terça-feira, 8 de setembro de 2015

A incoerente aproximação do PRS ao PAIGC pode agravar a fragilidade da democracia na Guiné-Bissau

Por, mestre Timóteo Saba M’bunde

Os renovadores apontam que resolveram participar do recém-constituído governo para estabilizar o país e viabilizar a governação. Não é inverdade tal justificativa, entretanto é muito reducionista e incongruente, e se não for concebida isoladamente, torna-se vulnerável à rejeição. Ao alegar que a necessidade pela estabilidade político-institucional do país foi a razão pela qual brindou o convite de Baciro Djá, o Partido de Renovação Social (PRS) tenta dissociar a indissociável e intrínseca relação entre o recém-formado governo e o deposto governo. O fato é que o agora formado executivo foi gerado em resultado direto do destituído governo, do qual o partido de milho e arroz era membro integrante. Ou seja, o próprio PRS foi vítima do decreto presidencial que destituiu o governo, pois era parte do executivo.

Outro elemento que corrobora a incoerência da maior agremiação político-partidária de oposição, no país, está relacionado à manutenção do mesmo discurso em relação à justificativa para sua participação no anterior executivo de Simões Pereira e também no atual governo de Djá. O discurso de “estabilização política” no país encontraria enquadramento lógico na atual conjuntura – de participação no atual governo – haja vista que, sem o apoio do PRS, a probabilidade de rejeição parlamentar do programa de governação do atual executivo seria maior e a crise se aprofundaria. Entretanto, mesmo para a sua integração governamental nesse segundo momento, o referido discurso se evapora, pois ao atual governo precedeu um governo (do qual PRS era membro) ilegitimamente deposto pelo Presidente da República, não obstante a legalidade de sua destituição.

Ademais, não foi razoável o comportamento político dos renovadores em integrar o precedente deposto governo do PAIGC. Por constituir a principal força de oposição, o partido deveria, normalmente, se resguardar na condição de legítimo e principal opositor do executivo. O PAIGC tinha a maioria parlamentar e aliciou o PRS a participar daquele governo (governo destituído) com vistas a governar sem oposição. Por isso, a retórica de que o partido havia integrado o governo com o propósito de contribuir pela estabilização política do país carece de um forte fundamento. A fragilidade do referido discurso se evidencia e se sustenta ainda mais com sua deliberação em integrar o executivo que acaba de ser formado.

A partir de uma indagação retórica, pode-se perguntar até que ponto a participação do PRS no governo chefiado pelo Baciro Djá legitima o contestado ato presidencial que destituiu o governo de Simões Pereira. Até que ponto sua integração no executivo dessa natureza encoraja sistemáticas destituições e gestações de governos não oriundos do voto popular?

Os últimos comportamentos políticos do PRS constituem objeto preocupante e importante ao mesmo tempo, a partir do qual é possível analisar, não só a hodierna configuração de relações político-partidárias em curso, na Guiné-Bissau, como também a nova concepção de política partidária do PRS pós-Kumba Yalá. Primeiro, a deliberação política dos renovadores em participar do anterior executivo e do atual governo corrobora e fortalece a constatação de que o atual PRS (sua elite político-partidária) tem adotado uma nova concepção sobre a política partidária: “o importante é estar no governo, não importa de que natureza é e em quais circunstâncias”. Quando é assim, o partido se transforma em office-seeking party (partido cujo objetivo político central, nesse tipo de situações, é conseguir cargos no governo do partido vencedor das eleições), invertendo a sua histórica trajetória política de policy-seeking party (partido que escolhe não estar no governo do partido rival vencedor, preferindo estar na oposição com vistas a influenciar a estrutura política como um todo, preservando suas convições políticas e ideológicas).


Por outro lado, essa recorrente e não menos vertiginosa aproximação do PRS ao PAIGC, vice-versa, em um país cuja configuração político-partidária é bipolar (pelo menos por enquanto), pode ser uma potencial ameaça para a nossa tenra e delicada democracia. Onde está (estaria) a oposição? Quando um partido é segundo maior votado, deve, por congruência e conveniência política e democrática, excetuando casos muito especiais, zelar pela oposição político-partidária, a qual constitui um elemento imprescindível para a engrenagem da democracia, sobretudo a guineense. No meu ponto de vista, além da corrente aproximação partidária (no âmbito de governação) dos dois principais partidos e rivais políticos constituir um incongruente comportamento político-partidário, ela poderá exacerbar a fragilidade de já débil estrutura democrática da Guiné-Bissau.

Nota: Os artigos assinados por amigos, colaboradores ou outros não vinculam a IBD, necessariamente, às opiniões neles expressas.

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