período de excepção que o país vive”.
É sabido que já
houve uma segunda ronda, onde decidiu-se a criação de uma Comissão Nacional de
Concertação (CNC), nome, este a ser definido num encontro futuro.
Mas antes, havia
uma outra denominação proposta que é a Comissão Nacional Multipartidária de
Transição Política e Social. Este fórum teria apenas uma duração limitada ao
período de transição, enquanto a CNC (Comissão Nacional de Concertação)
funcionaria depois da transição.
Eis o documento
sobre a primeira auscultação entre todas forças vivas da Guiné-Bissau:
I. CONTEXTO/JUSTIFICAÇÃO
A actual
realidade socio-politica da Guiné-Bissau compele todos os actores sociais,
políticos e castrenses a uma profunda reflexão sobre os trilhos a abrir e a
percorrer, em prol da democratização da sociedade guineense.
Esta situação
tem uma semelhança com a realidade retratada pelo escritor germânico Peter
Berling, em “Os filhos do Graal”, uma narrativa que reconstitui, de uma forma
magistral, a Europa do Sec. XIII, uma Europa dominada pelas Cruzadas, colocando
o autor diversas forças em jogo e onde toda a acção decorre em torno de duas
crianças de ascendência divina e destinadas a uma missão de reconciliação e
paz.
Não sendo a
Guiné-Bissau um Sacro império, a missão de reconciliação e paz cabe
impreterivelmente a entidades do poder temporal, mas com um propósito sublime –
a reconciliação, paz e progresso da Nação Guineense. Esta missão incumbe a
todas as forças sociais, políticas e castrenses desta Pátria de Cabral, com
igualdade de oportunidade e de protagonismo para cada membro das diversas
entidades em presença.
Em convergência
de posições, os partidos políticos, as organizações da sociedade civil, as
diversas igrejas e o Regulado reuniram-se em torno de uma mesa, para, através
do diálogo franco e responsável, discutirem os graves problemas que
recorrentemente grassam no país; um diálogo que tanta falta tem feito à
sociedade guineense, com resultados sobejamente conhecidos:
Um virar de
costas entre os Partidos políticos;
Um virar de
costas entre os militantes do mesmo Partido;
Um virar de
costas entre os membros da mesma família;
Em suma, um
virar de costas entre os guineenses, dando primazia a egos em detrimento do
logos, a interesses pessoais em detrimento dos interesses coletivos da Pátria.
Como
consequência, nenhuma legislatura logrou atingir o seu epílogo, fruto de
cíclicas convulsões político-militares, não obstante o país ter adoptado os
princípios da democracia com os únicos pilares e baluarte da vida económica,
social e política. Os guineenses passaram a ser vistos como pessoas incapazes
de definir e assumir os destinos do próprio país, que se transformou numa arena
de exibição de poderios geo-estratégicos antagónicos. Até quando? Uma pergunta
que todo o guineense deve fazer a si mesmo.
As forças vivas
(nomeadamente, os Partidos Políticos, a Sociedade Civil, a Liga Guineense dos
Direitos do Homem, as diversas Igrejas e o Regulado), decidiram em conjunto, e
num ambiente de total abertura, sem preconceitos, diagnosticar as causas e, sobretudo,
apontar os caminhos mais indicados para a saída, não apenas desta crise
resultante do golpe de estado de 12 de Abril último, mas também das diversas
convulsões políticas e sociais que, desde a abertura política democrática,
inaugurada em 1994, têm assolado o País, e que nunca permitiram que nenhum
poder eleito cumprisse integralmente o seu mandato. Acresce-se ainda encontros
tidos com Suas Excelências, o Presidente da República, senhor Manuel Serifo
Nhamadjo, com o Primeiro-ministro, Eng.º Rui Duarte Barros, e com as Chefias
militares, na pessoa do General António Indjai, com o mesmo propósito, e os que
ainda decorrem com os parceiros regionais, (a CEDEAO e a UEMOA), com todas as
representações diplomáticas e demais parceiros de desenvolvimento.
Esta iniciativa
que não é um exclusivismo avocado por nenhum dos parceiros em presença, que,
aliás, poderia advir de qualquer formação política, ou outra organização da
sociedade civil, é um sinal inequívoco de que é chegada a altura de os
guineenses assumirem o seu próprio destino, devendo, se indispensável, serem
amparados pela Comunidade Internacional em matérias para cuja resolução carecem
de argumentos suficientes.
Enquanto epílogo
do longo caminho a percorrer, os diálogos gravitaram em torno das questões mais
prementes:
A caducidade
iminente do período de transição, sem que as eleições tenham sido realizadas;
O alargamento do
Pacto de Transição a novos aderentes, para que se possa falar a uma só voz
(consequência inevitável da verdadeira e desejada inclusão);
E o processo
eleitoral.
Os resultados da
auscultação realizada são estruturadas numa síntese dos pontos de vista dos
convidados sobre o período de transição, sobre o alargamento do Pacto de
Transição aos partidos que o queiram subscrever (inclusão), e sobre a revisão
constitucional e a lei eleitoral, seguido de Conclusões/Propostas para as fases
subsequentes.
II. SÍNTESE DAS
INTERVENÇÕES
Período da
Transição
Os partidos e as
organizações auscultadas são de opinião de que o período de um (1) ano
negociado com a CEDEAO não permitirá o País equacionar as causas das
recorrentes alterações da ordem constitucional e a definição de estratégias
para a erradicação deste flagelo.
Apontaram também
a impossibilidade de, neste curto espaço de tempo, serem concretizadas as
tarefas prévias fundamentais para que se garanta um escrutínio isento e livre
nas futuras eleições gerais e, subsequentemente, a impossibilidade de honrar os
compromissos assumidos com a comunidade internacional (CEDEAO, União Africana,
Nações Unidas, CPLP e União Europeia), no quadro da Transição.
A maioria
pronunciou-se a favor de uma prorrogação do período de transição para mais 18
meses, devendo as eleições serem realizadas em novembro de 2014, um mês
consensual, mesmo para aqueles que prepõem um período mais curto (extensão para
mais 6 meses).
Alargamento do
Pacto de Transição (Inclusão)
Do diagnóstico
feito pela maioria observa-se fundamentalmente que o défice de diálogo fez com
que a necessidade de inclusão, na óptica dos mesmos, seja a de que essa
iniciativa deva prevalecer entre todas as forças vivas da Nação, de modo a
substituir a política da mentira e da ganância pelo poder reinante até agora, e
que tem encorajado a tomada de poder pela via não democrática.
A intolerância e
a prepotência dos políticos devem ser desencorajadas com espaços de diálogo
permanentes à volta da mesma mesa, de forma a procurar grandes consensos para
os problemas nacionais.
Consensual foi
também a opinião dos intervenientes de que a inclusão no processo de transição
deve ser precedida pela assinatura do Acordo e do Pacto de Transição, para que
depois, e em conjunto com as demais forças integrantes, se possam descortinar
caminhos consensuais mais adequados para que a imagem da transição se fortaleça
aos olhos da comunidade internacional ainda reticente. Todavia, à questão da
representatividade do PAIGC no processo, todos foram unânimes em declarar que
os problemas internos de tal formação política, sem desprimor da sua
importância relativa, ainda assim não devem ser equacionados no processo de
inclusão, porque, e conforme a ótica dos auscultados, os militantes dos
libertadores estão incluídos em todas as esferas de decisão. Entretanto, existe
outro ponto de vista diferente: para os defensores deste ponto de vista, falar
da inclusão é falar das instituições como partes, e não de membros de uma
instituição, corroborando, desta forma, a posição defendida pelo PAIGC.
Revisão
Constitucional e da Lei Eleitoral
A maioria também
patenteou o desejo de uma revisão pontual da Constituição da República, não só
para clarificar algumas situações de estrangulamento, como, por exemplo,
cercear algumas prerrogativas presidenciais no tocante a matérias sensíveis,
tais como a nomeação de Embaixadores e do Procurador-geral da República.
Os presentes
acham que as eleições gerais devem ser precedidas por eleições autárquicas, e
que as injustiças gritantes relativamente à proporcionalidade nos círculos
contidas na Lei eleitoral devem ser corrigidas.
Também concordam
em atribuir a responsabilidade da gestão global do processo das eleições a
apenas uma única entidade – a CNE.
Relativamente às
etapas prévias no concernente à preparação das eleições, todos os partidos
acham inelutável que, para melhor transparência do processo, se deva introduzir
no recenseamento geral a identificação biométrica.
III. Conclusões/Propostas
A oportunidade e
a pertinência desta iniciativa mereceram a unanimidade dos participantes, ao
que todos se pronunciaram a favor da institucionalização de um espaço de
diálogo permanente para concertação entre as forças vivas do país.
Houve
convergência entre a maioria dos interlocutores, nos diversos pontos de vista
exprimidos sobre a extensão do período de transição. Para eles, as eleições, de
per si, não resolvem os problemas com que a democracia guineense se defronta. É
necessário definir previamente as estratégias que assegurem a perenidade dos
ciclos eleitorais, e consequentemente, das legislaturas.
Em consequência,
a adopção de uma agenda política nacional que balize a Transição é um
imperativo nacional, a fim de evitar que soluções exógenas sejam impostas aos
guineenses, como tem sido até aqui. Terá que ser descortinada uma agenda
política nacional a ser validada por um fórum representativo de maioria dos
partidos e outras forças vivas, que depois seria submetida a aprovação da
Assembleia Nacional Popular. A maioria dos interlocutores é de opinião de que
os guineenses devem ser capazes de pensar por si mesmos. Devem ser capazes de
propugnar por uma agenda política nacional onde estarão refletidos os
verdadeiros interesses nacionais a apresentar à comunidade internacional, e não
o contrário.
Os interesses
nacionais devem prevalecer sobre os interesses partidários, devendo, para esse
efeito, primar o diálogo, mas um diálogo franco, aberto e institucionalizado,
em detrimento doutras formas de fazer vingar as nossas posições, e os nossos
pontos de vista.
De uma forma
geral, a maioria dos interlocutores acha que não faz sentido, falar apenas de
reformas no sector da defesa e segurança. As causas político-militares
subjacentes às nossas crises recorrentes devem ser analisadas para que se
encontrem as soluções mais adequadas e consentâneas com as nossas realidades.
Também existe unanimidade quanto à necessidade de simultaneamente se proceder a
reformas profundas no aparelho administrativo central e local, sem as quais o
Estado continuará a acumular passivos de ineficácia e ineficiência quanto à sua
funcionalidade, o que tem permitido, de forma crescente, o incremento da
corrupção generalizada.
A maioria dos
partidos e organizações pronunciou-se contra a impunidade que lavra no setor da
justiça, relativamente aos crimes de sangue, e os de outra natureza, pondo em
causa a estabilidade e a certeza requeridas nesse capítulo para melhor
apaziguamento dos espíritos, melhor coesão da sociedade guineense e ao mesmo
tempo motor de atração de investimento. Em suas opiniões, esse setor necessita
de reformas profundas a fim de melhorar o seu funcionamento.
A título
informativo, é importante referir que o PRS comunga destas
conclusões/propostas, havendo a sublinhar a necessidade de todos os partidos
aderirem ao Pacto de Transição, enquanto condição sine qua non para a tão
desejada Inclusão. Ademais, o alargamento do período de transição deve estar
condicionado a uma agenda política consensual, definida pelos guineenses e
susceptível de assegurar a erradicação dos défices do nosso sistema político,
que têm conduzido, invariavelmente, a interrupções de mandatos conferidos
democraticamente nas urnas.
http://www.wook.pt/ficha/os-filhos-do-graal/a/id/47375
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