Havendo necessidade de um esclarecimento
sobre a atual situação política, ainda antes de darmos início à nossa
argumentação jurídica e análise constitucional, façamos um pequeno resumo de
como chegámos a esta situação caótica, de desregulação institucional e de
subversão dos mais elementares princípios do Direito ou mesmo do simples bom
senso.
Tudo gira em torno daquilo que se passou
no dia 18 de Janeiro na Assembleia Nacional Popular (ANP), que passo a tentar
resumir: estava reunido o plenário, tendo por ordem de trabalho a «segunda
volta» do Programa que deveria ditar o futuro do Governo, que se encontrava
presente, estando assim reunidas todas as condições requeridas.
O ex-presidente da ANP transportava um
pesado fardo de abuso de autoridade num passado recente, de desrespeito pelo
plenário, pelos prazos constitucionais, pelas ordens de trabalho e, em última
análise, pelos deputados e deputadas da Nação nominalmente eleitos, na
expectativa sempre frustrada de conseguir reunir uma maioria favorável aos seus
intentos.
Ao verificar que o Comissário da Polícia
da Ordem Pública (POP), José António Marques, cumprira os procedimentos legais,
baseando-se no Boletim Oficial, e o resultado seria de novo desfavorável, pela
enésima vez, Cipriano Cassamá anunciou a suspensão invocando «falta de
condições de segurança». No entanto, nunca a segurança fora tão forte, como
nesse último dia do Governo de Carlos Correia, em que até o
ex-Primeiro-Ministro foi revistado, para entrar no hemiciclo.
Ora as reuniões da plenária só podem ser
interrompidas nos termos do art.º 69.º do Regimento da ANP.
Quanto aos argumentos jurídicos, em
defesa da legitimidade do novo Presidente da Mesa da ANP, Alberto Nambeia,
julgo que foi sobre os artigos 23.º e 24.º do Regimento, que incidiram as
principais críticas, pelo que quero começar precisamente por aí. O Artigo 23.º
fala-nos sobre o Mandato do Presidente da ANP. O legislador traduz a
configuração assumida pelo Parlamento, pelo que, no caso de alterações
substanciais na maioria, é lícito que esta maioria, em democracia, assuma esse
mandato em consonância, em nome do povo.
E o Artigo 24.º prevê a Substituição do
Presidente da ANP. O ex-presidente deu FALTA DE COMPARÊNCIA (pois a sessão
parlamentar fora suspensa e não encerrada, como o próprio defendeu
posteriormente), e viu-se IMPEDIDO de continuar, embora estivesse presente nas
instalações da ANP.
O ex-presidente da ANP reuniu assim
cumulativamente as condições de faltoso e de impedido. Verificando-se o QUÓRUM
(art.º 60.º do Regimento) suficiente para permitir deliberar. Em consequência,
nos termos constitucionais e regimentares, o colectivo parlamentar validou o
segundo Vice-Presidente, conforme estipulado no primeiro ponto desse artigo
24.º, para dar provimento à substituição do ex-Presidente, considerado indigno
para o exercício do cargo, após recorrentes e grosseiras violações do Regimento
e do respeito devido à dignidade da instituição.
Em síntese, o PAIGC praticou uma série
de atropelos e deslealdades, recorrendo à sua máquina de manipulação,
protelando indefinidamente qualquer solução que lhe fosse desfavorável,
abusando dos mais absurdos subterfúgios legais para subverter Constituição e
regras regimentais da ANP.
Perante a sucessão de inúmeros pequenos
golpes na legalidade, a paciência esgotou-se. A Assembleia Nacional Popular é o
órgão competente por excelência para dirimir esta alegada crise, como
recentemente se resolveu em Portugal, porque tem mecanismos próprios à luz do
Regimento e da Constituição da República, porque se deve evitar a
judicialização dos atos políticos. Os problemas políticos devem ser resolvidos
politicamente.
O Governo de Carlos Correia caiu no
momento em que abandonou o Parlamento e cabe agora ao Presidente da República
convidar o PRS para propor uma solução política.
O ex-Governo não tem condições políticas
para continuar a reunir em Conselho de Ministros, ou sequer a invocar a
qualidade de governantes. Entre os casos feridos de ilegitimidade, está a
exoneração apressada e arbitrária, na Segunda-Feira passada, do Comissário da
POP, a qual deve ser, para todos os efeitos, considerada nula e inexistente.
Quanto aos deputados do PAIGC, deverão
voltar aos seus lugares, sob pena de perda de mandato, essa sim, justificada,
por absentismo. Ou seja, da desagregação da antiga maioria saída das últimas
eleições de 2014 resultou uma nova maioria, que devemos acreditar empenhada na
estabilidade político-governativa do País, coisa que o PAIGC já demonstrou ser
incapaz de oferecer, apesar de ter reunido todas as condições para tal.
Na lógica da doutrina constitucional do
nosso sistema parlamentar, os governos formam-se com a base em maiorias que
possam garantir a governabilidade, e não forçosamente nas maiorias saídas das
urnas, como aliás recentemente se verificou em Portugal, e se está a desenhar
em Espanha, para não falar do caso do Luxemburgo.
Muito bem explicado.
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Bravo