O sermão das bem-aventuranças abre os
ensinamentos de Jesus sobre a novidade que vem anunciar, o reino de Deus.
Constitui uma espécie de iniciação ao estilo de vida feliz e alegre que os
discípulos são convidados a apreciar e a transmitir, a cultivar e a celebrar.
Faz a “ponte” entre o modo de agir de Deus e as aspirações mais genuínas do
coração humano. Ponte que Jesus evidencia em opções claras e atitudes
coerentes. Nele, o humano é tão singular que irradia o divino que o habita.
Nele, cada bem-aventurança tem a marca do seu rosto e ritmo do seu coração.
Nele, brilha com admirável naturalidade o reino de Deus, o pulsar do amor que
se faz serviço de misericórdia.
Mateus, o evangelista narrador, compõe o
seu discurso com sentenças colhidas em várias passagens bíblicas e dá-lhes um
colorido entusiasta e assertivo, uma energia suplementar para quem tem de
enfrentar e assumir situações contrastantes e de risco. De facto, “o mundo” vai
por outro caminho, distancia-se e considera desumana, alienante e sedativa a
mensagem das bem-aventuranças. O choque parece inevitável. E surgem perguntas
como estas: de que felicidade se trata? Que alegria nos humaniza? Que estilo de
vida sacia a nossa fome e a nossa sede de dignidade constante e de realização
integral? Terão razão homens e mulheres como Madre Teresa de Calcutá, o Padre
Américo do Gaiato, o Papa Francisco, as Criaditas dos Pobres, os voluntários
silenciosos de todas as periferias?
Mateus propõe caminhos que são respostas
válidas. Caminhos que, embora custosos, somos convidados a percorrer. Como no
atletismo: a satisfação de alcançar a meta compensa bem o esforço dispendido na
corrida. A alegria irradia de um coração liberto de todas as amarras,
disponível e pronto, pobre de meios e rico em solidariedade, sem “ganchos” que
reduzem espaços nem complexos que inibem ousadias criativas. “Esta alegria é
privilégio unicamente de quem se sente livre, espontâneo, conectado
directamente com o seu coração de ser simplesmente humano” (Homilética,
2017/1,45). De quem faz a experiência do amor confiante e da entrega generosa.
De quem não deixa instalar no seu ser o poder corrosivo do egoísmo, das
satisfações imediatas, da ganância de bens.
Jesus, grande mestre em humanidade,
conhece bem o coração de cada um/a e o húmus da sociedade humana. O sermão do
monte na Galileia constitui uma proposta de felicidade e adianta uma espécie de
“desenho” do seu projecto para o mundo. A inversão de valores é clara. E vem
ilustrada a partir de três situações de sofrimento e de três atitudes de fundo
em benefício da pessoa humana: A felicidade de quem sofre por amor, de quem chora
por compaixão, de quem tem fome e sede de justiça. Bem-aventurados os que são
misericordiosos, os que tem um coração puro/transparente, os amigos e
construtores da paz. Quem vive estas situações está em sintonia com o coração
de Deus revelado no agir de Jesus Cristo.
Viver estas situações em círculos de
progressivo alargamento: a pessoa, a família, a Igreja, a sociedade; vivê-las
valorando o que de bom e de bem acontece e dando-o a conhecer; cultivando a boa
disposição ou dando “largas” à prudente indignação; derramando uma lágrima
perante o sofrimento injusto e imposto. Vivê-las na partilha do aumento
salarial, na visita aos retidos por amarras desumanas, no sorriso a quem anda
com rosto carrancudo e toma a vida demasiado “a sério”.
São felizes os que sabem reservar tempo
para si, fazer silêncio no seu interior, rezar, ler e meditar a Palavra de
Deus, avivar a fé e dialogar com o Senhor, participar na celebração dominical,
alegrar-se com os sucessos, ainda que pequenos, dos empobrecidos. São felizes
os que procuram os vestígios do rasto de Deus nas pegadas dos seres humanos.
Terão a certeza de percorrer o caminho certo e seguro, andado por Jesus e
“arejado” pela brisa suave do Espírito Santo.
Papa Francisco reflete sobre as bem-aventuranças, programa de santidade em «contracorrente» com o mundo
ResponderEliminarAs bem-aventuranças proclamadas por Cristo estão em «contracorrente» com o que habitualmente «se faz no mundo», e constituem o «programa» e o «bilhete de identidade do cristão», sublinhou hoje o papa Francisco na missa a que presidiu, no Vaticano.
Na homilia, centrada nas bem-aventuranças, excerto do Evangelho proclamado nas missas desta segunda-feira (cf. “Artigos relacionados”), o papa começou por mencionar o primeiro dos caminhos para a paz, interior e exterior, enunciados por Cristo, ou seja, felizes os pobres em espírito.
«As riquezas não te asseguram nada. Mais: quando o coração é rico, fica tão satisfeito consigo próprio que não tem lugar para a Palavra de Deus, vincou Francisco, citado pela Rádio Vaticano.
A seguir, o papa mencionou a bem-aventurança que se refere à promessa de consolação dirigida a quem chora: «O mundo diz-nos: a alegria, a felicidade, o divertimento, isso é o bom da vida. E ignora, olha para outro lado quando há problemas de doença, problemas de dor na família».
«O mundo não quer chorar, prefere ignorar as situações dolorosas, tapá-las. Só a pessoa que vê as coisas como são, e chora no seu coração, é feliz e será consolada. A consolação de Jesus, não a do mundo», observou Francisco.
Continuando a referir-se às bem-aventuranças, o papa lembrou também os humildes que procuram a paz, num «mundo onde em todo o lado se litiga, onde em todo o lado há o ódio»: para esses está reservada «a herança da Terra», ainda que muitos desprezem racionalmente a sua atitude.
Felizes são também todos os que «lutam pela justiça, para que haja justiça no mundo», assinalou Francisco, acrescentando que é «muito fácil entrar na clique da corrupção» e na política «do “do ut des” [dou para que me dês]»: «Quantas pessoas sofrem por estas injustiças».
A alusão aos misericordiosos, que alcançarão misericórdia por parte de Deus, outra das bem-aventuranças que compõem o denominado Sermão da Montanha, foi também comentada pelo papa, para quem as pessoas com misericórdia são «aqueles que perdoam, que compreendem os erros dos outros».
Depois de vincar que Jesus não diz «bem-aventurados os que se vingam», Francisco afirmou: «Todos nós somos um exército de perdoados. Todos nós fomos perdoados. E por isso é bem-aventurado aquele que segue por esta estrada do perdão».
O papa elogiou «os puros de coração, que têm um coração simples, puro, sem imundície, um coração que sabe amar com aquela pureza tão bela», bem como todos os que são perseguidos por causa da justiça.
«Bem-aventurados os que promovem a paz. É muito comum sermos promotores de guerra, ou pelo menos promotores de mal-entendidos», assinalou o papa, que voltou a criticar a intriga: «Estas pessoas que estão com mexericos não fazem a paz, são inimigas da paz. Não são bem-aventurados».
As bem-aventuranças constituem um «programa de vida» que é, ao mesmo tempo, «muito simples mas muito difícil», disse o papa, recordando que se os cristãos quiserem «algo mais» para a sua vida, Cristo oferece outras pistas, como se lê no capítulo 25 do Evangelho segundo Mateus».
«Tive fome e deste-me de comer, tive sede e deste-me de beber, estava doente e visitaste-me, estava preso e foste ter comigo»: com esta atitude e com as bem-aventuranças «pode viver-se a vida cristã a nível de santidade», assinalou.
Para Francisco, estes excertos bíblicos são feitos de «palavras simples, mas práticas», porque «o cristianismo é uma religião prática: não é para pensá-la, é para praticá-la, para a fazer».
«Hoje, se tiverdes um pouco de tempo em casa, tomai o Evangelho, o Evangelho de Mateus, capítulo cinco, onde ao início estão estas bem-aventuranças; e no capítulo 25 estão as outras. E far-vos-á bem lê-lo uma vez, duas vezes, três vezes. Ler isto, que é o programa de santidade. Que o Senhor nos dê a graça de compreender esta sua mensagem», concluiu.
Rádio Vaticano