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Também não havia praticamente
documentação sobre a Constituição e as Leis da Guiné-Bissau na Internet e nós
trabalhamos nesse sentido, digitalizando e disponibilizando online tudo o que
conseguimos obter através de pessoas amigas que colaboraram connosco nesse
sentido, aliás, as instituições do Estado nem sequer tinham espaços na
Internet.
Era importante trabalharmos a
digitalização e a disponibilização da Constituição e das Leis da República na
Internet, porque era e continua a ser a Internet o nosso espaço privilegiado de
trabalho, e como a Cidadania era e continua a ser o nosso propósito
generalizado, tínhamos que fundamentar o nosso trabalho através da Constituição
e das Leis da República, tendo em conta a Organização Política do nosso Estado,
por um lado e, os Direitos Fundamentais por outro.
Os cidadãos, ainda que politizados,
estavam partidarizados e em função dessa partidarização, mesmo que esclarecidos
pela politização, estavam consciente ou inconscientemente (nalguns casos)
manipulados pelo compromisso de servir sempre os interesses dos seus partidos
políticos, em detrimento dos interesses do País, a Guiné-Bissau, e do Povo
Guineense.
Havia uma cultura de subjugação,
instalada desde o tempo do monopartidarismo, ou seja, em que havia um Partido
político que assumia o papel, as funções, as tarefas e as actividades do Estado
na sua plenitude.
A Sociedade Guineense foi barbaramente
agredida no essencial dos seus Direitos Fundamentais, Liberdades e Garantias,
ao longo de muitos anos de ditadura do Partido/Estado e do Estado dirigido pelo
absolutismo de um poder egocêntrico!
Foram desvirtuados os princípios e os
valores universais de relacionamento civilizacional baseado na harmonia, na
fraternidade, no respeito e na solidariedade humana.
Foram plantadas "sementes"
sustentadas por princípios assentes numa relação de poder, baseada no uso da
força, através duma ditadura política e militar, dada a natureza da
configuração e da relação política e militar dos máximos dirigentes do País.
Alguns filhos da terra que ousaram
desafiar essa ditadura foram perseguidos, detidos, torturados e barbaramente
assassinados.
O Poder que deveria servir o País e os
Guineenses, transformou-se no poder de servir os interesses dos dirigentes,
seus familiares e amigos, mas também de negar ou condicionar a Liberdade e os
Direitos aos guineenses.
A estratégia da ditadura assentava na
promoção do medo e no aliciamento de todos para a consolidação do Projecto
ditatorial.
A relação de parentesco foi usada para
expandir a conivência e cumplicidade com a ditadura, contribuindo para a
propagação das sementes da ditadura, dos seus métodos e vícios.
Foi este o período que transformou
completamente a Sociedade Guineense, pela negativa, tornando cada guineense
vigilante/polícia do seu irmão guineense, sem que, aquele que sabia que estava
a fazer um serviço para o poder ditatorial, soubesse ou desconfiasse que também
ele estava a ser alvo de vigilância por parte de outro guineense...
Foram cultivadas e incentivadas práticas
nefastas na Sociedade, tais como a violência, o medo, a corrupção, a intriga, o
ódio, a vingança, a intolerância e a humilhação, que nos dias de hoje ajudam a
compreender a cultura da bajulação na nossa sociedade.
Banalizou-se o conceito de Estado, que
deixou de ser do Partido único, para ser de fulano, que também era dono do
partido único e de todos os guineenses que lhe eram submissos. A
disfuncionalidade do Estado nos dias de hoje é fruto dessa administração que se
enraizou e fez "escola".
Não vou alongar mais nesta introdução,
mas era importante revermos, ainda que sucintamente, como chegamos até aqui,
enquanto Sociedade.
Diria que nos dias de hoje, a
politização do cidadão consciente passa pelo conhecimento, independentemente do
grau, da Constituição e das Leis da República; dos seus Direitos e dos seus
Deveres, para que não seja absorvido pela manipulação da estratégia de partidarização
das máquinas de propaganda dos partidos políticos.
A actual crise política, que também
assume o contexto social, não merecia, a meu ver, nesta fase, um regresso a 12
de Agosto de 2015 ou seja, à data da demissão do então Primeiro-ministro Eng.º
Domingos Simões Pereira, para ser analisada na sua particularidade, mas como
tenho lido e ouvido várias abordagens de recuo no tempo sobre o assunto, não
posso deixar de fazer uma análise pontual sobre esse período recente.
Ficamos todos desiludidos com a decisão
do Sr. Presidente da República de demitir o Governo chefiado pelo Eng.º
Domingos Simões Pereira, pois a Guiné-Bissau estava a dar sinais encorajadores
de querer procurar um novo rumo para a estabilidade governativa, quiçá, para o
desenvolvimento, e por mais razões que tivesse para demitir o Governo, deveria
promover um diálogo alargado sobre o assunto sem prejuízo e sem desrespeito
pelos seus poderes e competências constitucionais.
Constatamos que a inclusão governativa
tinha garantido a estabilidade política, que, por sua vez, permitiu que sinais
claros de desenvolvimento fossem observados.
Escrevemos sobre as disputas que
culminaram com a demissão do Governo do Eng.º Domingos Simões Pereira,
posicionando-nos, não contra fulano ou a favor de beltrano, mas, em nome do
Interesse Nacional, ou seja, da Guiné-Bissau e dos Guineenses, tendo por
referência a Constituição e as Leis da República e na tentativa de ajudar os
políticos a se entenderem a bem do país.
Alertamos na altura, para o que em nossa
opinião eram decisões inconstitucionais por parte do Sr. Presidente da
República.
O Supremo Tribunal de Justiça solicitado
a pronunciar-se sobre a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade, não da
demissão do antigo Primeiro-ministro Eng.º Domingos Simões Pereira, mas da
nomeação de um novo Primeiro-ministro, o Dr. Baciro Djá, pelo Presidente da
República (Decreto-Presidencial nº 6/2015 de 20.08.2015) sem observância do
estabelecido na Constituição da República, declarou inconstitucional a decisão
presidencial (acórdão nº1/2015 de 08.09.2015) que culminou na revogação do
decreto presidencial que tinha nomeado o Dr. Baciro Djá como novo
Primeiro-ministro.
A Guiné-Bissau continuava estagnada,
bloqueada, por uma disputa institucional que já não conseguia disfarçar que era
sustentada sobretudo, por uma disputa de egos.
O Presidente da República foi obrigado a
recuar, aceitando o Acórdão do Supremo Tribunal e promovendo, de seguida,
diligências para o cumprimento das formalidades constitucionais visando a
nomeação de um novo Primeiro-ministro, que recaiu na pessoa do Eng.º Carlos
Correia, designado pelo PAIGC enquanto partido vencedor das eleições
legislativas com maioria absoluta e ouvidos todos os partidos políticos com
assento parlamentar.
Foi a primeira vez que uma decisão
delicada teve um pronunciamento que se pode considerar justo, baseado na
estrita observância e interpretação jurídica e não política, da Constituição e
das Leis da República, por parte do Supremo Tribunal de Justiça.
Também não é de ignorar que foi a
primeira vez que uma decisão do género não provocou atitudes de força, de
retaliação e perseguição por parte de um Presidente da República.
Porém a crise ainda que com o desfecho
final produzido através do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, só foi
desbloqueada através do diálogo político, com a mediação da CEDEAO através do
ex-Presidente da Nigéria, General Olusegun Obasanjo que se deslocou a Bissau
reunindo-se com todas as partes envolvidas na crise, obtendo o compromisso de
todos para a viabilização da Governação, contudo, uma importante sugestão
deixada por Obasanjo aos actores guineenses, não foi posta em prática. A
assinatura de um Pacto de Estabilidade para o país.
Em nosso entender, pode ser a causa da
continuação da crise, pois seria um instrumento regulador da convergência de
todos face ao imperativo da viabilização do país.
Contrariamente ao que tenho lido e
ouvido, penso que desde as eleições Presidenciais e Legislativas de 2014 os
sintomas da ditadura na Guiné-Bissau, pela primeira vez não estão no dirigismo
do Estado, mas sim, nalguns partidos políticos.
Ninguém foi perseguido, detido,
torturado ou assassinado, desde então, por criticar o Presidente da República,
o Presidente da Assembleia Nacional Popular, o Primeiro-ministro ou o
Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
Ninguém está privado dos seus Direitos
Fundamentais, chegando-se a constatar que até há abusos de cidadãos relativamente
aos seus Direitos Fundamentais.
Desde que o Primeiro-ministro Eng.º
Carlos Correia foi empossado e mais tarde o seu governo, ainda que, sem a
atribuição de 2 pastas governamentais, o que também mereceu o nosso reparo,
pois deveria haver entendimento entre o Presidente da República e o
Primeiro-ministro para que os ministros propostos fossem aceites e empossados,
ou, uma nova sugestão mais consensual fosse viabilizada, a bem da estabilidade
e da funcionalidade governativa, a tensão institucional diminui entre a
Presidência da República e a Primatura, mas não entre o Presidente da República
e o PAIGC.
O novo Governo constituído e empossado
deixou de contar com a participação/inclusão do Partido da Renovação Social
ainda que tenha sido convidado pelo PAIGC, por falhanços nas negociações sobre
atribuições de pastas, mas também, porque o PRS decidiu fazer uma oposição
digna do termo, que não passava por viabilizar tudo, apenas por estar no
Governo.
O novo governo sabia que tinha que
apresentar o seu Programa no Parlamento em tempo útil.
O PRS questionou o facto de o Programa
do Governo não ter sido submetido ao parlamento em tempo oportuno, mas houve
entendimento e foi agendada a plenária do parlamento para a apresentação e
discussão do Programa do Governo.
Até aqui, ninguém ouviu nada sobre o
Presidente da República. Tudo passava pelo parlamento, pelos partidos políticos
com assento parlamentar e pelo governo, o que dava a entender uma nova postura
do Presidente da República perante a necessidade de respeitar o princípio
estruturante da separação de poderes dos órgãos de soberania.
Entretanto, à margem das estruturas do
Estado, os partidos políticos estavam confrontados com problemas internos, com
particular destaque para o PAIGC, que tinha alas divergentes provocadas pela
confrontação consequente do processo de liderança partidária do Congresso de
Cacheu que não foi gerido de forma a harmonizar o partido, garantindo a sua
unidade, coesão e reforço da confiança na liderança eleita.
A liderança eleita do PAIGC, em nosso
entender não soube avaliar os resultados eleitorais do Congresso de Cacheu a
fim de considerar e traduzir em união, coesão, quiçá, em Ganho e Força do
próprio partido, os números e a percentagem quer do candidato vencedor, quer do
candidato derrotado.
A nova liderança do PAIGC devia
considerar e promover a aproximação ao candidato derrotado no Congresso, ciente
de que, ficou demonstrado que também esse candidato tinha muitos apoios no
partido, evitando a sua desconsideração, evitando uma consequente divisão no
seio do partido, evitando o enfraquecimento do partido.
O Presidente da República apesar de ser
militante do PAIGC e de ter sido apoiado pelo mesmo partido nas eleições
legislativas, não teve nenhum papel directo quer na eleição do Presidente do
PAIGC e muito menos na divisão e confrontação interna no PAIGC pós Congresso de
Cacheu. Porém, perante as crises políticas e institucionais, é referenciado por
algumas pessoas como sendo o instigador das divergências internas do PAIGC.
Será?
E qual deve ser o papel do Presidente de
um partido político perante divergências no seio do partido que dirige, senão
promover o diálogo, a concertação, aproximação, entendimento, para salvaguardar
a unidade, a coesão, em suma, a força do próprio partido?
Não se consegue promover nenhum
entendimento sem haver diálogo e optando por medidas radicais.
A crise interna no PAIGC extravasou para
a esfera social, dividindo os guineenses e criando um clima de preocupação
generalizada.
A crescente divisão social em alas de
apoios às partes em conflito no PAIGC por sua vez, ajudou a incentivar ainda
mais a sua crise interna, com algumas vozes a associar o Presidente da
República a essa crise partidária, numa alegada estratégia para dividir e
enfraquecer o partido, visando uma jogada política no Parlamento na altura da
apresentação e discussão do Programa do Governo.
Chegado o dia da apresentação do
Programa do Governo na Assembleia Nacional Popular, houve de tudo, menos debate
do referido Programa.
O Parlamento serviu, nesse dia, de sede
partidária para lavagem de roupa suja entre as partes desavindas no seio do
Grupo Parlamentar do PAIGC.
Quando o Presidente da Assembleia
Nacional Popular deu por findo o período de debate, nenhuma bancada parlamentar
apresentou uma moção de rejeição ao Programa do Governo, tendo sido o Sr.
Primeiro-ministro Eng.º Carlos Correia a fechar o debate, o mesmo, solicitou
uma moção de confiança ao seu Programa, o que, em nosso entender, era
desnecessário, pois não havendo uma solicitação de uma moção de rejeição, por
parte de qualquer Grupo Parlamentar, o Programa passava automaticamente sem ter
que ser votado.
Foi aqui, em nosso entender, que a crise
ganhou novas dimensões, projectando toda a sensibilidade política e social para
uma base assente na emotividade e não na racionalidade.
Tal como na crise que culminou com a
demissão do Governo liderado pelo Eng.º Domingos Simões Pereira, a nossa missão
consiste em analisar os fundamentos da actual crise, tendo em conta a
Constituição e as Leis da República e suas violações por parte dos actores
envolvidos e tentar ajudar na busca de soluções.
Em nosso entender o epicentro da actual
crise é a Assembleia Nacional Popular, daí nos centrarmos na análise dos
acontecimentos aí registados.
Nota: Os artigos assinados por amigos, colaboradores ou outros não vinculam a IBD, necessariamente, às opiniões neles expressas.
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