O rio Corubal, fronteira Leste entre a Guiné-Conacri
e a Guiné-Bissau, é atravessado numa jangada com o motor avariado. É a força de
braços de meia-dúzia de homens que vivem numa aldeia das imediações, no meio da
floresta, que impulsiona a plataforma ligada por roldanas a um cabo esticado
entre as duas margens.
O cenário retrata o esquecimento a que estão votadas
as zonas fronteiriças pelas autoridades dos dois países onde as travessias são
feitas de trilhos e caminhos de terra batida especialmente mal tratados na
época das chuvas, entre maio e novembro. Mas no meio de tanta precariedade e
isolamento, do lado lusófono, um polícia já espera por nós com um caneco de
água e lixívia para lavarmos as mãos. "Há uma ordem que nos chegou aqui
por causa da epidemia que está a assolar a Guiné-Conacri", explica.
"Quando alguém sai da vizinha república, tem
que desinfectar as mãos antes de entrar [na Guiné-Bissau]". Foi assim
durante pelo menos dois meses, até as autoridades de Bissau decidirem ir mais
além: na terça-feira encerraram de vez as fronteiras com o país vizinho afetado
pela epidemia de Ébola. Na jangada da fronteira de Fulamore chegava a haver
dias em que quase ninguém passava, mas a circulação intensificava-se aos
fins-de-semana por causa dos 'lumos', as feiras nas principais povoações de um
lado e outro da fronteira. Estes mercados contribuíram para o receio de a Guiné-Bissau
poder importar o vírus, pelo que, para além do fecho das fronteiras com
Conacri, o governo prepara um decreto que proíbe atividades que gerem grandes
aglomerações, como os 'lumos'.
Depois, chega-se a Pitche onde há um novo posto de
controlo fronteiriço. Os guardas querem saber "como estão as coisas do
outro lado, por causa do Ébola" e o rol de perguntas mostra que têm
dúvidas sobre o vírus e o modo de contágio - e quase de forma reflexa
afastam-se quando lhes estendemos a mão. Nestas paragens, um posto fronteiriço
nunca vem só, tanto de um lado, como de outro. Quem sai da Guiné-Conacri tem
que parar duas ou três vezes, consoante os documentos que precise de visar.
Nenhuma das cordas que bloqueiam a estrada é levantada sem falar com guardas:
- "Como é que vai? Está bem?", são
perguntas padrão de um controlo de circulação informal que sempre existiu e
cuja eficácia é agora posta à prova. Mamadu Jao, antropólogo da Guiné-Bissau
especialista em estudos africanos, disse na quinta-feira à Lusa que o encerramento
de fronteiras decidido pelo governo vai fechar as estradas principais, mas
"vai aumentar a pressão nas vias não oficiais", onde se cruza a
fronteira a pé e de velocípedes sem qualquer controlo. Este e outros riscos -
como a impopularidade da medida, que vai prejudicar o rendimento de famílias
que vendem nos "lumos" - devem ser "acautelados" pelas
autoridades para que o fecho de fronteiras "tenha eficácia".
O governo da Guiné-Bissau está a tentar angariar 520
mil euros para aplicar um plano de contingência para o Ébola, aprovado em
conselho de ministros no último dia de julho. Para os 45 pontos de entrada no
país, o objetivo é formar 106 paramilitares e 630 membros de equipas de saúde e
dar-lhes mais recursos e equipamento. A principal estratégia do plano passa por
dar informação e "envolver toda a população" na prevenção e
vigilância em relação a eventuais casos" para que possam ser seguidos
pelos técnicos de saúde. O pior surto de sempre de Ébola no mundo, que eclodiu
na África Ocidental, matou até agora 1.069 pessoas e provocou o alarme
internacional, levando várias grandes companhias aéreas a cortar voos para a
região.
// cmjornal
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