sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Manifesto-me na oração que faço

Reflexão de Georgino Rocha

O olhar de Jesus centra-se nas atitudes das pessoas e nas formas do seu relacionamento. Adverte em “coisas” que contradizem o projecto de salvação que vem anunciando. Dá conta de que há quem se considere justo e despreze os outros; de quem aproveite a oração no Templo para se exibir e fazer comparações humanas depreciativas; de quem está cheio de si e das suas obras e não deixa espaço para Deus nem para os demais; de quem apenas reconhece a situação em que se encontra proveniente da sua profissão odiada, “pecadora”.

Adverte e quer repor a verdade. Recorre à parábola do fariseu e do publicano que vão ao templo, como era hábito dos judeus, para orar. Cada um leva o que tem no coração, santuário da nossa realidade mais profunda. Cada um faz oração a seu jeito e manifesta-se tal como é.

O fariseu, fiel cumpridor dos deveres religiosos, adopta atitudes que dão nas vistas e reza o que faz. Centrado no seu eu, apresenta as credenciais de bom ccomportamento. Antes de mais para com os outros: não é como eles, nem sequer como o publicano lá presente, mas distante; respeita os bens alheios, pratica a justiça, vive o compromisso matrimonial. Depois para com o preceituado legal: faz jejum e tem as contas limpas, pois paga o dízimo de todos os rendimentos. Portanto, sente-se seguro na vida, pode andar de cabeça erguida e olhar de cima para baixo, menosprezar os demais.

Jesus, na leitura que faz da parábola, censura este modo de pensar e agir, de forma implacável. (J. M. Castilho). E por várias razões, todas opostas à boa nova que anuncia: Pessoa centrada em si mesma e não aberta e solidária com as outras; que se arvora em modelo fiel de virtudes; que julga sem piedade quem não procede como ela; que considera desprezível a maioria dos seres humanos; que se sente “feliz” na vida, quando na realidade é um pobre “coitado”, cheio de orgulho pessoal e vaidade religiosa.

Há dias, o Papa Francisco na catequese das quartas-feiras, conta a história dos biscoitos da avó. Narra ele: “No Carnaval a minha avó fazia biscoitos com uma massa bem fina. Ela punha a massa no óleo e esta inchava, crescia, mas quando começávamos a comer víamos que os biscoitos eram vazios, ocos. A minha avó costumava dizer que eles eram como as mentiras: pareciam grandes, mas sem nada lá dentro, nada de verdade; não tinham substância”. E depois conclui: a “mentira” e a “hipocrisia” são ainda mais perigosas porque tornam a pessoa avessa à conversão, “incapaz” de mudar. Como o retrato do fariseu feito na parábola.

O publicano mergulha na verdade do ser humano e acompanha com gestos a sinceridade da sua oração. Fica, semi-escondido, ao fundo, não tem coragem sequer para erguer a cabeça e olhar em frente, bate no peito e exclama: “Tende compaixão de mim, Senhor, que sou pecador”. Sente-se longe de Deus e indigno; envergonha-se do que faz; pede perdão, abandona-se nas mãos de Deus; confia na sua misericórdia.

São Bento de Núrcia, o fundador da ordem beneditina que muito contribuíu para civilizar vários países europeus, resume a doze os degraus da humildade. Destaco alguns em sintonia com a atitude do publicano: Crer que Deus nos olha com amor; ser feliz, querendo o que Ele quer; não ter medo de ser débil; evitar vulgaridades e não querer impor-se. Enfim, rezar com humildade conscientes do que somos e agradecidos pelo que recebemos.

A interpretação da atitude dos dois orantes feita por Jesus é deveras supreendente: O publicano recebe os favores de Deus; o outro, não. Aquele é declarado justo; este, não, por continuar na sua auto-suficiência e afirmação.


O exemplo da parábola serve para fazer um “esboço” do rosto de Deus e da sua preferência pelos pecadores e marginalizados, por aqueles que não podem mais do que abandonar-se à sua misericórdia. Serve também para manifestar o homem/mulher que se torna patente na oração que faz. Também aqui se pode aplicar a sentença: Diz-me o que rezas. Dir-te-ei quem és.

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