domingo, 13 de outubro de 2013

Conto: O Ministro



Abdulai Carmalá acordará nesse dia mais cedo que o habitual e logo com uma longa chamada do seu patrão. Este ultimo encontrava-se afilo por chegar ao serviço mais cedo que o costume. Abdulai abalara de casa a correr sem ao menos tomar o seu mata-bicho. O patrão tinha passado a noite em branco por um colega lhe ter confidenciado que haveriam, brevemente, remodelações no Executivo. Isto é, iam rolar cabeças no Governo que eles pertenciam. E ele tinha a plena consciência de que ocupava um cargo bastante sensível, um cargo, que muito embora, ia conseguindo manter graças a sua imensa capacidade de bari-padja, tinha sido algo instável antes da sua chegada. Tão instável que não houve ninguém que o ocupara até ao fim de mandato de um Governo. Mas ele ia conseguindo com o seu truque de camaleão manter-se no cargo. Já passara por ele três Governos diferentes; saliente-se, os governos passaram por ele, não ele pelos Governos. Todos sabiam como ele se mantinha no cargo, mas mesmo assim atingia o seu objectivo. Mudava de lado com a mesma facilidade com que muda de camisa.

Abdulai chegou a casa do seu patrão e nem precisou tocar a campainha, como frequentemente fazia, pois o dito-cujo já se encontrava à porta a sua espera.

- Vem atrasado Abdulai, sabe bem que eu detesto atrasos.

- Sim senhor. Não ouvi a chamada e não é costume acordar a estas horas. Diz Abdulai ainda com cara e voz ensonada.

- Vá, vamos lá embora que quero chegar rápido ao serviço.

 Dirigiram-se rapidamente para o palácio do Governo. Ao chegarem, antes de irem para o escritório, para que Abdulai recebesse as instruções do dia, entre os quais os recados para as amantes, tiveram que passar primeiro pelo gabinete do chefe do Executivo. (Havia que sondar o chefão).

- Bom dia Sr. Primeiro-Ministro.

- Bom dia, bom dia. Chegou cedo hoje meu caro. Respondeu-lhe o PM, sem nem levantar o rosto. O que não era de todo um bom sinal.

- Sabe como é, há que fazer sacrifícios por este povo. Essa é a minha função, a minha vida é isto...

De facto ele tinha razão, aquele cargo era a sua vida. Todo em si girava em volta daquele posto. Tudo aquilo que conseguira na vida, provinha dali. Fizera pouca coisa da vida desde que regressara de Portugal, onde se tinha licenciado em economia. Foram tempos difíceis que ele detesta relembrar, mas que também não podia esquecer. Um país famoso sem conteúdo que sustente essa grandiosa fama. Quando deixará Bissau em 1986 rumo à capital lusitana, carregava em si grandes sonhos, expectativas elevadíssimas. Que se foram dissuadindo a medida que descortinava a verdadeira Lisboa, aquela com ghuettos de latão e lixos amontoados, aquela com mendigos desafiando o frio nas calçadas do Rossio nas rigorosas noites de inverno.

Na verdade, ele tinha deixado Bissau sem perspectivas de volta. Tomará como exemplo os Cubanos e os Soviéticos, que tiveram de fazer o caminho de volta para Europa logo após o regresso ao país. A situação não estava fácil, anos passavam e os combatentes de Cabral nada mostravam ao povo. Pior, não cediam espaço a mais ninguém. Os recém-formados, por sua vez, não podiam hipotecar a juventude e os seus saberes num país com futuro incerto e, tal como ele, o grande objectivo era ganhar dinheiro.

Mas que importava isso? Que importância tem a falta de patriotismo? Não planeava regressar mas regressou; mas valia ser doutor na sua terra que um zé-ninguém em terras alheias…

- Ainda bem que pensa assim, é sempre bom lembra que estamos aqui para servir o povo. Disse em tom baixo o Primeiro-Ministro.

- Sem dúvida chefe, sem dúvida…

Quase que expulso pelo silêncio do chefe, o nosso economista pediu licença e saio da primatura. Dirigiu-se para o seu gabinete na companhia do seu motorista e moço de recados. Dera a este indicações pormenorizadas para o resto do dia. Onde tinha que ir, o que tinha de fazer e dizer.

Abdulai seguirá para os seus afazeres deixando o seu patrão possuído pelas interrogações. A imagem e a reacção do Primeiro-Ministro não lhe tinham deixado satisfeito, nada satisfeito mesmo. Mas o que fazer? Ficar quieto a espera que este lhe ruasse? Ou sacudir o rabo do estufado e tomar providências? Claro que o nosso economista não era homem de ficar a espera de nada, havia de fazer algo. Mas o quê?

Ao cair do dia, com aquele cenário inigualável, sem luzes artificias que desfiguram a beleza do crepúsculo, Abdulai apanhou o seu patrão a porta do palácio do Governo, pensando que se dirigiriam para casa. Ficou, um tanto quanto, admirado quando este lhe disse vamos para Gan Turé, tenho que falar com o velho Satalá.

- Para Gan Turré, chefe? Mas o chefe não me manda sempre buscar o velho Satalá quando precisa dele?

- Abdulai, faça o que lhe digo e não me questiona.

 - Peço desculpas chefe, mas é que fiquei surpreso e ainda por mais lhe vejo com cara preocupada.

- O assunto é mesmo para preocupação. Posso perder o meu cargo, logo também perdias o teu. Percebes agora?

Abdulai rapidamente assimilou a questão, percebeu o porquê de terem ido para o serviço mais cedo que o habitual e percebeu o porquê de terem passado de manhã pelo gabinete do Primeiro-Ministro.

- Percebo chefe. Isso seria muito mau, tenho famílias para sustentar. Sabe como é, quatro mulheres e 9 filho. Por mais desde que o meu pai faleceu todos os encargos das suas famílias caem sobre os meus ombros.

- Esse é o problema de vocês, homens muçulmanos. Acham que ter muitas mulheres é sinal de riqueza. Mas na verdade são elas que vos sustentam e quando não o conseguem fazer, vocês caem na miséria.

- Mas chefe, vocês, kristons, também têm muitas mulheres, a diferença é que só uma é oficial.

A conversa ia decorrendo em tom informal. Por momentos se quebraram as barreiras que separavam o patrão do empregado. O mais certo é o patrono de Abdulai estar naquele momento a desprender-se das preocupações que lhe assolaram o dia todo.

- Isso é uma outra questão. Elas é que não me largam. Querem sempre aproveitar da minha situação. Eu aproveito porque com a minha profissão posso sustentar todas as mulheres que quiser, o que não quer dizer que vá deixar a minha esposa e os meus filhos. Dinheiro não me faltará para dar a todas elas.

- Chefe, desculpa-me o atrevimento. Mas qual é, de facto, a sua profissão?

- Ora Abdulai, não faça perguntas tolas. Eu sou ministro!!!

- Mas chefe…

Talvez o experiente Abdulai fosse cometer a gafe de dizer ao seu patrão que, na verdade, ministro não é profissão. Felizmente, não foi a tempo, o chefe foi mais rápido e se deu conta do tamanho enxovalho, que é estar a discutir assuntos pessoas com o motorista, onde é que já se viu?!

- Mas nada Abdulai... conduza que é para isso que lhe pago. Não para fazer perguntas parvas.

Chegados a casa do velho Satalá, os búzios não pareciam estar muito a favor do nosso ministro. O velho Satalá não poupou nas palavras para explicar ao mesmo que desta vez, alguém lhe tinha passado a frete e lhe fizera uma boa cama de gato. Uma cama que não seria nem fácil, nem barato de desmontar: havia que tirar simolas generosas, matar umas quantas cabras e caso tudo isso não resultasse, a luta entre murus e mistérios haviam de continuar.

E a luta continuou mesmo… só o ministro sabe a falta que todo aquele dinheiro lhe fez depois para conseguir comprar aliados, subornar militares, criar confusão e derrubar o Governo. Que ele chegou a pertencer. Ao menos num Governo de unidade Nacional poderia voltar a roubar algum e fingir não ver os outros a fazerem o mesmo. Voltar a ter carros novos, viagens à Europa e todas as mulheres que, no entanto, lhe deram com os pés.  

Edson Incopté

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