As lideranças governamentais africanas,
a convite das autoridades políticas indianas, estiveram reunidas nos últimos
dias com a elite política dirigente do segundo país mais populoso do mundo e a
maior democracia do planeta. A cimeira de Nova Deli corresponde ao III Fórum
Índia-África, tendo sido realizados os primeiros dois encontros em 2008 e 2011,
em Nova Deli e Adis Abeba, respectivamente. Diferentemente das duas primeiras
reuniões, cujos convidados foram somente 14 e 15 países africanos,
respectivamente, escolhidos pela União Áfricana, o terceiro encontro de mais
alto nível entre a República da Índia e os Estados africanos albergou mais de
40 chefes de Estados e governos africanos. A Índia define sua aproximação à
África como desejo de busca pelo desenvolvimento mútuo, baseado nas relações
históricas de amizade e cooperação que caracterizam os Estados africanos e a
Índia desde o encontro de Bandung, em 1955.
Tal discurso indiano de solidariedade
entre os povos e amizade entre as ex-colónias e países em desenvolvimento é o
tradicional sotaque que caracteriza os países do eixo Sul, mas que reflete
muito pouco daquilo que realmente está em jogo. Penso que, de fato, existe uma
irrefutável dimensão de solidariedade produzida pela história que tende a
favorecer a relação da Índia, da China ou do Brasil com os países africanos
(Conferência de Bandung, G77, CPLP, etc.), contudo, é simplório e reducionista
falar em relações Sul-Sul sem apontar a dimensão material como a mais relevante
para os atores envolvidos. Portanto, essa ampliação de fórum de relações
bilaterais entre a Índia e praticamente todos os países africanos constitui um
histórico anúncio formal de engajamento político-econômico indiano que pretende
atravessar toda a África e que tende a fortalecer a competitividade indiana na
região. Ademais, o III Fórum Índia-África representa uma oportunidade e ao
mesmo tempo um desafio para os Estados africanos, entre os quais a
Guiné-Bissau, que foi representada ao mais alto nível pelo Presidente José
Mário Vaz.
É insofismável que a Índia não é de
hoje, ao lado da China e do Brasil, uma das principais “emergentes” parceiras
de cooperação e comércio da África, todavia, a sua abordagem
econômica-comercial no continente, diferentemente a de China, vinha sendo seletiva,
direcionada mais a uma média de 15 ou 16 países, com destaque para a África do
Sul (sua maior parceira comercial africana), Nigéria, Angola, Egito, Argélia,
Sudão, Tanzânia, entre outros. Inspirado no modelo de FOCAC (Fórum de
Cooperação China-África, articulado pela China e iniciado em 2000, ocorre em
cada três anos), o Fórum Índia-África que terminou no último dia 30 de outubro
deste ano, sob o tema “Parceiros no Progresso: no Caminho Para Uma Agenda de
Desenvolvimento Dinâmica e Transformadora”, indica que o governo indiano,
chefiado pelo politólogo Narendra Modi do partido nacionalista Bharatiya
Janata, eleito em 2014, esboça aumentar a presença política e econômica da
Índia na África. O figurino institucional que caracteriza esse III Fórum
assinala que essa potência da Ásia do Sul adota e estende o bilateralismo como
o principal canal para a sua inserção em todos os contextos africanos.
Antes de lançar luz sobre as
oportunidades e os desafios que o III Fórum Índia-África representa para os
Estados africanos, convém registrar que países como o Brasil e em alguma medida
a África do Sul (a maior investidora local), mas principalmente a China, não
estarão totalmente acomodados com essa iniciativa. Entretanto, curiosa e
paradoxalmente o FOCAC serviu de inspiração para a articulação da parceria
afro-indiana nos moldes do III Fórum. Por outro lado, penso que é discutível
dizer o mesmo em relação à ASA (Cúpula América do Sul-África), a qual foi
articulada pelo Brasil e Nigéria e era para ser “Cúpula Brasil-África”, mas o
Brasil resolveu convidar seus pares da região sul-americana. Acredito que, em
termos estratégicos, o comportamento brasileiro de inter-regionalização de uma
relação que poderia ser bilateral tem suas vantagens e desvantagens, o que não
constitui objeto da nossa presente análise.
São muitos os autores que já falavam em
competição sino-indiana (especialmente suas empresas públicas e privadas) e
alguns apontam (pelo menos insinuam) existência, embora em menor grau, de uma
corrida sino-brasileira pelos recursos no continente africano. Todavia,
empiricamente há mais elementos (muitas semelhanças nos padrões de abordagem e
o volume de seus investimentos na região) para se falar em disputa sino-indiana
na região. O porta-voz do Ministério de Relações Exteriores da China, em reação
a esse III Fórum de Nova Deli, declarou aos jornalistas que a III cimeira entre
a Índia e os chefes de Estados e governos africanos não representa instauração
de relação de competitividade sino-indiana na África. A declaração de Lu Kang
não passa de um pronunciamento diplomático, pois, no meu ponto de vista já
existia competividade entre China e Índia na região e agora ela tende a ser
crescente. Embora a China seja a principal parceira comercial dos países
africanos, os números da Índia não são modestos e estão muito longe de não
constituir um alerta ao país da Ásia oriental. No ano passado, 2014, o comércio
entre a Índia e África atingiu US$ 77 bilhões, ainda distantes dos US$ 222
bilhões do comércio sino-africano no mesmo ano, mas são significativos.
Somado a isso, vê-se que o aumento de
investimentos públicos e privados indianos na região tem sido acompanhado por
um crescente número de emigrantes indianos para a África. Esse fenômeno se deve
significativamente ao promissor (já vem se tornando uma realidade) mercado
africano, onde comerciantes e empreendedores indianos conseguem se instalar e
investir. Lembra-se que na atual conjuntura econômica internacional, enquanto a
Índia cresce a China sofre revés econômico.
Penso que a assertiva inserção econômica
e política indiana na África – as autoridades indianas falam em “uma nova era
nas relações afro-indianas” – permitirá que os países africanos, especialmente
aqueles que não contavam com frequentes investimentos e recorrente cooperação
desse país asiático, estabelecer relações de cooperação com a Índia em mais
diversas áreas. A Índia é uma grande compradora de petróleo, ouro e outros
minérios africanos, fato que explica o seu elevado grau de relações comerciais
com Estados como Sudão, África do Sul, Nigéria, Argélia, Líbia, entre outros.
Todavia, ela é também uma importante parceira de cooperação nas áreas de
agricultura, segurança alimentar, saúde, educação, ciência e tecnologia,
indústria, infraestrutura e serviços.
A disponibilidade do governo indiano em
ampliar e aprofundar cooperação com seus homólogos africanos foi manifestada
pelo Primeiro-Ministro Modi durante esse III encontro e já colocou à disposição
dos governos africanos um pacote inicial de US$ 10 bilhões em crédito concessional.
Portanto, Estados como a Guiné-Bissau poderão – a Índia é a principal
compradora do maior produto de exportação da Guiné-Bissau, o caju – alargar a
sua parceria de cooperação para outros setores. Vale a pena salientar que a
participação da Guiné-Bissau nessa cimeira de Nova Deli rendeu a este país da
língua oficial portuguesa a disponibilização indiana de cerca de US$ 250
milhões para financiar projetos de energia renovável (na província leste do
país), produção de arroz e emprego jovem.
Dito isso, a dilatação de cooperação e
dos investimentos da Índia na África constituirá mais uma opção, mais uma
alternativa, especialmente à cooperação chinesa, embora ambos os modelos de
cooperação compartilharem vários aspectos parecidos. Por outro lado, a inserção
incisiva do capital indiano na região pode causar danos exorbitantes aos
produtores, aos investidores e comerciantes locais, haja vista a desigualdade
concorrencial das partes. Aliás, esses efeitos nocivos do capital das potências
do Sul na região, que têm sido crescentes há pelo menos uma década e meia
poderão agravar com a materialização do novo padrão de inserção que a Índia
esboça. No meu ponto de vista, as organizações da sociedade civil poderiam ser
potenciais atores capazes de mitigar as possíveis externalidades advindas dessa
relação desigual e agressiva entre o capital estrangeiro e os interesses
locais, mas fico um pouco reticente devido à fragilidade e ao baixo nível de
atuação dos atores da sociedade civil africana.
Nota: Os artigos assinados por amigos, colaboradores ou outros não vinculam a IBD, necessariamente, às opiniões neles expressas.
Sem comentários :
Enviar um comentário
COMENTÁRIOS
Atenção: este é um espaço público e moderado. Não forneça os seus dados pessoais (como telefone ou morada) nem utilize linguagem imprópria.